Sigrid Undset: Catarina de Siena

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Ecclesiae. 2021. 316 págs

Tinha este livro na minha estante, uma versão em espanhol (vejo que foi publicado em português), e por uma série de motivos decidi tirá-lo da prateleira. Sabia que era uma biografia da santa de Siena, que teve um papel decisivo na volta do Papa de Avignon para Roma no final do século XIV, o que trouxe também consequências sérias, como o cisma de Ocidente. Mas o que não sabia era o perfil da escritora, que me surpreendeu.

Assim se descreve na introdução do livro: “Escritora norueguesa (1882- 1949) distinguida com o Prémio Nobel da Literatura em 1928. A sua vida é decisiva para a compreensão da sua obra. A morte do pai, arqueólogo, quando ela era criança, deixou a família em situação precária, por isso, assim que atingiu a idade exigida, estudou história e arte medievais e começou a trabalhar num escritório para sustentar a mãe e  irmã, enquanto à noite ela ficava sentado na cozinha escrevendo. Casou-se, teve cinco filhos, o marido acabou abandonando-a, e ela  conciliou o cuidado da família com a escritura. Vítima do eterno dilema feminino – dedicar-se ao trabalho ou à vida familiar – optou por uma solução de compromisso: cuidar dos filhos durante o dia e reservar os domingos e as noites para a sua obra literária. Isto a tornou consciente de qual era realmente a situação da mulher “moderna”, por isso decidiu participar ativamente nos movimentos de debate político e social a favor das mulheres. Pertence por direito àquela primeira geração de mulheres emancipadas que recebiam um salário pelo seu trabalho”.

A minha surpresa -que aumentou a expectativa da leitura do livro- era ver o que uma mulher com esses predicados, uma feminista no sentido positivo da palavra, que chegou a ser prêmio Nobel, poderia escrever sobre uma outra mulher santa e mística. Confesso que superou minhas expectativas pois a biografia da santa toscana, está costurada não só com fatos, mas com o pensamento, as cartas, os escritos, e o profundo sentimento religioso de Catarina.

É justamente com esta perspectiva sobre o papel da mulher, que Sigrid inicia a biografia: “O simples fato de a Igreja ter defendido o direito das mulheres de disporem da sua pessoa, pouco a pouco mudou o ponto de vista sobre a posição das mulheres na sociedade humana, embora poucas jovens tivessem coragem suficiente para fazer valer este direito contra a autoridade do família. As mulheres das classes populares, esposas trabalhadoras de homens dedicados a trabalhos rudes, as mulheres burguesas ativas, as damas da corte ociosas, as princesas e rainhas que se dedicaram ativamente a intrigas políticas ou a governar os seus reinos, maiores ou menores, muitas vezes. com sabedoria e espírito elevado, com cuidado amoroso pelo bem-estar de seu povo.  Todos receberam a nova luz que via em cada ser humano uma alma que poderia ser salva ou condenada”

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Svetlana Aleksiévitch: O fim do homem soviético

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Companhia das Letras. São Paulo. 2016. 600 págs

Após alguns anos de pausa, volto sobre os escritos da prêmio Nobel bielorrussa, sabendo o que vou encontrar: narrativas jornalísticas que chegam na intimidade, conversas na cozinha. Assim foi com aquele magnífico livro, onde tomei contato com a sua prosa surpreendente, A Guerra não tem rosto de Mulher. E também em Vozes de Tchernobil,  história oral, no melhor estilo.

Agora, chega o momento de se debruçar sobre o fim do homem soviético. Alguns amigos já tinham lido, elogiado, e por conta das recomendações acabamos escalando para a nossa tertúlia literária mensal. E vale advertir que se os livros de Svetlana são uma colcha de retalhos, qualquer tentativa de resumo está destinada ao fracasso. Melhor encarar como pinceladas avulsas de um quadro impressionista, manchas que na distância ajudam a entrever figuras e paisagem, sem atentar ao detalhe.

Logo no início, Svetlana adverte que o que lá vai contar são “observações de uma cúmplice”. Assim introduz o assunto -na verdade, as conversas que tecem a modo de mosaico- um tema que é complexo, e nada uniforme. “Eu escrevo, procuro nos grãozinhos e nas migalhas a história do socialismo “doméstico”… do socialismo “interior”. De como ele vivia na alma humana. Sempre sinto atração por esse pequeno espaço: o ser humano… um ser humano. Na verdade, é lá que tudo acontece (…) Não canso de me surpreender com o quão interessante é a vida humana comum. A infinita quantidade de verdades humanas… A história se interessa apenas pelos fatos, mas as emoções ficam à margem. Não é costume admiti-las na história. Eu, porém, olho para o mundo com os olhos de uma pessoa de humanas, não de historiadora. E me surpreendo com o ser humano”.

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Winston S. Churchill. História dos Povos de Língua Inglesa. Vol. 1 e Vol. 2

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IBRASA. Instituição Brasileira de Difusão Cultural Ltda. São Paulo – SP. 2005 . 518 págs. (Vol. 1)– 2006 . 417 págs. (Vol. 2).

Foi a recomendação de um grande amigo leitor -feita há anos- junto com a expectativa de uma viagem acadêmica  ao Reino Unido, o que me fez tirar da prateleira esta obra magna de W. Churchill. Na verdade, os dois primeiros volumes (que cobrem quase 2 mil anos de história, em mais de mil páginas), deixando os dois segundos para outra oportunidade. Obviamente não me atrevo -nem pretendo- ensaiar um resumo deste ensaio histórico profundo, denso, extenso, e…..absolutamente britânico! Apenas juntar algumas anotações que foi fazendo ao longo da leitura, e que destaquei no seu momento.

Inicia-se com o primeiro capítulo, A Raça da Ilha, e o título não é de se desprezar. A Ilha, que teve invasões continuas, consegue fazer dos invasores -de todos eles- gente própria, o povo inglês. Começam os Romanos, embora “daquela época dificilmente restou um vestígio. Estaríamos, porém, enganados se supuséssemos por isso que a ocupação romana pode ser deixada de lado com um incidente sem consequências. Ela deu tempo à fé cristã para que se instalasse. Bem longe no Oeste, embora separado do mundo pela larga inundação do batismo, lá ficou, cruelmente sitiado, mas defendido por suas montanhas, um minúsculo reino cristão. O Cristianismo britânico converteu a Irlanda. Da Irlanda, a fé cruzou de novo o mar até a Escócia. Assim, os recém-chegados foram envolvidos pela velha civilização; enquanto em Roma homens se lembravam de que a Grã-Bretanha fora cristã em certa época e poderia voltar a ser cristã”

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A.E.W. Mason: As quatro penas brancas.

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A.E.W. Mason: As quatro penas brancas. Ed Lacerda. 2000. 352 págs.

Quero lembrar que a recomendação desta leitura partiu de algum dos boletins literários que recebo habitualmente. E algo se falava lá de aventuras, de um clássico da época vitoriana, de lealdade, traição, honra e culpa. Também soube -e comprovei depois- que tinha sido adaptada ao cinema algumas vezes. Com esses predicados, escalamos o romance para a tertúlia literária mensal.

A trama gira em volta das quatro penas brancas que Harry Feversham recebe -como símbolo de cobardia- quando já noivo de Ethne, se recusa a partir com o seu batalhão para combater na África pelo império britânico. Na verdade, são três as penas que recebe -uma de cada um dos seus colegas oficiais-, mas a quarta é acrescentada pela própria noiva, ao saber da decisão de Harry. A tentativa de livrar-se dessas penas que apontam culpa e infâmia, é o motor de todo o romance.

A conduta aparentemente reprovável de Harry, requer uma explicação que o autor coloca no início do romance. Não tinha vocação militar, apenas seguia os sonhos do pai, um general reformado. “Os longos anos de infância, adolescência e juventude vividos na presença de um pai antipático e dos implacáveis ​​mortos que o olhavam dos retratos da galeria (familiares militares), causaram seus danos. O rapaz não tinha ninguém por perto em quem pudesse confiar. O medo da covardia minou incessantemente seu coração, passava o dia com ele e o levava para a cama.  Tinha havia povoado seus sonhos e sido seu companheiro perpétuo e ameaçador. O medo o impediu de se aproximar dos amigos, por receio de que uma palavra impulsiva o denunciasse”.

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Professores na Tela: Os desafios, constantes, na Educação!

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Os Rejeitados. The Holdovers.  Direção. Alexander Payne. Paul Giamatti. Da’Vine Joy Randolph. Dominic Sessa. USA 2023. 133 min.

A Sala dos Professores. Das Lehrerzimmer (The Teacher’s Loungue). Direção:  Ilker ÇatakLeonie BeneschLeonard Stettnisch. Eva Löbau. Alemanha 2023. 98 min.

Os filmes sobre professores sempre tiveram destaque nas telas do cinema. Com variações sobre o mesmo tema, mostrando os desafios -tremendos- da educação, a aventura de formar seres humanos, que é muito mais do que simples despejar conteúdo. Aliás, o conteúdo hoje é acessível sem necessidade de professores, online, em pijama, desde casa. Parece que muitos docentes ainda não repararam nisso, ou nem se deram o trabalho de parar para pensar, e continuam na mesma toada, “alfabetizando” adultos com slides, ao invés de ensinar eles a pensar.

Em uma olhada rápida sobre os filmes de professores, lembramos daqueles que acabam bem, como Ao Mestre com carinho, ou Adorável Professor.  Tem os que certamente tumultuam por tentar mudar paradigmas como  Sociedade dos Poetas Mortos e o final deixa de ser feliz, porque é um cenário onde todos têm razão e as mudanças não são fáceis. Ou aqueles, como Escritores da Liberdade onde o grande recado é que não é possível educar se não sabemos com quem estamos falando, quem é o nosso público.

Fui repassando mentalmente -e relendo também o que escrevi no seu dia- esses filmes, para mergulhar agora nestes dois que estamos contemplando. Carecem do romantismo dos filmes de outrora, mostram um lado áspero da educação, onde os desafios parecem embaçar esta luminosa tarefas de formar pessoas.

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Dias Perfeitos:  um canto poético ao prosaico da vida

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Perfect Days. Diretor: Wim WendersKôji YakushoYumi AsoTokio EmotoSayuri IshikawaArisa Nakano. Alemanha, Japão. 2023. 124 min

Para que poesia em tempos de miséria ? A pergunta, retórica e poética, de Holderlin, tem recebido respostas variadas através das artes e, certamente, do Cinema. Agora é o veterano diretor alemão, Wim Wenders, quem se atreve a responder em japonês, com um filme delicado, sensível, profundo, que faz pensar.

Um homem de media idade que limpa banheiros. Limpa bem, a fundo, com profissionalismo, com orgulho da sua profissão, tão boa como qualquer outra. Não, não é ele quem o diz mas o espectador que observa, porque o protagonista fala pouco. Muito pouco. Cala, trabalha, sorri -o tempo todo- com um olhar compreensivo para o mundo que o rodeia, e que parecemos adivinhar entende como perdido, desfocado.

Um limpador de banheiros em Tokio –The Tokyo Toilet, lemos no seu uniforme de trabalho- que gosta de ler, rotina de todas as noites. Le William Faulkner, lê poemas japoneses, frequenta sebos, adquire novos livros, alimenta o espírito, enquanto no dia a dia limpa os detritos humanos. E música, boa, em cassetes raros dos anos 80 -algo inédito, tem valor alto no mercado, o que ele faz questão de ignorar. O cuidado carinhoso com as flores que cultiva no seu apartamento. E a fotografia, metódica, das árvores, das sombras, dos contrastes. Rodeia-se, em fascinante auto didatismo, de uma muralha de cultura -aquela que nos salva do naufrágio vital, em palavras de Ortega- como um senhor feudal, como um Samurai que protege não o imperador mas a dignidade humana.

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Natalia Ginzburg: Todos os nossos ontens.

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Natalia Ginzburg: Todos os nossos ontens. Companhia das Letras . São Paulo. 2020. 328 págs.

Já conhecia Natalia Ginzburg de leituras anteriores, do Léxico Familiar, onde os detalhes -aparentemente corriqueiros e sem importância compõem uma bela sinfonia, delicada, atenta, repleta de carinho. Todos os Nossos Ontens são uma variedade sobre o mesmo tema. Em palavras de Ítalo Calvino, “seria como a versão romanceada do Léxico Familiar, já que o prazer da Natália é contar histórias de família que são, ou poderiam ser, nossas”

No prologo da edição espanhola -que era a que tinha mais à mão para ler- encontro estas palavras que não resisto a copiar: “Imagino Natalia Ginzburg imaginando a atmosfera de Todos os nossos ontens. Como uma casa de bonecas – aquela pequena construção, dividida em duas, que imita a vida real em pequena escala. Como é simples a prosa de Natalia Ginzburg, como se com nossas palavras – as da conversa, as do segredo – ela entrelaçara as suas histórias. Quão complexo, ao mesmo tempo, é quando se trata de entrelaçar vários romances diferentes – o emocional, o social – no mesmo romance. O importante acontece neste romance do mesmo modo que a vida: de repente. Nenhum alarme soa e avisa o leitor quando uma morte quebra ou destrói sua vida”.

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Alexandre Dumas: Os Três Mosqueteiros

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Alexandre Dumas: Os Três Mosqueteiros. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2018. 732 págs.

Comentaram as críticas que, finalmente, os franceses decidiram reclamar para si o famoso romance de Alexandre Dumas e colocá-lo na tela . É verdade: não são poucas as versões cinematográficas de Os 3 Mosqueteiros, mas sempre com o sabor de Hollywood, e até com as variações musicais por conta de Gene Kelly. Afinal, Kelly era um atleta dançando -a diferença de Fred Astaire, mais gentleman do que performer- e a personagem de D’Artagnan lhe encaixava bem. O jovem gascão que se bate e duela com todo aquele que se cruza com ele, se alinhava bem com o acrobata, agora com espada em mão.

Os franceses resgatam o romance, e produzem duas fitas que são fieis ao original de Dumas: Os 3 Mosqueteiros- D’Artagnan, Os 3 Mosqueteiros- Milady.  É possível que venha uma terceira, porque a saga não acabou. E paro por aqui, para não correr o risco de ser spoiler.

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Fabio Rosini: A arte de Recomeçar.

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Fabio Rosini: A arte de Recomeçar. Ed. Vozes. São Paulo. 2021. 224 págs.

Não é costume neste espaço, comentar livros,  -como diríamos?-  confessionais, publicações de caráter espiritual formativas. Mas abro aqui uma exceção, que se justifica não apenas pela qualidade da obra, mas também espicaçado pelo comentário inicial do autor. Diz ele que escreve este livro para todos aqueles que, como ele próprio no passado, pensam que é impossível recomeçar depois de uma certa idade, e de um acúmulo de experiências.

E se tivesse que fazer um resumo, talvez um pouco tosco, da obra em uma frase, diria que o livro lembrou-me Nelson Rodrigues, em A vida como ela é. Quer dizer, um apelo formidável ao realismo, ao que temos para hoje, que é a condição essencial para qualquer retomada dos projetos nos quais estamos envolvidos. Rosini é categórico neste ponto, tanto quanto Nelson. Escreve: “Para começar de novo, este é o primeiro obstáculo contra o qual é saudável tropeçar: você parte das coisas como elas são, e não como ‘deveriam ser’. A sabedoria não é uma teoria que força situações com golpes de martelo. Estamos diante da realidade e o único caminho inteligente é aceitá-la (…) O problema é que existem dois criadores: Deus Pai e nossa cabeça. Um cria a realidade, o outro a interpreta. Mas se partimos de um erro, devemos sabê-lo: todos os erros da nossa vida – e repito esta afirmação apodítica: todos – provêm, pelo menos em parte, deste erro: não ter respeitado as coisas como elas são. Não ter os pés firmemente plantados na realidade”. Está servido o cenário no qual o livro se desenvolve.

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Thomas Mann: Os Buddenbrooks

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Thomas Mann: Os Buddenbrooks. Círculo do Livro. Abril. São Paulo.   1975. 743 págs.

A Tertúlia Literária mensal, leva-nos até a obra magna de Thomas Mann. E digo magna, não porque esqueça de outros romances seus magníficos, como A Montanha Mágica, mas porque foi assim que em 1929 a Academia Sueca justificou o prêmio Nobel de Literatura. Mann escreve Os Buddenbrooks com 26 anos. Algo notável que, nos dias de hoje, onde a leitura está em baixa – a escrita, então, nem se fale- causa certa vertigem.

Não é possível resumir a saga desta família, distribuída em mais de 700 páginas, nem também é o propósito neste espaço. Uma saga de 4 gerações, ao longo de quase 50 anos (no meio do século XIX), que, pensei, poderia servir para uma boa série de TV; aliás acabo de ver que existe a tal série, mas de difícil acesso. O local é o norte de Alemanha, próximo do mar Báltico. Uma saga telúrica, pois Mann se inspira na sua cidade natal (Lubeck), cidade imperial e livre, próxima de Hamburgo.

A leitura, longa, corrida de fundo, compensa pela qualidade das descrições que o escritor alemão faz: tanto dos cenários externos, das liturgias aristocráticas, como também do mundo interior -pensamentos, receios, suspeitas- das personagens. Todo um mundo a ser revelado, onde o argumento é meio século da história de uma família de comerciantes que vai mantendo o negócio, a projeção social, e o respeito que se lhe deve. E, sempre, a preocupação da sucessão, onde nada pode se perder.

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