FLORES DE AÇO

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

(Steel magnolias) Diretor: Hebert Ross. Julia Roberts, Sally Field, Dolly Parton, Shirley MacLaine, Olympia Dukakis. USA.l989. 114 min

Agradou-me Flores de Aço por deparar-me com um filme profundamente humano: sentimentos, problemas familiares, amizade, e -justo é reconhecê-lo- heroísmo brilhando com naturalidade. Surpreende como num ambiente com pitadas de frivolidade, que se inclina pelo materialismo, possam surgir estes valores. A explicação mais plausível é que “Flores de Aço” é um filme completamente americano.

Uma cidade do interior, onde cada uma das personagens -muito bem conseguidas- reflete esse modo de ser simples, transparente, ingênuo até, um pouco primário: enfim, bem americano. Os vícios não são pensados nem requintados: afloram espontaneamente, fruto da desinformação e da falta de reflexão. As virtudes são também irrefletidas, sem cultivo, impulsos de sentimentos -bons sentimentos- e de generosidade. Qualquer outra interpretação nos faria suspeitar das boas ações das personagens, pois há muitas. Não são falsos: são, simplesmente, primários.

Julia Roberts é a enfermeira diabética prestes a casar. Sua saúde é delicada e a perspectiva de engravidar não é isenta de risco. Sally Field, que é mãe, dispensa ser avó; mais do que dispensar, decide em benefício da filha. Compreensível, mas não desculpável. O carinho que brota do coração materno deve estar temperado com o desprendimento para se equilibrar. Também isso é doação. Quando falta o condimento do desapego o egoísmo azeda o amor. E, afinal, cada um precisa viver a fundo sua própria vida.

Mas ao natural instinto materno -estranho seria que não surgisse inervado, defendendo sua cria- sobrepõe-se a compreensão do coração de mãe, dando a volta por cima. Não há nada que o afeto de uma mãe não possa compreender, solidarizar-se para dividir lucros… e, sobretudo, prejuízos. Se falha o coração da mãe não existe apelação; é a última instância do aconchego vital.

As flores -que pelo título original devem ser magnólias- tomam corpo nas feições das mulheres que perfumam o antes, durante e depois do casamento. Flores tímidas, botões desabrochando. Flores decididas, de aroma definido. Flores, também, elegantes, com estilo, que decoram a tela com sua presença. E flores espinhentas, que machucam, mas com muita ternura para dar; tem coração, magoado pelos golpes da vida, e escondem o afeto. Um jardim de variedades, e a noiva no centro, despontando.

Um filme de mulheres, onde o diretor Herbert Ross deixa as atrizes -um elenco de primeira- atuarem a vontade. O resultado é uma galeria de figuras perfeitamente caracterizadas. Um filme agradável de ver, que convence. São mulheres que gostam de sê-lo, que exercem como tais. Um filme feminista ou, preferindo-se o neologismo, feminólogo pelo estudo que traz dos caracteres femininos.

Falar de feminismo é sempre arriscado. Sobretudo hoje em dia quando feminismo é termo do velho regime, algo assim como erguer bandeiras de marxismo-leninismo entre os escombros do muro de Berlim. É arriscado, ainda assim, porque o habitual é descontentar gregos e troianos. Incomodam-se os gregos que, à procura de Helena, sempre defenderam a mulher como tal, sem fazer questão de comparações ou direitos, a não ser os próprios que como mulheres lhes cabe. Revoltam-se os troianos que depois de muitos anos de reivindicarem a “igualdade de direitos” chegaram à conclusão de que o assunto passou de moda, e mais ninguém acredita na história do cavalo, que, por sinal, somente lhes trouxe desvantagens. A deserção das líderes feministas assumiu epidemia de Perestroika, que também está de moda. Finalmente é arriscado falar de feminismo, pois sendo homem quem escreve, é legislar em causa alheia.

O tema, pois, requer prudência. Mas como falamos de um filme, sem compromissos nem ideologias, apenas destacando valores, continuaremos confiando na compreensão de todas. Com franqueza, não pude deixar de associar as imagens de Flores de Aço com as considerações que sobre o feminismo faz Ortega y Gasset no seu delicioso Estudo sobre o amor, escrito a princípios do século XX. O tempo não diminui a oportunidade das considerações que me alegra relembrar.

Diz o filósofo que procurar a influência da mulher em moldes parecidos à do homem é caminho errado onde somente encontraremos falhas. E isto porque são influências diferentes, de modalidade diversa. O homem se destaca pelo que faz; a mulher pelo que é. A influência do homem é ativa, criadora: marca presença fazendo. A da mulher é sutil, delicada, atmosférica -como o clima sobre o vegetal- e por isso é transformadora. Não vai nisto nenhum demérito para a mulher pois é esta influência estática a da luz que ilumina, a do sol que aquece. Até o próprio Deus, que no dizer de S. Tomás, atrai sem mover-se, inclinando para si todas as coisas, influencia estaticamente.

Feminismo é termo gasto, mas não o são estas considerações. A filosofia é eterna, quer dizer, nunca passa de moda, corre paralela ao tempo, fora dele. E pensando em tudo isto -filosofando, que isso é pensar nas realidades que nos circundam com perspectiva eterna- constatamos quanto tempo perdido nas batalhas do feminismo que luta por direitos iguais. Com um sorriso observamos aquelas que abdicando -por desconhecerem seu imenso poder- dessa força de transformação atmosférica que por natureza possuem, por serem mulheres, se lançam à ação reivindicatória. E sorrimos porque muito nos lembra quem desprezando o clima tropical, este nosso Brasil “onde em plantando tudo dá” faz questão de cultivar, por exemplo, orquídeas numa estufa na Finlândia. O mundo às avessas. Quem sabe pelo gosto de sentir-se útil, de fazer algo diferente. O feminismo passou de moda. Afortunadamente continua presente a influência feminina….O que seria de nós sem ela!! No lar, na arte que a mulher pratica nas tarefas quotidianas, e em tudo o que porventura cai em suas mãos.

E seguindo as considerações de Ortega -um verdadeiro tratado sobre o feminismo- reparamos que é no lar onde o domínio da mulher é total. A intervenção do homem é sempre descontinua, oficial, periférica. E sendo a casa -o lar- essencialmente quotidiana, o corriqueiro do homem, o ar que habitualmente os pulmões recolhem e devolvem, é a mulher a que marca o tom. A mulher que sabe, com arte, demorar no que faz, que descobre o gosto pelo habitual, deitando raízes nas tarefas que desempenha fazendo de tudo um costume, um hábito.

A ausência da mulher no lar, a carência da arte feminina é o que faz perder atrativo à vida familiar. Até o homem -que pouco sabe disto, e talvez nunca parou para pensar- vai sendo tentado a montar seu cultivo de estufa na Finlândia. É urgente que a mulher o resgate dos sonhos inúteis, e para isto nada melhor que sentir-se mulher, ser mulher, de verdade, como as personagens do filme.

Criando costume do quotidiano, firmando suas raízes naquilo que a feminilidade tem de mais próprio, torna-se a mulher capaz do heroísmo. Feito com naturalidade, sem barulho, como um hábito a mais. Heroísmo que leva a defender os seus valores próprios -a maternidade, mesmo à custa da saúde, da vida mesma- como as flores de aço nos mostram. Um heroísmo sereno, com um sorriso compreensivo para o homem que não é capaz de entender este sacrifício. Não o compreenderá nunca: sua técnica e atividade criadora poderão confeccionar maravilhosas flores… artificiais, ou até cultivar orquídeas na Escandinávia. Mais do que isso, não.

            E olhará com admiração e uma ponta de inveja as flores que, espontaneamente, nascem no calor do clima que a mulher aquece com sua simples presença. Flores lindas e perfumadas, delicadas e fortes porque possuem a têmpera do natural, a seiva do verdadeiro feminismo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.