TUCKER:  O HOMEM E SEU SONHO

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

TUCKER:  O HOMEM E SEU SONHO (Tucker) Diretor: Francis F. Coppola. Jeff Bridges, Joan Allen, Martin Landau, Frederic Forrest. U.S.A. l988. ll0 min.

Vivemos uma época de inconstâncias, refratária a ideais que arrastem o homem para cima, levantando-o da mediocridade. É o acomodamento, o culto ao fácil, ao prazenteiro. Falta forma física no idealismo raquítico, e o homem se apresenta com uma vontade obesa, sem agilidade para aceitar novos desafios. As ideias atraem, mas falta fôlego. Enamoramo-nos delas, das grandes ideias, sensualmente -no dizer de Unamuno-  sendo incapazes de casar com elas e formar família. Usamos as ideias como amantes, como companheiras de uma noite.

Talvez por tudo isto, Tucker é um filme a destacar. Uma avalanche de otimismo e liderança, a apologia do homem idealista. Essa decadência vital que padecemos não procede de doenças no corpo ou na alma -comenta Ortega- mas sim de uma péssima higiene de ideais. Por isso -palavras do filósofo- o homem seleto não é aquele que simplesmente acredita ser melhor do que os demais, mas o que se exige mais, mesmo que não consiga cumprir as exigências superiores. É esta a divisão mais radical que podemos fazer na humanidade: a das pessoas que se exigem muito e acumulam sobre si dificuldades e deveres, e aquelas que nada se exigem, sendo para elas o viver em cada instante ser o que já são, sem esforço de perfeição sobre si mesmas, boiando sem rumo pela vida…

De modo ágil o filme narra a história de Preston Tucker e sua tentativa de revolucionar o marcado automobilístico norte-americano nos anos 50. Suas iniciativas, seus esforços, a luta contra o monopólio dos carros, sucessos e fracassos, levados à tela com toda a força e genialidade -cinema do bom- que Coppola sabe colocar nos seus filmes. O filme é brilhante pela realização, com preciosismo, sugestivo. Algumas sequências de câmara são redondas, planos com acabamento exemplar, toques intuitivos -brincadeiras com o espectador- colocam em evidência a maestria deste diretor, polêmico mas inegavelmente com talento. Um filme agradável no visual, de extremo bom gosto pela plasticidade e leveza na condução do roteiro.

O embrulho é atraente, mas o conteúdo -o que fica no fim- é rico em valores de fundo. Tem otimismo e ideal a prova de qualquer obstáculo. “As dificuldades são oportunidades vestidas de trabalho”. Afã de superação, constância e lealdade como motor. Garra humana no combustível. Como lubrificante litros de delicadeza e bom humor. E nos amortecedores a amizade e o carinho de uma família unida, mostrada sem receio, minimizando os buracos da hipocrisia e da falsidade. Deste modo, aparece-nos o filme também como um carro montado em sólidas bases, resistente e com potência. As personagens mostram-se muito bem conseguidas -com destaque para Jeff Bridges no papel de Preston Tucker- e com realismo, o que contribui para dar relevo à trama, destacando todo esse fundo, denso, de virtudes.

Também, como no filme, não faltam os que criticam o excesso de poesia e o corte extremamente bondoso -como as comédias de Frank Capra, dizem- desta produção. É normal; nem todos têm capacidade de sintonizar com valores de altura, com um ideal que pode transformar sua vida. Infelizmente o ceticismo, diferente dos “Tucker”, é produto fabricado em série, vende-se por atacado.

Os céticos proliferam à sombra de uma época carente de ideais. Multiplicam-se, e reúnem-se para disfarçar na quantidade o que não podem encontrar na qualidade individual. É a massificação, fenômeno decorrente da mediocridade. O coletivismo dos vazios, o aconchego de curral, de que nos fala Gustavo Corção nas suas  Lições de Abismo: o ajuntamento sem unidade, a tentativa de encontrar significado na multidão já que não se consegue descobrir o significado de cada um, a conspiração dos que se ignoram, a união dos que se isolam, a sociabilidade firmada nos mal-entendidos.

Os carros de Tucker são produto de seleção, raridade, merecedores de homens idôneos para dirigi-los. Esses homens que sabem muito bem onde querem chegar na vida, e não medem esforços para, superando dificuldades, correr atrás de grandes ideais. Talvez por isso sejam poucos os carros que Tucker produz: 50 ao todo. Mas, afinal, “não importa se são 50 ou 50 milhões; o que conta é o ideal, o sonho”.

Um filme delicioso para sonhar desperto, para redescobrir ideais. Uma lição de vida e de conduta que nos faz despertar –liguemos os motores, entremos em ressonância- para as aventuras do quotidiano.

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