Paulo Rezzutti: “D. Leopoldina”. A História não contada. A Mulher que arquitetou a Independência do Brasil”

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Paulo Rezzutti: “D. Leopoldina”. A História não contada. A Mulher que arquitetou a Independência do Brasil”. Ed Casa da Palavra. LeYa. RJ. 2017. 430 págs.

Minha admiração pela Imperatriz Leopoldina despertou quando li O Império é você, vencedor do Prêmio Planeta na Espanha em 2011. Agora, a presente leitura, confirma minhas percepções dessa figura ímpar da história brasileira,  agigantando-a consideravelmente. Trata-se de uma excelente investigação histórica, com referências continuas às cartas da Imperatriz, além de muitas outras fontes. Um trabalho sério e de leitura agradável, sem rebuscamentos acadêmicos, claro para o grande público, pois esse parece ser o objetivo do autor que, desconfio, também se junta a mim no fã-clube de Leopoldina.

Uma narrativa que expõe a trajetória da princesa austríaca, e das suas origens nos situam no contexto de quem era esta jovem mulher que deixa sua estirpe aristocrática europeia para unir-se aos destinos da que viria a ser uma futura nação americana. Casar-se com uma princesa da casa de Áustria, uma Habsburgo, não era para qualquer um: afinal, tê-la como esposa era como possuir um artigo de luxo: uma mulher com instrução suficiente para ser uma estadista. A educação fazia delas o que havia de melhor, que um príncipe poderia ter do lado na hora de governar. Como disse o pai de Leopoldina: “herdar um trono não se trata de uma propriedade como outrora, mas é preciso reinar, tanto quanto possível, de acordo com os desejos dos seus súditos”.

Ser uma arquiduquesa austríaca requeria, além de ser bem educada, ter sangue frio acima de qualquer limite tido como normal. Valha o exemplo da irmã de Leopoldina, Maria Luisa, dada em casamento a Napoleão que tinha se separado de Josefina. Bonaparte, com essa aliança, em vez de tornar-se senhor do novo mundo representado pela Revolução Francesa, acabou tornando-se genro do velho. Leopoldina conheceu Goethe, com quem alternava, por conta da sua mãe que convidava o escritor e com quem chegou a escrever alguma peça. Foi o caminho para Leopoldina iniciar a imersão no ideal romântico, com sua melancolia e paixões idealizadas.

Instruída, amava apaixonadamente a botânica; a ideia de um mundo novo, de uma natureza tão diferente à Europa, sorria-lhe ao extremo. E consciente da sua missão, escreve para a família: “Brasil é um pais magnífico e ameno. Seria o paraíso se não fosse o calor infernal e os mosquitos. Terra abençoada que tem habitantes honestos e bondosos. Meu maior empenho será corresponder à confiança que toda a família e meu futuro esposo em mim depositam, através de meu amor por ele e meu comportamento; viver para levar alegria e satisfação a meu esposo e meus filhos: nisso consistirá too o meu trabalho e felicidade (…)  Nem pena nem pincel podem descrever a primeira impressão que o paradisíaco Brasil causa a qualquer estrangeiro”

O outro elemento da equação que renderá a Independência e o Império Brasileiro, D. Pedro, tinha na Imperatriz o equilíbrio de que carecia: “D. Pedro era homem de ação, tanto político quanto como diplomático; se as coisas se estendessem além da sua vontade e paciência, sua tendência era trata-las como um déspota. Era uma força da natureza, desregrado e provocando acidentes por onde passava, quando não física, sim emocionalmente. Sua masculinidade podia ser perturbadora, e ele tinha consciência disso. Leopoldina viria ser um trunfo nesses pontos: muito mais equilibrada e educada para essas questões que o marido, seria o equilíbrio do casal (…) O caráter, a educação e os princípios diferentes e d. Pedro de d. Leopoldina acabaram criando um abismo entre eles. Todos os que os rodeavam viam, quanto ela era superior ao marido cultural, intelectual e politicamente. Vindo de uma das cortes mais fulgurantes de Europa, vivia um desterro intelectual no Rio de Janeiro da época”.

A viagem para o Brasil para encontrar o marido,  após o casamento por procuração em Viena, com a habilidosa participação do Marquês de Marialva, é descrito com pormenores de epopeia conturbada: “Eu me segurei e mantive a coragem e o bom humor; os outros os perderam, pois não estavam viajando por amor a um esposo”. Uma viagem com os navios repletos de todo tipo de animais, de tal modo que Metternich, o diplomata austríaco comentou que comparada com a nave que levava a arquiduquesa para o Brasil, a arca de Noé era uma brincadeira de criança.

Já no Brasil, como princesa do Reino Unido de Brasil e Portugal, encontra no sogro, D. João VI um aliado compreensivo. “D. João VI poderia contar com Leopoldina para contrabalançar a impulsividade e falta de maneiras do filho. D. João e D. Leopoldina eram o oposto de D. Pedro e D. Carlota, e acabaram se aliando num entendimento mútuo”. D. Pedro aprendeu com o exemplo do pai que ao regressar a Portugal lhe advertiu: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja por ti que me hás de respeitar, do que por algum desses aventureiros”.

  1. Pedro entendeu que tinha em Leopoldina uma eficaz colaboradora. Ao contrário do pai (que não deixava Carlota entrar na jogada) dividiu suas dúvidas e seus acertos desde o início com Leopoldina. Diferente da sogra, a princesa não tinha um plano próprio de poder, mas se bateria em comum com Pedro para fazer juntos um projeto superior. Ela, egressa do absolutismo, se esmeraria em garantir aos filhos e ao marido um trono, uma vez que a situação caótica das Cortes portuguesas, estava pondo em risco a integridade e a herança que D. João legaria aos seus descendentes. Tinha mais consciência que d. Pedro de que nada mais se poderia esperar de Portugal. As ordens que de lá chegavam, se cumpridas, acabariam despedaçando o Brasil em dezenas de republicas, como ocorreria com as províncias espanholas na América do Sul.

A Imperatriz escreve para o pai, após a proclamação da Independência: “Ou nos separávamos, e virávamos imperadores do Brasil, ou perderíamos para os republicanos. Sempre permanecerei brasileira de coração, pois é o que determinam minhas obrigações como esposa, mãe e gratidão de um povo honrado”. Quando é proclamada a Independência e a seguir a Coroação do Imperador, Leopoldina arranca dos seus travesseiros as fitas verdes, a cor da casa de Bragança, e as amarelas dos Habsburgos para que não faltem enfeites e todos possam luzir as cores do Império!

Notável e emocionante a descrição do primeiro encontro da Imperatriz com José Bonifácio, patriarca da Independência, homem culto que logo captou a estatura moral e cultural da princesa, quem lhe recebeu com os filhos em braços, a quem chamou de “meus brasileirinhos” confiando-os aos cuidados dos paulistas.  Bonifácio chegou a dizer: “Ela devia ser ele”, comparando Leopoldina com Pedro. E em outro comentário se aponta que ela  “cooperou vivamente dentro e fora do pais para a Independência do Brasil, que lhe deve a sua memória gratidão eterna”.

Detalhados são também os capítulos onde se mostra a categoria moral de Leopoldina, e o sofrimento por conta das infidelidades e grosserias do marido. O amor e a consciência de missão fazem com que se sobreponha às humilhações contínuas. “Meu esposo me diz tudo o que pensa com franqueza e mesmo com certa rudeza, acostumado a que se lhe faça sempre sua vontade, tudo tem que adaptar-se a ele e, até tenho que aturar algumas grosserias, porém vê que me magoam e assim chora comigo, além disso, estou convicta de que com toda sua impetuosidade e maneira de pensar, me ama sinceramente (…) Homens continuam sendo homens e nós mulheres devemos nos distinguir por paciência, virtude e conselhos serenos, dados na hora oportuna; eles sempre voltam e então nos prezam ainda mais e a pedra fundamental da verdadeira felicidade está na serenidade, virtude, paciência e força interior”.

A compreensão com o primarismo de D. Pedro é extraordinário, tocante. E não permite que as ofensas -cada vez mais explícitas, favorecendo a amante e deixando Leopoldina em segundo plano- tirem o foco da sua missão. “Se por um lado, o fato de amar d. Pedro fazia-a aceitar calada tudo o que viesse dele, por outro, ela tinha uma noção maior o que o marido do seu dever como Imperatriz  e estaria pronta a aguentar as humilhações para não desprestigiar a coroa perante o povo (…) Ela seria o lado humano e caridoso do trono, cada vez mais estimada pelo povo (não somente pelo sofrimento e mártir da paciência), mas pela sua capacidade de comunicação, e empatia carinhosa. “Nenhuma pessoa miserável jamais recorre a ela em vão; e seu comportamento, tanto público, como privado, inspira a admiração e o amor de seus súditos”, anota uma cronista inglesa, amiga da Imperatriz”.

Aponta o escritor uma hipótese interessante: “Talvez o imperador se ressentia de ter a seu lado alguém que poderia acha-lo inferior. Isso explicaria, em parte, o seu apego a Domitila de Castro. Homens gostam e ser adorados; príncipes, então, têm nisso quase que uma das suas fontes de energia vital”. Domitila, a Marquesa de Santos, é uma amante permanente, como uma segunda família, não uma das muitas aventuras. Talvez alguém que D. Pedro poderia ter do lado, sem sentir-se tão inferior. Uma hipótese em busca de explicação, nunca de desculpa. Porque também Pedro tem seus momentos iluminados quando lhe dá os cinco minutos: “D. Pedro podia ser um desastre como marido, desatento, abrutalhado, extremamente grosseiro e sovina, mas sabia como se fazer encantador. Colocar-se à frente do exército e passa-lo em desfile diante da esposa foi, sem dúvida, um dos maiores momentos da vida de d. Leopoldina”.

A conduta de Leopoldina ganha uma nova dimensão. Ela não foi ditada por uma passividade que a Imperatriz jamais conheceu, mas pela plena consciência de seus deveres como soberana. Era preciso preservar a imagem da Família Imperial, minimizar os escândalos que pudessem abalar a confiança no trono diante de um império ainda marcado pela lutas internas e de um difícil processo externo de reconhecimento da Independência. Se o imperador agia de modo a antipatizar com a sociedade, era sua obrigação trilhar o caminho oposto: tornar-se um símbolo de comportamento moral e virtuoso, capaz de inspirar amor e respeito à instituição monárquica e à nação que representava. Não é de se estranhar que circulassem pasquins que recomendavam afastar d. Pedro e a “dona”, e reconhecer o príncipe herdeiro sob a tutela da Imperatriz.

O capítulo final narra a comoção geral quando a Imperatriz morre com 29 anos: “A mocidade da Imperatriz, sua reconhecida bondade, sua infatigável caridade e os desgostos domésticos em que era plausível presumir fosse a vítima, excitaram a mais viva dor em todo o povo desta capital. Um anjo tutelar deste nascente império. Bonifácio disse: “A morte da imperatriz me tem penalizado assas. Pobre criatura! Se escapou ao veneno, sucumbiu aos desgostos”.

E a modo de conclusão, vale reproduzir estas linhas que resumem o propósito da obra que nos ocupa: “D. Leopoldina era uma estrategista, mais preparada e educada que d. Pedro. Teve a sua história diminuída e elevada à categoria de santa, mártir de paciência por tudo o que sofreu no Brasil. Aliás, coisa comum em nossa história são as mulheres entrarem nela com como santas ou como devassas. Esse é o ponto que une d. Leopoldina à Marquesa de Santos. Esta obra busca, mostrar facetas quase desconhecidas sobre d. Leopoldina: uma estrangeira que abraçou o Brasil como seu pais os brasileiros como seu povo, e a Independência como sua causa”.

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