Donna Tartt: “O Pintassilgo”

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Donna Tartt: “O Pintassilgo”. Companhia das Letras. São Paulo. 2014. 722 pgs.

 

o_pintassilgoComprei o livro – e até o recomendei antes de lê-lo – pois deparei-me com duas críticas, de fontes confiáveis, que o elogiavam. Um Premio Pulitzer –que às vezes não quer dizer muita coisa, outras sim- e mais de 700 páginas na minha frente

Um garoto de 13 anos que perde a mãe na explosão de um museu que é parcialmente destruído. A ele, um dos sobreviventes, resta-lhe como saldo uma obra do museu, e um endereço. A obra é “O Pintassilgo”, a pequena tela do pintor flamengo Carel Fabritius (1622-1654), discípulo de Rembrandt e mestre de Veermer,  que também morreu vítima de uma explosão, e aqui temos a ligação afetiva com o argumento do Livro. O endereço é a desculpa para continuar uma história… cheia de buracos, insossa.

Passadas as primeiras cem páginas continuei sem encontrar o argumento, ou melhor, o propósito da premiada autora, onde queria chegar. O adolescente que se debate entre a saudade –natural e compreensível-  da mãe ausente e o quadro que guarda como um tesouro, escondendo-o entre as suas pertenças. “Cada novo evento –tudo o que fizesse pelo resto da minha vida- ia apenas nos separar mais e mais: dias dos quais ela não fizera parte, uma distância cada vez maior entre nós. A cada novo dia, pelo resto da minha vida, minha mãe ficaria mais longe”.

Mas, o que mais? Onde está a trama que prende, aqueles comentários que sempre se colocam na orelha do livro, vindo de “críticos afamados”, e que afirmavam não conseguiam deixar de ler o livro? Eu, confesso, por vezes mal podia continuar porque não encontrava nada. Ou melhor, encontrava sim algo que me irrita profundamente. Um adolescente de treze anos que demostra a cultura de um curador de museu de Nova York. Absolutamente inverossímil.

Deve-se reconhecer que tem descrições magníficas e que a tradução –que nestes casos costuma adoecer de qualidade- é primorosa. Por exemplo, o modo como desenha as personagens. Assim pinta uma das senhoras aristocratas que toma conta do rapaz: “Era  mestre em compostura; nada nunca a abalava ou chateava, e, embora não fosse bonita, sua calma tinha a mesma atração magnética da beleza –uma serenidade tão poderosa que as moléculas se realinhavam à sua volta quando ela entrava num ambiente”.

Mas, além do pedantismo que destila de uma falsa cultura do adolescente, a mistura com o “modus dicendi” de garotos dessa idade (traduzido como tipo aquela coisa, com uma saturação cansativa de filmes e brincadeiras de adolescentes que nada representam –ao menos para mim) torna a leitura tediosa, cansativa, sem nenhum gancho. Sempre é possível pensar que no original tenha mais impacto, mas duvido, porque parece-me que a tradução está adequada ao que a autora escreveu. O problema não é a forma, mas o fundo, o conteúdo. Quer dizer, a falta de conteúdo.

Uma vida que se arrasta, com saudades da mãe no passado, e o vazio no presente. Mas sem nenhuma consideração existencial, sem a densidade que podemos encontrar nos clássicos que nos aproximam das paixões, misérias e grandezas, do ser humano. Somente uma realidade desbotada, sem gosto, anódina. “Como é que tinha ido parar naquela estranha nova vida, na qual estrangeiros bêbados gritavam à minha volta à noite, todas as minha roupas estava sujas, e ninguém me amava?” Essa é das pouquíssimas considerações que possuem um leve toque filosófico, por sinal, bastante limitado.

Em resumo, um cúmulo de descrições maçantes, mais do mesmo, que devem divertir muito os americanos, mas me produzem repulsa, e cansam. Lembrei várias vezes daquelas risadas de fundo que colocavam nos filmes de Jerry Lewis. Um ator com talento mas que me incomodava pelo embrulho no qual o apresentavam.  Não tinhas vontade de que fizesse palhaçadas, porque serias obrigado a suportar as risadas, como te dizendo quando terias de rir.

Pode ser o meu momento vital, ou a minha falta de percepção, mas o resumo é claro. Não vale o tempo investido em ler as 700 páginas. Fui até o final para ver se estava equivocado. Mas a equivocação, mesmo, foi não parar antes. Deixo aqui o recado.

Comments 1

  1. Ontem tive o prazer de ler seus comentários sobre literatura, me focando nos livros que já conhecia. É bom ver o igual, a concordância de leitor, mas é bom também ver a diferença. Ver com outros olhos, ver com os olhos do outro.
    Além da delicadeza e elegância em sua crítica, o que me chama a atenção é o carinho que você tem pelo ato de ler, o cuidado com o livro, a ideia de que aquilo é especial. Um pensamento tão humanista!
    Tive vontade de responder livro a livro, mas quem gosta de grilos falantes? Vou terminar em duas frases: O Pintassilgo é um sonho. Desses que a gente tem toda noite. Oníricos, loucos, desesperados, sem eira nem beira. O final é ruim (ah, os finais ruins, quanta tristeza me dão), mas lendo como um sonho maluco fica um pouquinho melhor.
    Acredito que A Vegetariana, de Han Kang, se você não conhece, faria um belo papel em sua seleção. Do que tenho visto por aí, é um belo petisco.
    Obrigado pelo blog e pelo ensinamento do cuidado em olhar, sentir e falar, que de tudo é o melhor.

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