Luiz V. Décourt: “A Didática Humanista do Professor”

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Luiz V. Décourt: “A Didática Humanista do Professor”. Ed. Atheneu. 2005.São Paulo. 192 pgs.

     Uma bela coleção de pronunciamentos, conferências e escritos do Professor Décourt, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente. Corria o ano 1980, e eu tinha iniciado o meu internato na enfermaria da Propedêutica – Clínica Médica, no sexto andar do Hospital das Clínicas. Lembro-me de um paciente – um dos primeiros que tive no quinto ano –, com uma afeção pulmonar sobre quem levantei algumas dúvidas diagnósticas e terapêuticas durante a reunião clínica. A residente de segundo ano comentou que poderíamos chamar o professor para tirá-las, que ele vinha sempre com muito gosto. Assim foi; pouco tempo depois o Professor Décourt estava sentado na cama do meu paciente, conversando com ele, escutando-o com atenção. Foi a primeira vez o que o vi, e tratou-me com naturalidade, como um colega. Depois, estive com ele muitas outras vezes, assisti as aulas e reuniões clinicas no INCOR, acompanhei-o em alguma visita clínica na enfermaria. Mas a primeira impressão nunca se esquece.

     Leio agora esta coletânea e não me custa imaginar o professor Décourt pronunciando as conferências que aqui se recolhem. Um homem sóbrio, profundamente respeitoso, sério. Não era fácil vê-lo sorrir, porque era naturalmente muito circunspecto, como se observa na fotografia da capa, que corresponde perfeitamente ao seu semblante habitual. Isto me fez pensar; porque frequentemente se associa uma relação médico paciente, ou professor-aluno a um temperamento jovial, alegre, descontraído. Não há dúvida de que sociabilidade espontânea e natural pode facilitar essas funções imprescindíveis no médico e no professor. Daí que o mérito do Professor Décourt seja, no meu modo de ver, muito maior. Ele vivia o que ensinava e, de certo, teve de praticar um esforço constante por vencer sua natural seriedade para mostrar-se aconchegante, e oferecer o conforto ao paciente que sofre: essa é uma das máximas que aparece em quase todos os seus pronunciamentos.

     O livro recolhe perfis de figuras notáveis da história da medicina, das quais o Professor Décourt sabe tirar proveito. Harvey, Semmelweis, Trousseau e um destaque todo especial para William Osler, de quem era admirador devoto, e propõe como exemplo notável.

     Mas é nos primeiros capítulos, que recolhem pronunciamentos feitos como Paraninfo e Patrono de turmas de médicos formados na década de 50, onde o Professor Décourt nos presenteia com reflexões preciosas. “Ao afastar-se do paciente, o médico deforma e descaracteriza sua própria pessoa”. Quer dizer, sem não é para servir o paciente, perde-se o motivo de ser do próprio médico. Um belo pensamento que, como espelho, causaria pânico em tantos profissionais de hoje, além de explicar suas frequentes crises.

     O professor fala das virtudes do médico, entre as quais destaca as variantes da caridade: “não só em forma de compaixão e de interesse, mas daquela que muitas vezes é a mais difícil, a caridade da paciência”. É somente assim, como se consegue ser “amparo e repouso para os que não têm repouso; não somente para o corpo, mas também para o espírito do enfermo”. Recomenda a austeridade do médico, e adverte (em 1955!) que a fragmentação da doença para melhor estuda-la pode conduzir a uma postura perigosa para com o paciente: “Na minucia do pormenor das partes, desaparece, muitas vezes, a imagem do todo; na fascinante busca de uma verdade regional, ignora-se inteiramente o homem que sofre”. Não falta também a sábia recomendação contra a vaidade médica, elemento que sempre se infiltra na nossa profissão e na acadêmica, para o qual se deve estar atento: “Não se aplaude o que o indivíduo realiza, mas aplaude-se o posto que ele ocupa. O aplauso que afaga as vaidades contribuiu para a falsa identificação do indivíduo à posição que ele ocupa”.

     Temos aqui, enfim, um belo conjunto de pensamentos e reflexões que devem ser lidos, meditados, e deixados por perto para retomar sua leitura de tempos em tempos. Isto é o que faz de uma obra, um clássico: sua perenidade, sua utilidade sempre atemporal. A obra, o pensamento, e o exemplo do Professor Décourt é um monumento clássico da nossa medicina brasileira e universal.

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