DOCES ECOS DO PASSADO

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

DOCES ECOS DO PASSADO. (Les portes tournante) Diretor: Francis Mankiewicz .Monique Spaziani, Gabriel Arcand. Canadá. l988. 104 min.

Existem filmes excelentes que correm por fora, alheios ao barulho da propaganda e da mídia. Pequenas joias, encalhadas nas prateleiras do esquecimento, até que algum curioso consegue descobri-las. Doces ecos do passado é um destes filmes, um filme bonito, redondo, onde se misturam com proporção, a imagem e a poesia, engastadas na música, que é a desculpa para todo o filme.

            Celeste é a moça do interior, primogênita duma numerosa família de camponeses e músicos, onde “os instrumentos passavam das mãos de um irmão às do outro, como fazíamos com as roupas quando ficavam pequenas”. Os homens do cinema, cinema mudo -estamos na década dos 20- contratam Celeste para “sonorizar” os filmes: improvisar a trilha musical do filme, com um piano situado do lado da tela, enquanto o filme é projetado para o público. Um argumento original, com sabor clássico, sustenta a trama do filme, que transcorre num “mano a mano” entre o presente dos anos 80 e o passado dos 20.

            O talento musical da pianista, o amor ao cinema, maravilhosa desculpa para sonhar; a força da imagem e do gesto, o poder da música, as generosidades e mesquinharias do coração humano: elementos estes que o diretor usa para esboçar com acerto e delicadeza os traços da alma feminina da protagonista.

             O resultado é um filme encantador, uma pequena obra prima que se assiste com agrado, sem cansar. Certamente fará as delícias do cinéfilo, pelo que supõe de tributo à sétima arte. Mas para todos, também para o grande público, é um filme que atinge, pela carga humana -os problemas do coração que a todos dizem respeito- e pela harmonia do conjunto. Não é um filme de arte, se por arte se entende o cinema hermético de muitas produções europeias. É, sim, um filme feito com arte, carinho e nostalgias, que deixa um bom sabor de boca sem que consigamos identificar exatamente qual a origem do ingrediente que nos conquistou.

As cores pastel, usadas com acerto; quem sabe os gestos apenas esboçados nas despedidas de Celeste, ou talvez as notas de “O cantor de Jazz” que fazem sangrar lágrimas da alma da pianista. Ou o ressurgir da mesma nos compassos de “Não matem a pianista”, tema musical de fundo. Afinal assim é a arte: agradável e única, com a fragilidade de um sonho, que nos escapa quando queremos agarrá-lo. Antoine, o menino, que é como o mestre de cerimônias do filme, ressume bem esta sensação: somos sempre pequenos para as coisas importantes. A arte, o cinema que é arte, nos envolve sempre e, como a música de Celeste,  “nos embala e cuida da nossa alma ferida”.


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