Vidas passadas: Um Casablanca Coreano.

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Past Lives. Direção: Celine Song. Greta LeeYoo Teo. John Magaro, USA 2023. 106 min.

“Quem são esses três?” Uma voz em off, se pergunta, ou melhor, nos pergunta.  E vai tecendo hipóteses: “Um casal da oriental com o americano, e o outro é irmão dela? Estranho, o americano está fora da conversa….Talvez um casal de orientais e o americano é o amigo? Ou o guia deles em New York? Mas, tudo isto às 4 horas da manhã, conversando? Não, nada disso”. Essa é a largada deste filme singular, que, imediatamente nos transporta em flashback duas décadas antes. Coreia, dois adolescentes na escola. Brincadeiras, competição nas notas, empatia que pode virar namorico…..E a despedida, ao pé de uma escada, o rapaz segue caminho, a menina sobe….primeiro a escada, depois num avião.

Passam 12 anos, e o Facebook primeiro, logo a  Internet aproxima os amigos, não mais adolescentes. Cada um cuidando da sua vida, Coreia, China, Canadá, USA. Conexões rápidas, sorrisos demorados, longos silêncios, timidez e encabulamento. Uma visita possível? Não parece, todos muito ocupados. Sentimos certa eletricidade nas conversas, torcemos para que aconteça o que não vai acontecer.

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Resistência: As razões do coração, que a razão (e a Inteligência Artificial) não entendem.

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The Creator. Diretor: Gareth Edwards. John David Washington. Gemma Chan,  Ken Watanabe, Madeleine Yuna Voyles, Allison Janney,   133 min. USA. 2023.

Tinha lido alguma crítica sobre este filme, destacando-o como um dos melhores do ano. Confesso que em se tratando de ficção -e aqui, de ficção digital, 5G, e todos os derivativos- meu entusiasmo não era dos melhores. Mas com a idade aprendemos a desconfiar das próprias opiniões para abrir-nos a novas perspectivas. Nem sempre, tudo seja dito. E ai está a diferença entre o velho que reclama e desconfia -este filme eu já vi, obviamente entendendo por “filme” situações da vida- e quem procura conservar a alma jovem, e se desarma de preconceitos para ser surpreendido. Essa é a raiz da contemplação, de permitir ser tocado, uma vez e outra, pela beleza, pela estética, pelo bom gosto.

Assisti o filme acompanhando do jeito que foi possível, porque o argumento não é linear, mas repleto de meandros. Humanos combatendo máquinas, que parecem humanos, criados pelo próprio homem, e agora revelando-se. Não alcanço a saber se é rebelião ou grito de independência, porque o seu criador -o homem- deixou de ser quem se supunha tinha de ser. Uma troca de papeis que no início aparece confusa, depois se ilumina, faz pensar. Muito. Apesar do protagonismo da Inteligência Artificial -responsável pelas catástrofes que desfilam pelos fotogramas- fui entendendo, aos poucos, que tudo isto não era simples ficção, mas algo mais denso, um recado de liberação prolongada, uma carga de profundidade.

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Byung-Chul Han : No enxame- Perspectivas do digital

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Byung-Chul Han : No enxame- Perspectivas do digital. Petrópolis, RJ : Vozes, 2018. 85 págs.

Petrópolis, RJ : Vozes, 2018. 85 págs.

Após ter lido várias obras deste engenheiro-filósofo, sul coreano-alemão, cai nas minhas mãos mais um dos seus livros. E mantém as caraterísticas dos anteriores: curto, mais um ensaio -aula do que um livro, e repetição de ideias anteriormente abordadas ( o que não é nenhum demérito, mas sim foco: água mole em pedra dura…..). A variante desta obra é o mundo digital…e as suas consequências para o ser humano, se for capaz de conviver sadiamente com ele, no fim, de sobreviver aos desafios que lhe apresenta. E assim o apresenta no prefácio: “Embriagamo-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e a estupidez simultânea a ela constituem a crise atual”.

O mundo digital que devassa a intimidade é consequência da falta de respeito. Assim explica Han: “O respeito pressupõe um olhar distanciado, um pathos da distância . Hoje, ele dá lugar a um ver sem distância, caraterístico do espetáculo . O verbo latino spectare , ao qual espetáculo remonta, é um olhar voyeurístico, ao qual falta a consideração distanciada, o respeito ( respectare ). A distância distingue o respectare do spectare . Uma sociedade sem respeito, sem o pathos da distância, leva à sociedade do escândalo. A falta de distância leva a que o privado e o público se misturem. A comunicação digital fornece essa exposição pornográfica da intimidade e da esfera privada. Também as redes sociais se mostram como espaços de exposição do privado”. Lembrei do comentário de Ortega quando diz que é preciso essa distância sentimental que se denomina respeito, “porque cada coisa no impõe uma distância peculiar e uma determinada perspectiva; quem quiser ver o universo como ele é, tem de aceitar essa lei de cósmica cortesia”.

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Ferenc Molnár: “Os meninos da Rua Paulo”.

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Ferenc Molnár: “Os meninos da Rua Paulo”. Companhia das Letras. São Paulo. 2016. 183 págs.

Por conta da nossa Tertúlia Literária mensal , volto sobre este livro após mais de quinze anos da primeira leitura. Mas, agora, meus olhos -e o meu coração- são outros, em maior sintonia com o povo húngaro (não com a língua, obviamente) após ter lido Sándor Márai, Magda Szabo e, principalmente, a magnífica biografia de Paulo Rónai. Ele é o último responsável por termos hoje este livro entre as mãos, traduzido num português magnífico, que agrada crianças e adultos.

Dele é também o prefácio desta edição, onde se pode ler o seguinte comentário, contrapondo que embora os livros para adultos possam tornar-se simbólicos para os jovens, “ainda mais raro o caso contrário: livros destinados originariamente a um público de jovens e que passaram a interessar pessoas de todas as idades. Um deles é, sem dúvida, Os meninos da rua Paulo , do húngaro Ferenc Molnár. Como é que um livrinho especialmente escrito para os adolescentes de Budapeste se metamorfoseia numa obra-prima clássica, lida com encanto por pessoas de todas as idades, de todos os países?”. E adverte sobre o escritor: “Foi relatada por um de seus participantes, ainda bastante perto da mocidade para levá-la a sério, já bastante longe para dela sentir saudades (…) Os meninos da rua Paulo é dessas leituras que nos acompanham pela vida afora, livro de aventuras que vale por um estudo de psicologia, livro de memórias em que não se percebe a presença do autor, livro de guerra que nos reconcilia com a humanidade.”

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Alexandr Pushkin: A Filha do Capitão.

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Alexandr Pushkin: A Filha do Capitão. Lebooks Editora.2020. 124 páginas.

Foi a leitura de um livro sobre escritores russos, o que despertou minha atenção acerca de Pushkin, de quem nunca tinha lido nada, a diferença dos outros lá elencados. Anotei o nome desta obra principal, e a escalei para a Tertúlia Literária mensal.

Agora, lido, comentado, discutido e sonhado, volto sobre o meu resumo daquele livro, antes de rascunhar estas linhas. O que têm os russos de peculiar quando escrevem? A resposta já estava lá anotada, deste modo: A literatura russa tem características próprias. As histórias geralmente se passam no vasto império do czar; predomina uma análise crítica da situação social, política e económica; os autores tendem a ser muito descritivos tanto das paisagens como dos costumes da cidade e do campo (..)Mas o que os apaixona é a busca pelo ser nacional. O tema comum de todas estas obras é a Rússia: a sua personalidade, a sua história, os seus costumes, as suas tradições, a sua essência espiritual e o seu destino (…) Se é algo tão peculiar, tão russo, porquê a enorme importância desta literatura? O escritor imortal é normalmente aquele que realiza algo universal numa forma particular;  apresenta o que pode interessar a todos os homens numa forma característica de um único homem ou de um único país. São clássicos, universais, mas atentos à sua missão: estabelecer a identidade nacional russa, que sempre foi um desafio. O império do czar começou a desempenhar um papel importante na Europa  no início do século XVIII.

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Yin Ru Chen Yan (Return to Dust): Amor, silêncio e cuidado em lírica chinesa.

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Diretor: Li Ruijun. Wu Renlin, Hai-Qing, Yang Guangrui, Zhao Dengping, Wang Cailan 131 min. China, 2022

Um filme chinês de mais de duas horas. Apertei o play, e deixei correr, com baixas expectativas. Além de pouca  sintonia com o cinema oriental (sempre digo o mesmo, e vou levando uma surpresa atrás da outra) não conhecia o diretor, e as referências eram difusas, tênues. Algo assim como um filme minimalista, com lirismo chinês. E o título que até agora não sei como traduzir. Return to Dust, inglês, que lembra da nossa condição mortal, não encaixa com o título em espanhol (O regresso das andorinhas -traduzido ao português). Ganhou um prêmio num festival na Espanha, e parece-me que as golodrinas (andorinhas) encaixam melhor no cenário.

Acabou o filme, fiquei pensando, muito. As cenas, suaves, delicadas, voltavam uma vez e outra à minha cabeça. Sentei, anotei alguns insights, desconexos, provocantes. Semanas depois, voltei a assistir. Precisava de me convencer de que aquilo que eu tinha visto nas entrelinhas era real. E com a sensação de que, por conta da minha falta de sensibilidade, do modo tosco com que muitas vezes nos dispomos a assistir um filme -divirta-me!, gritamos por dentro- tinha perdido o espetáculo. A vergonha tomou conta de mim. E me fez pensar sobre o que escrever. Será que o nosso modo rude, até grosseiro, de contemplar a poesia no celuloide, é capaz de assimilar todo este canto maravilhoso? Provavelmente não, falta paciência, sobra casca grossa, temos a alma paquidérmica.

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O Feminismo de um liberal.

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O Feminismo de um liberal. José Ortega y Gasset: “Estudios sobre el amor”

Volto a este livro que me impactou quando o li pela primeira vez, há mais de três décadas. Pensamentos, fichas extraídas, citações inúmeras vezes utilizadas em conferências e aulas, e a memória deste ensaio de Ortega como exemplo sempre atual do verdadeiro feminismo. Um magnífico elogio ao eterno feminino. Lembro-me que em 1995, pouco antes do início da Conferência de Pequim sobre a Mulher, me atrevi a escrever um ensaio tecendo as ideias de Ortega. Acabei de encontrá-lo perdido entre os arquivos do meu computador. Reli com prazer, antes de começar a digitar estas linhas.

Não vou resumir aqui o livro, porque já o fiz, em espanhol -sinto-me incapaz de tentar uma tradução que transmita o vitalismo de Ortega neste tema- e quem tiver gosto e tempo, poderá consultar aqui. Vou apenas tentar alinhavar as ideias de Ortega, de modo algo desordenado, mas que -como quadro impressionista- com tempo, e com distância surgirão os traços mais importantes. Distância que, no dizer de Ortega, é o que nos permite contemplar a silhueta de uma catedral, sem naufragar nas porosidades das pedras que a constroem. Uma distância que ele denomina respeito.

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Georges Bernanos: Diário de Um Pároco de Aldeia

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Georges Bernanos: Diário de Um Pároco de Aldeia. É Realizações. São Paulo. 2011. 288 págs.

A Tertúlia Literária me faz voltar sobre livros que tinha lido há muitos anos. É o caso desta obra de Bernanos, o escritor francês que viveu no Brasil durante a segunda guerra mundial, em Barbacena, onde atualmente sua casa transformou-se no museu que leva seu nome. Li o livro há mais de três décadas e lembro de ter extraído alguma anotação que utilizei várias vezes em palestras e conferências, porque me impressionou o seu contundente realismo. Uma delas diz assim: “Odiar-se a si mesmo não e difícil; o verdadeiro e saudável desafio é esquecer-se de si mesmo”.

Mergulhei na leitura com essa citação em mente, e fui encontrá-la somente no final. É lá que está, seguida de uma consequência que, no dia, não cheguei a anotar, talvez porque me passou batido. Hoje vejo a importância da conclusão de esquecer-se de si mesmo. Anota Bernanos:  “a graça é esquecer-se. Mas se todo orgulho morresse em nós, a graça das graças seria apenas amar-se humildemente a si mesmo, como a qualquer outro dos membros doentes de Jesus Cristo”.

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Amor Esquecido:Um canto de amor à vocação médica.   

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Znachor. 2023. TV-MA. 2 h 20 min. Direção. Michal Gazda. Leszek Lichota. Maria Kowalska. Ignacy Liss.

Foi no passado 18 de Outubro, em que se comemora o Dia do Médico. Uma colega da faculdade enviou o aviso, e o link. Tomei nota, mas os afazeres diários relegaram a pendência. Outra colega do trabalho -sempre as mulheres atentas- , chamou a atenção sobre o filme, tinha visto um aviso na Netflix. Daí não teve como escapar. Ainda bem: um espetáculo imenso, com a delicadeza do cinema polonês, onde o tema da vocação médica surge como um gigante. Fosse pouco, pegou-me no meio de umas gravações que estava fazendo no momento, sobre A felicidade de ser médico. Juntou-se a fome com a vontade de comer, sobreveio um arco voltaico tremendo, golpeou-me na alma, despertou inúmeras lembranças, e um torrente de reflexões.

Não tem como relatar o filme -prática que sempre evito neste espaço- não apenas para não ser spoiler, mas porque poderia amputar as reflexões de quem se aventure a assistir. Obviamente, o público gostará: é um filme visualmente bonito, elegante, coerente. Mas os médicos -se são capazes de assistir com calma, em silêncio- poderão apreciar muitos outros aspectos, infinidade deles, num carrossel multifacetado. O verdadeiro spoiler é o resumo que as plataformas costumam colocar para dar ideia da trama. Basta conferir -após ver o filme- para comprovar a miopia do marketing cinematográfico. Um desastre.

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Evelyn Waugh: A Volta à Velha Mansão

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Evelyn Waugh: A Volta à Velha Mansão.(Retorno a Brideshead).Ed. Agir, Rio de Janeiro, 1965. 348 págs.

Também eu voltei sobre o livro de Evelyn Waugh, após muitos anos da primeira leitura. Em semelhança com o protagonista, o Capitão Charles Ryder, que em elegante flashback evoca suas lembranças da velha mansão, de Brideshead. E o faz com pesar, não isento de serenidade, comparando aquelas vivências agitadas e turbulentas, à situação que vive no momento presente: “Deu-se comigo e o Exército fato idêntico, passando pelo namoro insistente até chegar à fase atual, em que restavam apenas os frios laços da lei, do dever e do hábito. Eu representei todas as cenas da tragédia conjugal, e verifiquei que os arrufos dos primeiros tempos se tornavam mais frequentes, as lágrimas menos comoventes, e que a reconciliação já não era tão doce”.

A nobreza inglesa do começo do século XX está aqui retratada. Carente de valores, em frivolidade deslumbrante, e de uma religiosidade postiça que para um Waugh convertido ao catolicismo, era elemento dissonante. Como comentei a propósito de um ótimo livro sobre escritores conversos, Waugh era externamente um esteta, mas sobre ele a Igreja católica não exerceu o atrativo estético. O que procurava e encontrou foi autoridade e universalidade. “Uma Igreja nacional, por maior que fosse o Império, nunca poderia falar com autoridade universal e, sendo territorial, ver-se-á necessariamente limitada…A Igreja de Inglaterra converteu-se simplesmente na igreja do clube de golfe e das tropas”. 

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