Laurent Tirard: “Grandes Diretores de Cinema ».

Pablo González Blasco Livros Leave a Comment


Laurent Tirard: “Grandes Diretores de Cinema ». Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 2006. 352 pgs.

Um amigo, conhecedor do meu gosto pelo cinema, deixou-me este livro com um sugestivo bilhete…que perdi. São entrevistas com Diretores de Cinema realizadas por Laurent Tirard, jornalista que escrevia para o Studio Magazine, além de roteirista e diretor de Cinema. Os filmes do  Pequeno Nicolau são algumas  das suas produções mais lembradas.

Comenta Tirard que o seu projeto era entrevistar 70 diretores famosos, mas conseguiu conversar com 20 apenas: os primeiros que estiveram à mão. O saldo foi muito positivo, como anota no prefácio do livro: “Aprendi a olhar o cinema de outra maneira, a analisar melhor e a explicar melhor o que me agradava ou me desagradava em tal ou tal filme (…) O aspecto mais fascinante destas entrevistas foi perceber que cada diretor tem uma solução própria para o mesmo problema -e que todos tem razão”.

Tentar resumir nestas linhas essas várias soluções -todas corretas- que os diversos diretores apontam, é tarefa que foge ao nosso propósito. Mas é possível sim, alinhavar algumas linhas mestras -a modo de recados- que todos eles deixam escapar aqui e acolá, e que de modo talvez um pouco simplista conseguimos costurar.

O primeiro é claro e constante: O filme é sempre algo pessoal, o diretor é o pai da criança mesmo. “Por isso se aproxima da obra de arte, é produto do autor. Alguns diretores fazem os filmes para o público. Outros (Hitchcock, Spielberg) os fazem para o público e para si mesmos” – diz Scorsese. Pode ser que o diretor faça questão de escrever o roteiro, como Woody Allen : “Se é um diretor que escreve (não quer dizer que é melhor do que aquele que adapta roteiro), terá a marca dele em todo o filme. O diretor é senhor absoluto do filme”. É, de fato,  Allen falando.

A evolução do cinema também fez com que o diretor tomasse o comando do roteiro. Comenta Almodóvar: “Em outras épocas o diretor não precisava escrever os roteiros. Hoje é diferente. Mesmo sem escrever o roteiro (como eu faço) eles intervêm na confecção do roteiro. Até porque 50 anos atrás tínhamos grandes romancistas assinando roteiros”. E Oliver Stone é categórico neste ponto: “Um filme é um ponto de vista. O resto não passa de cenário. O roteiro é uma indicação, mais nada. A realidade do set ultrapassa amplamente tudo o que pode ser escrito no papel”.

Esclarecido isto, surge a pergunta constante. Afinal, para quem o diretor faz um filme que é sempre, seu ponto de vista? Comenta Jean Pierre Jeunet:  “Faz-se um filme para si mesmo, para o primeiro espectador que somos. Isso é uma necessidade absoluta. Sem dar prazer a nós mesmos, não temos chance de agradar ninguém”. Também Emir Kusturika insiste no mesmo ponto: “Você faz um filme para si. Se tenta fazê-lo para o público, não conseguirá surpreende-lo”.  Nessa alternativa -filme para mim, filme para o público- quase todos os diretores tomam parte nas respostas: “Você tem que fazer o filme que você quer ver, não aquele que você acha que o público quer ver. É uma armadilha” – diz Lars Von Trier. E Wong Kar Wai acrescenta:  “Não se pode fazer um bom filme se não se pensa no público. Mas não se pode fazer um bom filme se somente se pensa no público”.

De um modo mais acadêmico, Wim Wenders explica o porquê da autoridade do diretor e desse querer agradar-se a si mesmo em primeiro lugar: “O dever do diretor é ter algo a dizer, o desejo de contar. Não necessariamente criar as histórias, porque as histórias estão ai, é a humanidade quem as faz. Basta apenas deixar-se levar por elas (…) Todo diretor deveria ver como outro diretor filma essa mesma cena. Isso abre as portas, oferece opções, permite perceber que sempre há alternativas para o que se faz”.  Ter o que contar: uma advertência que também Scorsese faz: “Onde é preciso colocar a câmara para comunicar o que você tem a dizer? Essa é a questão importante: será que tenho algo a dizer?”.

O recado mais importante -assim o entendi para mim, e para todos os que tem tarefas de responsabilidade e de alguma liderança- é de que maneira dirigir os atores. Soluções diversas, mas com um denominador comum: é preciso deixar os atores agir e por para rodar os talentos deles. Diz Jeunet: “O maior erro para um diretor iniciante é querer mostrar ao ator como se deve fazer. É como pedir a alguém que faça um cartaz, mas desenhá-lo antes. É verdade que temos ideia clara do que queremos, e gostamos de mostra-lo, mas é preciso prudência. Do contrário frustramos o ator, o aterrorizamos. Não há dois atores semelhantes; é o diretor quem deve adaptar-se. Também quando o diretor já tem status, e os atores tendem a curvar-se a ele….Perdem força expressiva”. Ideia retomada por muitos outros diretores, como John Boorman : “Com os atores, é muito mais importante ouvir do que falar. Os bons atores sempre trazem suas próprias ideias e o diretor só tem que escolher aquelas que lhe agradam” e até o próprio Woody Allen: “Dirigir atores? Basta pegar pessoas talentosas e deixa-las fazer o seu trabalho. Do contrário se complica, se intelectualiza, se enrolam…..”

Respeitar a espontaneidade dos atores, não ter medo de que “modifiquem o plano prévio do diretor”. Envolver-se com eles, sem medo. “É preciso encorajar os atores como fazia Bergman que sempre os elogiava. É preciso animá-los, até amá-los sem medo do cliché” diz Lars Von Trier.  Um envolvimento que exige muitas vezes a arte da negociação, em palavras de Tim Burton: “Não posso dizer a um ator ‘faça isso’. Tenho que convencê-lo. Não posso entrar em conflito com eles, agir delicadamente, ficar mais evasivo do que dizer não. Ser conciliador em certas reuniões”. E Sidney Pollack, conhecido por ser um grande diretor da atores,  adverte:  “Um diretor, especialmente no início, pode ter a sensação de que não está fazendo o seu trabalho se não dá ordens continuamente. É bobagem. Se tudo está indo bem, é preciso calar-se”.

Diretores tão peculiares como os Irmãos Cohen (Joel e Ethan) subscrevem a mesma ideia:  “Os atores trazem suas ideias: o papel do diretor não é ensinar eles a atuar, mas para criar um ambiente confortável que facilite o trabalho deles. Escolhemos um ator para melhorar nossas ideias, para enriquecê-las e não apenas para reproduzi-las”. E Sautet chega ao detalhe formativo: “É preciso dar confiança aos atores na sua própria existência. É como algumas atrizes que não querem que se puxe seus cabelos para trás, porque se sentem desnudadas. É assim que eu prefiro, porque não tem possibilidade de dissimular e então atuam melhor”.

Não faltam, ao longo das entrevistas, assuntos técnicos também chamativos, onde se percebe o estilo de cada diretor. Afirma Jeunet: “Os efeitos especiais não servem somente para mostrar naves espaciais ou monstros que babam. Servem para levar um pouco mais longe os limites do possível”. Wong Kar Wai diz utilizar “a música em todo o estágios de fabricação de um filme. Gosto de usar música de uma época que não corresponde à do filme, porque isso deixa a atmosfera mais ambígua, mais complexa”. David Lynch aponta: “O cinema tem o poder de pintar o invisível. O som, a música, é uma espécie de entidade sólida e poderosa que vem ‘habitar’ fisicamente o filme. É essencial. Tenho que aceitar as minhas próprias obsessões”.  E a variante oriental de Takeshi Kitano em relação ao tempo: “O  cinema ideal é uma sucessão de imagens perfeitas. Kurosawa foi o único a atingir esse estágio. Um filme é uma caixa de brinquedos. O cinema asiático sabe utilizar o tempo, coisa que o cinema americano não consegue. Um filme de Hollywood com mais de dez segundos de silêncio é uma angústia , enquanto que os asiáticos conseguimos trabalhar melhor o tempo”.

Como não poderia deixar de ser pipocam as opiniões subjetivas, o toque pessoal de cada um o modus faciendi. Os irmãos Cohen dizem que “fazer um filme é uma situação fluida que exige adaptação  constante. O único elemento no qual você pode se basear é o seu instinto”. Kusturika afirma que “a  direção é intuitiva, subjetiva, instinto puro”.  Algo análogo pensa Sautet: “Nunca parto de uma história, mas de algo mais abstrato que poderia chamar de clima. Diante de elementos externos o diretor tem de tomar as boas decisões baseado no seu instinto, e manter-se fiel à ideia abstrata que o guia desde o começo”. Tim Burton reconhece que “as minhas decisões artísticas são muito mais emocionais do que intelectuais”. John Woo reconhece que “a teoria não me inspira nada, tenho de estar in loco”. E Almodóvar desmascara a ilusão do controle: “O diretor não controla nada…..É preciso uma equipe”

Peculiaridades e subjetividades que decantam, inevitavelmente, no denominado cinema de autor. Uma conquista, mas também um risco, como adverte J. L Godard: “A perversão da noção de autor é uma herança negativa da Nouvelle Vague. Antes os autores eram os roteirista, tradição que vinha da literatura. Nos credito os nomes dos diretores vinham por último. Nós mudamos isso, promovemos o diretor-autor, e o sustentamos mesmo que fosse fraco. Desenvolveu-se um culto ao autor e não ao seu trabalho. Todo o mundo se tornou autor hoje em dia. O termo não quer dizer mais nada”.

Enquanto rascunho estas linhas, penso no resultado desta leitura aparentemente colateral, mas que encerra mensagens importantes para os que nos dedicamos ao mundo da educação. Saber juntar a peculiaridade criativa do diretor, o modo de ver o mundo, com a inventividade que lhe chega dos atores, é toda uma arte. Primeiramente para saber que atores -e alunos- mudam com o passar das gerações. Adverte Godard: “Tenho a impressão de que as pessoas com as quais filmo hoje não estão muito interessadas, não tem real exigência, não se fazem muitas perguntas e também não tem vontade de me fazer”.  Pollack, desde o inevitável envolvimento com as personagens que trabalha, aponta  sobre o significado deste difícil trabalho: “As relações entre personagens num filme servem como metáfora para assuntos mais amplos, de todas as espécies. Um diretor é obrigado a falar acima de tudo do que ele mesmo gosta. Há diretores que querem comunicar uma verdade, outros que fazem o filme para tentar encontrá-la. Não faço filmes para expressar, mas para explorar”. Quer dizer, todos estão aprendendo, todos colaboram, todos crescem.

Mas cabe ao Diretor saber abrir mão de um protagonismo patológico (o cinema de autor mal entendido de que falava Godard) para chegar num objetivo eficaz e útil. As palavras de Tim Burton resumem bem esta postura:  “O diretor que realmente alcança seus fins é aquele que sabe determinar que batalhas merecem ser travadas, e quais delas não passam de questões de orgulho mal colocado”. Somente assim é possível fazer um filme que agrade ao diretor, ao público, e também aos atores. Todo um sugestivo desafio aplicável ao campo da educação e da liderança.

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