12 Heróis: Liderança em versão épica.

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12 Strong. Diretor: Nicolai Fuglsig. Chris Hemsworth, Navid Negahban, Michael Shannon, Michael Peña. USA 2018. 130 min.

Deve ser uma americanada, do começo ao fim. Isso pensei de bate pronto quando me deparei com o título, e li em diagonal o argumento. Mas tropecei com o nome do Diretor, um Dinamarquês de 46 anos, e a dúvida surgiu. Felizmente. O que terá a contar um escandinavo sobre as revanches do 11 de Setembro? O protagonista -americano, mas com os créditos de Thor, em várias versões- também se encaixava no mundo viking. Mas o Afeganistão, talibãs, Al Qaeda, e toda essa série interminável de variações sobre o mesmo tema que rendem espasmos patrióticos ianques, não pareciam sintonizar com uma história de deuses e homens ao gosto nórdico.

Com estas questões em mente acomodei-me para ver a feitura do diretor viking. As torres gêmeas afundando, o militar que volta às pressas para a base, e o recado dos superiores: agora o comando é nosso, nada de brincadeiras, este inimigo é de caráter nacional, e global. O time do jovem capitão Mitch Nelson lhe é retirado, os homens se revoltam, querem ele. “Mas esse sujeito não tem experiência bélica, é um teórico” -gritam os generais. Os seus replicam: “Ele é nosso líder, o único capaz de comandar esta missão que tem sabor suicida”. Hesitação, o alto comando cede ao pedido dos soldados -dos 11 que integrariam a primeira missão contra os terroristas após o desastre. O capitão é chamado de volta. Detalham o objetivo da patrulha e lhe advertem: “Você sabe que as chances de todos voltarem vivos são….”. Nelson interrompe categórico: “Cem por cento. Todos vamos voltar”. Surpresa do general que sorri perante tamanha arrogância, e do espectador que, agora sim, acomoda-se na poltrona. Isto é diferente. Tem eco de narrativa épica.

Um comando de 12 homens -uma história que aconteceu realmente, mas foi levada na surdina, pelo sigilo que implicava- destinados a destruir os ninhos de terroristas numa cidade do Afeganistão.  Logo após o 11 de Setembro, com o sangue ainda sem coagular. Chegam as primeiras lições: entender a cultura, pisar o território, que é muito mais do que conhecer o mapa, mesmo com recursos de satélites precisos. Nem tudo o que vive e se move em solo afegano é Talibã. Há histórias pregressas, brigas quase seculares de tribos e culturas que agora se encontram juntas lutando contra um inimigo terrível e comum. O que não quer dizer que se entendam entre eles; aliás, carregam mágoas e ódios antigos. E no meio dessa mistura, aquele grupo de americanos comandado por um homem sem experiência de guerra tem de navegar para chegar a bom porto.

Não se pode etiquetar as pessoas, situá-las em categorias como se essa classificação quase Kantiana -aquelas formas a priori da sensibilidade de que falava o filósofo- resumissem de modo simplista a riqueza que encerra cada pessoa. É preciso entender a cultura, aproximar-se do sofrimento dos outros, paciência para escutar suas histórias. Entender o outro para que colabore, para saber tirar dele o que de melhor tem e também para nós podermos contribuir com os talentos que nos foram dados. Tudo isso é algo que no filme – e no nosso dia a dia- fica fora das possibilidades tecnológicas. Como as montanhas perdidas no Afeganistão, repletas de pontos cegos onde o GPS não tem vez, somente sobra o fator humano. Uma acertada metáfora que o diretor dinamarquês nos serve através dos magníficos diálogos do jovem capitão com o general Dostum:  o ponto alto do filme, a clave para interpretar esta história que, definitivamente, não é mais uma empáfia americana, mas sim uma aula de enculturação e de coaching vital.

O cacique afegano, veterano de guerra, logo adivinha o desafio: “Por que estes homens seguem você. Tens cara de quem nunca matou ninguém”. “Eu sou o chefe, fale comigo, leve-me até o Talibã e te mostrarei o que sei fazer”. É o começo da uma longa amizade -quase como no final de Casablanca- uma relação de confiança, onde ambos aprendem, e crescem. As dificuldades, dizia alguém, são como degraus que ao invés de nos fazer tropeçar, levam-nos a planos mais altos. O general Dostum é quem corta o bacalhau…..com o apoio aéreo que os americanos oferecem. Mas deixa claro quem manda: “Esse é o problema de vocês americanos. Têm muita gente acima de vocês. Acima de mim? Somente Deus”.  Aos poucos a amizade e confiança se solidifica e o general afegano guia o jovem capitão pelas sendas do desconhecido, o transforma: “Pare de ser um soldado. Quando você usar além da cabeça o coração, será um guerreiro. Eu não tenho soldados, somente guerreiros. E cada um que cai em batalha é um punhal no meu coração que, a esta altura, está repleto de massacres”

As cenas dos combates estão perpassadas de sabor épico. A geografia não permite deslocamentos sofisticados através das montanhas. O cavalo é o recurso local, para deslocar-se e também para entrar em batalha. “Cavalos contra tanques? E as nossas bombas? Vão assustar os cavalos!” É o capitão Nelson apontando algo óbvio. Dostum não se perde em explicações, porque o tempo lhe urge: “Os cavalos sabem que são bombas americanas. Não se assustarão”. E parte para o ataque. O grupo americano  segue-o, atraído pela liderança de esse homem singular, que também sabe tirar o melhor dos que lhe rodeiam. Nelson, que foi criado num rancho, cavalga com destreza enquanto dispara com a moderna metralhadora; os seus homens o imitam, incluído o professor de história que nas conversas noturnas lhe explicava sobre a mítica terra que pisam, cemitério de inúmeros impérios.

Uma sequência de cenas, que lembram um faroeste dos bons;  salpicado de considerações filosóficas, armas de precisão, perspectivas que evocam as gestas medievais, onde a honor e a integridade caminham de mãos dadas com a valentia e a audácia. Sem efeitos especiais, nem câmara lenta; sem  música, embora confesso que cheguei a pensar na Cavalgada das Valquírias, para emoldurar com toque nórdico, este filme magnífico. O tributo ao sucesso da missão especial chegou muitos anos depois -o sigilo se manteve durante muito tempo- com uma estátua colocada no World Trade Center, na topografia das antigas torres gêmeas, representando um soldado americano a cavalo. Não é John Wayne, nem o general Custer, mas a homenagem a esta dúzia de homens que lutaram ao lado de um povo oprimido contra o inimigo comum.

Nos créditos finais, relata-se que Dostum chegou a ser eleito Vice Presidente do Afeganistão muitos anos depois, e que a sua amizade com o capitão Nelson continua. Cumpriu a promessa que lhe fez: “Agora os americanos serão mais uma tribo nesta terra. Se a abandonam, serão covardes. Se ficam, poderão ser inimigos. Mas você sempre será meu irmão”. Assim, de bate pronto, sem dar-se nenhuma importância, como a melhor demonstração do carinho que ganhou pelo americano. Sem ostentações nem sentimentalismos. Mais uma vez lembrei de Bogart em Casablanca. Uma curiosa associação de ideias que o cinema provoca, que nada quer saber de lógica ou de diferenças culturais, e facilita a união em volta de um líder. O atrativo comando de quem não coloca limites, chega a todos e cada um, dá o seu melhor, não se poupa. E vai sempre na frente, pregando com o exemplo. Exemplo de liderança, que aqui nos chega em versão épica.

 

 

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