Rafael Ruiz: “O Espelho de América”

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Rafael Ruiz: “O Espelho de América”. Ed. Ufsc. Florianópolis. 2011. 195 pgs.

     “São as minhas aulas, um curso que dei na USP”. Desse modo, o autor me confidenciou o conteúdo desta sua próxima publicação. Estávamos participando num Seminário sobre “Arte e Beleza”, dirigido a jovens universitários, durante o último Carnaval. Toda uma conquista.

     Algumas semanas depois estive no lançamento do livro, para garantir o meu exemplar autografado. A leitura me resultou completamente familiar. E não apenas por tratar-se de um livro conversa –como adverte a professora que escreve o prefácio- mas porque conheço o estilo do autor, do “mano-a-mano” em que com frequência nos vemos envolvidos para promover a educação humanista.

     O Rafael tem a invejada habilidade de saber convocar variados interlocutores –personagens da literatura clássica- para estabelecer um diálogo entre eles e o público. Conduz as reuniões como um “ancora de telejornal” que cede passagem aos diversos correspondentes, distribuídos no espectro literário, e deste modo dar o seu recado. Nunca são conceitos fechados e herméticos, mas pontos de instigação que provocam a reflexão do público. Quer dizer, o núcleo do que denominamos conhecimento construído, paradigma da educação moderna de adultos. Como ele mesmo escreve, “o conhecimento não é um produto, mas um processo; não é um bloco fixo de informação, transmitido através de um download dos lábios do professor ao intelecto do aluno.”

     O pano de fundo parece ser a colonização da América, ou melhor, a enculturação, a educação do americano, percebida por ele mesmo, com olhos que têm muito de europeus. Faz sentido, por tratar-se da especialidade do autor, cujo doutorado em História centra-se justamente nessa temática. E digo parece ser, porque “O Espelho de América” não reflete apenas o fenômeno do continente colônia, mas avança e mergulha no espelho da alma. O subtítulo da obra –De Thomas More a Jorge Luis Borges- nos adverte da variedade de interlocutores que serão convocados, e que facilitarão a dissecção das camadas profundas do ser humano. 

     E lá se inicia o desfile que dispensa qualquer comentário, pois se tratando de um processo exige uma leitura pausada, uma vivência do contexto. São os roteiros das aulas que, ao vivo, têm uma força muito maior, como o mesmo autor já comprovou inúmeras vezes. Mas escrever permite que outros ensaiem com a mesma metodologia; essa é a função da publicação, tornar público algo que pode ser útil, que agrega valor e permite sua reprodução.

     As personagens –sempre encarnação das ideias- vão fazendo sua aparição ao longo dos capítulos. Hamlet, D. Quixote, o Gulliver viajante dialogam com os projetos da vida, atrelados aos sonhos, e se debatem com a modernidade e suas doenças. Um Bolívar no labirinto construído por Garcia Márquez, descrente e decepcionado com o sonho americano. Um destaque especialíssimo é o capítulo sobre Maquiavel (Ética e Política na Modernidade), e as variadas formas de manter-se no poder a qualquer custo: abrir mão das verdades objetivas e da virtude, para centrar-se apenas na eficácia, temática que assusta –é o que vemos todos os dias- pela terrível atualidade. Um espelho não apenas da América, mas do quotidiano.

     Não falta uma advertência de caráter técnico que o autor vê-se na obrigação de dar, como resposta às visões herméticas, à leitura monolítica e única da história. Se os fatos objetivos são susceptíveis de interpretação, o Rafael lembra que essa interpretação pressupõe a liberdade e o respeito com as perspectivas que outros brindam. “A história contada não pode ser desvinculada de quem conta e de quem ouve. Nem pode ser desvinculada do seu sentido contextual. E o historiador precisa ser cientista e artista para saber narrá-lo”.

     Entendo o empenho do autor em firmar este particular, embora pouco conheço destas disputas interpretativas da historia, porque não é a minha guerra. Mais me vejo como D. Quixote, na vida como projeto, um projeto onde a educação humanística é parte essencial da missão que temos. Não lutamos com moinhos de vento, mas com gigantes reais. Uma difícil e encantadora tarefa para a qual a presente obra será de enorme utilidade.

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