John Williams. “Stoner”

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John Williams. “Stoner”. Ed. Baile del Sol. Tenerife. 2012. 240 pgs. 

     Um amigo estava interessado nesta obra, da qual eu nunca tinha ouvido falar.  Aproveitei uma viagem para comprar a edição em Espanhol, porque não existe a tradução portuguesa. Naturalmente, o livro pagou o pedágio necessário e avancei na leitura, quase até o final, na viagem de regresso ao Brasil.

     As frases que costumeiramente se colocam na contracapa despertaram meu interesse. Afinal, essa é a função delas, estudados golpes de marketing. Chama-se a atenção para o injusto esquecimento desta importante obra, publicada em 1970. Fala-se dos dramas quotidianos salpicados de resignações e decepções, da naturalidade com que o autor trata as personagens que se nos tornam queridas, do herói que suporta as agonias profissionais e pessoais. Enfim, há quem se atreva a qualifica-lo como uma obra mestra.

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Rafael Ruiz: “O Espelho de América”

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Rafael Ruiz: “O Espelho de América”. Ed. Ufsc. Florianópolis. 2011. 195 pgs.

     “São as minhas aulas, um curso que dei na USP”. Desse modo, o autor me confidenciou o conteúdo desta sua próxima publicação. Estávamos participando num Seminário sobre “Arte e Beleza”, dirigido a jovens universitários, durante o último Carnaval. Toda uma conquista.

     Algumas semanas depois estive no lançamento do livro, para garantir o meu exemplar autografado. A leitura me resultou completamente familiar. E não apenas por tratar-se de um livro conversa –como adverte a professora que escreve o prefácio- mas porque conheço o estilo do autor, do “mano-a-mano” em que com frequência nos vemos envolvidos para promover a educação humanista.

     O Rafael tem a invejada habilidade de saber convocar variados interlocutores –personagens da literatura clássica- para estabelecer um diálogo entre eles e o público. Conduz as reuniões como um “ancora de telejornal” que cede passagem aos diversos correspondentes, distribuídos no espectro literário, e deste modo dar o seu recado. Nunca são conceitos fechados e herméticos, mas pontos de instigação que provocam a reflexão do público. Quer dizer, o núcleo do que denominamos conhecimento construído, paradigma da educação moderna de adultos. Como ele mesmo escreve, “o conhecimento não é um produto, mas um processo; não é um bloco fixo de informação, transmitido através de um download dos lábios do professor ao intelecto do aluno.”

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Luiz V. Décourt: “A Didática Humanista do Professor”

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Luiz V. Décourt: “A Didática Humanista do Professor”. Ed. Atheneu. 2005.São Paulo. 192 pgs.

     Uma bela coleção de pronunciamentos, conferências e escritos do Professor Décourt, a quem tive o prazer de conhecer pessoalmente. Corria o ano 1980, e eu tinha iniciado o meu internato na enfermaria da Propedêutica – Clínica Médica, no sexto andar do Hospital das Clínicas. Lembro-me de um paciente – um dos primeiros que tive no quinto ano –, com uma afeção pulmonar sobre quem levantei algumas dúvidas diagnósticas e terapêuticas durante a reunião clínica. A residente de segundo ano comentou que poderíamos chamar o professor para tirá-las, que ele vinha sempre com muito gosto. Assim foi; pouco tempo depois o Professor Décourt estava sentado na cama do meu paciente, conversando com ele, escutando-o com atenção. Foi a primeira vez o que o vi, e tratou-me com naturalidade, como um colega. Depois, estive com ele muitas outras vezes, assisti as aulas e reuniões clinicas no INCOR, acompanhei-o em alguma visita clínica na enfermaria. Mas a primeira impressão nunca se esquece.

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Aldous Huxley: “Admirável Mundo Novo”

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Aldous Huxley: “Admirável Mundo Novo”. Ed. Globo. 2009. São Paulo. 390 pgs.

Um novo fórum humanista oferece-me a ocasião para uma leitura pausada da conhecidíssima obra de Aldous Huxley. Conhecida, profética e, eu diria camaleônica. Lembro que na minha adolescência –há quase 50 anos- este livro era visto com certas reservas pelos educadores ortodoxos. Talvez pelas descrições cruas, desumanizadas, das relações humanas. Ou pelas misturas religiosas que os impulsos de transcendência acarretam. Ou mesmo porque poderia se considerar um exagero de uma mente culta, produzido na década dos 30 (muito antes mesmo da minha adolescência). Hoje, leio com gosto esta obra, olho à minha volta, e vejo que encaixa perfeitamente com tudo o que nos toca viver, observar, e suportar. Daí o camaleônico; não do livro, mas das circunstâncias. Do “Index inquisitorial” onde quase a situavam os educadores de outrora, eu a colocaria hoje entre os livros de formação moral altamente recomendáveis. Um exagero, talvez, mas a ideia se entende.

Caminho por entre as páginas de “Admirável Mundo Novo” e olho à minha volta por ver se algum executivo alfa, ou um socialite beta-menos esboça o sorriso de plástico na tela do Big Brother. Continuo lendo e contemplo os trabalhadores gama e os anões ípsilon, pululando à minha volta, em redes sociais, fotos incluídas. Todos iguaizinhos, com muitos milhões de amigos, poderosamente despersonalizados, se comunicando, o tempo todo, mais, mais, sobre o nada; uma anorexia patológica de conteúdo. Mas todos felizes. Sempre felizes, porque foram condicionados para livrar-se de tudo o que é desagradável em vez de aprender a suportá-lo. E, no aperto, algumas gramas do soma, a poção mágica que recupera a felicidade. O soma é, em palavras do grande administrador, a religião, o Cristianismo, sem lágrimas.

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Cavalo de Guerra, um promotor da Paz

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Cavalo de Guerra, um promotor da Paz: O Cinema antropológico de Spielberg

(War Horse) 146 min. Dir: Steven Spielberg. Jeremy IrvineEmily Watson and David Thewlis

     Alimentava boas expectativas diante do último filme de Spielberg. Não me decepcionou; sai satisfeitíssimo. E enquanto esboço estes comentários desfilam pela minha memória as lembranças do meu relacionamento com esse diretor, um eterno menino, que sabe sonhar, que desfruta fazendo filmes, que toca fundo a fibra afetiva do expectador.

     Quando Spielberg nos apresentava há mais de 30 anos seus ensaios cósmicos –Contatos Imediatos, E.T– recordo que, apesar da boa acolhida do público, não me interessei pela temática. Talvez fosse a minha juventude, ou o gosto por um cinema direto, ou a pouca simpatia que sempre tive pela ciência ficção. A saga de Indiana Jones –divertidíssima- vinha assinada pela dupla Spielberg- George Lucas, quer dizer, não era um Spielberg genuíno. Foi anos depois, com A Cor Púrpura, quando percebi que por trás de temáticas variadas os filmes de Spielberg destilavam poesia, a inspiração que o ser humano encerra. Acordei: comecei a respeitar os filmes dele, respeito que se transformou em admiração. Hoje, além da admiração sou obrigado a creditar dividendos nesta conta de relacionamento, pois as cenas de A Lista de Schindler, Amistad, O Resgate do Soldado Ryan, fazem continuo ato de presença nas minhas aulas e conferências. Sou quase um Spielberg-boy, um Spielberg-freak, e me sinto irmanado com ele no amor pelo bom cinema, ou melhor, pelas possibilidades que o cinema nos oferece para mergulhar no mistério do homem. Uma antropologia em versão celuloide.

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O humanismo médico de Gregorio Marañón: um exemplo sempre atual

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The medical humanism of Gregorio Marañón: a timeless example

João Antônio Gonçalves Garreta Prats
Acadêmico do 5º ano do curso de Ciências Médicas do Centro Universitário Lusíada – Santos – SP.
Pablo González Blasco
Doutor em Medicina. Diretor Científico da SOBRAMFA.
RBM Jan 12 V 69 Especial Oncologia

 

Numeração de páginas na revista impressa: 18 à 24

Resumo

Gregorio Marañón y Posadillo (1887-1960) foi membro da denominada Geração do 14, um grupo de intelectuais espanhóis e homens de ciência, conhecido pelo europeísmo, racionalismo e cientificismo. O presente estudo relata alguns dos trabalhos inspiradores de Gregorio Marañón e a sua análise atemporal da figura humana do médico e da medicina atual. Dentre as atitudes do médico, Marañón confere particular importância ao entusiasmo e à dedicação, que são como garantia de qualidade da sua ação. Uma postura que hoje poderíamos traduzir como compromisso e empatia com a pessoa do enfermo. Para Marañón, a formação humanística é tarefa e compromisso essencial no médico, fonte de conhecimentos, recurso inestimável na sua profissão. Afirma também que o protagonismo do paciente implica em saber “defendê-lo” do uso indiscriminado da tecnologia. Propõe, assim, um verdadeiro resgate das origens da profissão médica, adaptada ao progresso moderno. Descreve-se o “conhecimento” que tivemos da vida e obra de Marañón na exposição realizada em Toledo (Espanha), por ocasião do cinquentenário da sua morte, que supôs algo de valor inestimável. 


Conclui-se o presente artigo com nossas reflexões sobre o pensamento do médico espanhol que demonstra com clareza as perturbações da prática médica na Europa, tão extrapoláveis e tão atemporais, que apresentam completa atualidade no século XXI. Formar médicos verdaeiramente humanistas requer a instalação de um processo de reflexão que lhe permita, de modo contínuo, reavaliar sua opção vocacional, sua resposta como pessoa e como profissional. O estudo dos trabalhos de Gregorio Marañón representa contribuição de enorme valor para as reflexões necessárias ao estudante de Medicina em sua formação.

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Dennis Lehane: “Naquele Dia”

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Dennis Lehane: “Naquele Dia”. (The given day: a novel). Companhia da Letras. São Paulo. 2009. 690 pgs.

     As quase 700 pgs deste livro são mais uma saga de época, tão a gosto dos americanos, que gira em volta de um par de personagens principais, com inúmeros coadjuvantes. Boston, no final da Primeira Guerra Mundial, a “Atenas da América”, onde irlandeses e italianos se aglomeram nas suas colônias respectivas, e os negros fazem tímida aparição num cenário absolutamente ianque.  

     O autor é, naturalmente, de Boston e as descrições dos bairros, avenidas, pontes e vielas respondem ao seu gosto pessoal e, certamente, a quem conhece a cidade como a palma da mão. Algo que fica muito distante –e até resulta cansativo- para quem não está igualmente familiarizado com a topografia. Esse é, junto com a extensão do livro, um dos pontos negativos: não descreve os locais, os dá por suposto, como se estivesse falando com os próprios habitantes da cidade.

     O ponto alto é a construção do caráter dos personagens – com destaque para os irlandeses, os grandes protagonistas-, que integram a polícia de Boston e querem construir uma América que consideram seu território adotivo. Descasos políticos, salários desfasados, articulações políticas, greves e violência, desenham um panorama que lembra “As Gangs de New York”, do indigesto filme de Scorsese.

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O Artista: A Sabedoria de Envelhecer Sorrindo

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The Artist. (2011) França. Diretor: Michel Hazanavicius   Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Anne Miller. 100 minutos

 

Há filmes que têm efeito retardado. São como filmes em camadas, nos adentramos aos poucos. Talvez isso não aconteça com todos os espectadores, mas afinal os comentários que aqui alinhavamos são apenas o reflexo que o cinema produz em quem os escreve. Com respeito total e absoluto pelas opiniões contrárias. O mundo das touradas –hoje tão politicamente incorreto- alcunhou uma expressão para indicar a falta de consenso no desempenho do toureiro: divisão de opiniões do respeitável. O respeitável, naturalmente, é o público, os assistentes. Se a tauromaquia permite a divisão de opiniões, o cinema –que é sonho, ficção, acúmulo de almejos, frustrações e alegrias- com maior motivo. O Artista é um destes filmes. Planos que vão se desnudando, impactos que nos atingem aos poucos.

A primeira camada é papel de embrulho: a audácia de fazer um filme branco e preto, mudo, com todos os ingredientes do cinema anterior a 1929. A ousadia de quem produz tem de vencer a resistência natural do espectador que lá no fundo se questiona: valerá a pena? Mas afinal, quem é esse diretor, que aposta neste formato? Parece que é francês, onde já se viu? Esse sujeito não é Chaplin, isto não é Luzes da Cidade. Não será muita pretensão?

A segunda camada – vencida a resistência, quem sabe alavancado pela crítica, pois o marketing é poderoso-, surge quando se assiste ao filme. Um espetáculo bonito, uma estética cuidada, atores de primeira categoria. Não é Chaplin, sem dúvida. Nem poderia. Talvez fosse o filme que Chaplin teria feito hoje, vendo o futuro chegar. Mas isso é puro futurível, quimera que os filósofos repetidamente condenam como inútil. Neste momento, mais ninguém se questiona sobre o formato anacrónico: ambientação perfeita, gestos, caras, situações onde incrivelmente a voz sobra.

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Em um Mundo Melhor: A pedagogia do perdão

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(Hævnen / In a Better World) Diretora: Susanne Bier. Mikael Persbrandt, Trine Dyrholm, Ulrich Thomsen, Markus Rygaard, William Jøhnk Nielsen. 113 min.

     Animado pelos comentários de um amigo, assisti “Em um mundo melhor”. O Oscar de melhor filme estrangeiro criava certa expectativa. Não que os prêmios da academia sejam indicações incontestáveis. Mas penso que, às vezes, Hollywood premia os filmes estrangeiros que gostaria de ter feito e outros se adiantaram e os produziram. Há uma longa série de Oscar de filmes estrangeiros inesquecíveis: A Festa de Babette, A Historia Oficial, Cinema Paradiso, A Vida é Bela, Infância Roubada. Por citar um espectro de vários países.

     Um médico dinamarquês que trabalha num campo de refugiados africanos. Dedicação e carinho em condições muito precárias. Uma família –a do médico- se desfazendo na Dinamarca. Quem alivia como pode as moléstias dos africanos, parece que não sabe cuidar da própria família. Onde está o mundo melhor? –pensei. Tenho verdadeira alergia à beneficência distante que esconde o descaso para com o próximo doméstico. Quantos se envolvem em projetos filantrópicos sociais e se omitem no desvelo pelos que têm do lado, diariamente. O próximo é a família, a empregada, o zelador do prédio; seres humanos que a vida colocou do nosso lado, cinzentos, quotidianos, sem nenhum glamour. A solidariedade sem fronteiras traz sempre o encanto de escolher o destinatário. E o quintal do vizinho, sempre parece melhor, mesmo situado na miséria africana. Lembrei-me da minha professora de primário: “Meninos, é muito bom dar esmolas para as crianças da África; mas vejam se dividem o lanche que está na sua mochila com o seu colega de carteira”. O lanche, a fome, o colega eram entidades concretas, palpáveis. A Africa estava no primário, distante, em outra galáxia, sem nenhuma ameaça para o sanduiche que a mamãe tinha preparado a gosto do consumidor. Pouco faltou para interromper o filme. Decidi dar mais uma chance.

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Joseph Ratzinger (Bento XVI): Lembranças da Minha Vida

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Joseph Ratzinger (Bento XVI): Lembranças da Minha Vida. Ed. Paulinas. São Paulo. 2006. 150 pgs.

Eis um livro pequeno, curto, objetivo, necessário. Não substitui as biografias do Professor Ratzinger, hoje Papa Bento XVI, muitas delas excepcionais.

Também não um livro de memórias. Como muito bem o titulo indica, trata-se apenas de lembranças de um período da vida de Joseph Ratzinger: os primeiros 50 anos (1927-1977), até ser nomeado Arcebispo de Munique.

Relatadas com simplicidade e com a precisão de um professor, acompanhamos a trajetória do jovem bávaro desde a infância. Os primeiros estudos, as mudanças de domicilio por conta da profissão do pai, comissário de polícia e bom católico, opositor decidido à ameaça Nazista num terceiro Reich em ascensão. Seguem-se os anos do seminário, interrompidos pela guerra: a convocação forçada ainda adolescente para as tropas germânicas, e a recusa ao alistamento nas SS por manifestar o desejo de tornar-se sacerdote católico. À ordenação sacerdotal em 1951 segue-se uma curta atividade pastoral, pois desde os primeiros momentos Ratzinger mostrou seu dom para a investigação teológica e para a docência. Em 1953, completado o Doutorado, inicia a livre docência em Frisinga, e a trajetória docente em importantes universidades alemãs: Bonn, Munster, Tubinga, Ratisbona, assim como a sua participação no Concílio Vaticano II, como consultor do Cardeal Frings de Colonia. Tinha Ratzinger nessa época 37 anos e se apresentava como um teólogo inovador e quase revolucionário.

O jovem professor tinha já muito estudado a Santo Agostinho, e certamente é hoje o maior conhecedor do seu pensamento. Estudado e incorporado: nas páginas finais, ao relatar sua nomeação como Arcebispo de Munique, hesita pensando que sua vocação não é pastoral, mas docente. Lembra-se então, que o Bispo de Hipona também queria dedicar-se à investigação teológica, mas a vida lhe empurrava para o serviço como pastor. Esta imagem –fazer de Santo Agostinho um alter ego- a encontramos também nas recentes encíclicas de Bento XVI: gostariam –ambos- de dedicar-se à docência, e escrever livros de teologia, sem envolver-se diretamente nas tarefas pastorais. A vida é um paradoxo, e Deus não desaproveita os talentos: não devem ser muitos os que possam se igualar em produção cientifica e literária com Agostinho de Hipona e com o Professor Ratzinger.