ETERNAMENTE JOVEM

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

ETERNAMENTE JOVEM (Forever Young). Diretor: Steve Miner. Mel Gibson, Elijah Wood, Jamie Lee Curtis USA 1992. 102 min.

O amor é forte como a morte, diz o Livro Sagrado. Lembrei destas palavras vendo Mel Gibson correr embaixo da chuva, querendo parar o tempo.

            Vivemos tempos de pragmatismo e o amor circula no mercado negro, de mão em mão. São apenas subprodutos amorosos, manuseados, com baixo teor de amor forte, com excesso de ganga. Tempos os nossos de desconfiança feroz, de levar vantagem, de toma lá dá cá. Fala-se muito de amor, e cada vez se desconhece mais o miolo dessa realidade, perdido numa selva de equívocos. Um lugar comum, ou -com perdão dos filósofos medievais- quase um  flatus vocis, que nos abeira da indiferença.

            As cenas de Eternamente Jovem nos falam de amor romântico e verdadeiro. De um amor que corre no contrarrelógio do tempo, e no contragosto dos sentimentos vigentes na moda. “Passe duas horas com quem você estaria uma eternidade”. São os outdoor da cidade anunciando a fita em lançamento. Tem seu encanto. Agradece-se uma lufada de romantismo, ar fresco, chuva de verão que ventile o ambiente abafado de egoísmo, de procura doentia do prazer.

            Um acidente, a perda da mulher amada, a espera -dias, meses- feita eternidade. Dormir, desaparecer, hibernar os sentimentos doloridos, desafiando a própria finitude. Um sabor, quase nostálgico, num filme perdidamente romântico, descaradamente sentimental. Mas é bonito, agrada.

            “Estamos a anos luz das pesquisas de Harley” diz o médico dos anos 90. É verdade, pensa o espectador. Talvez aquele pesquisador soubesse, melhor do que nós, modernos e informatizados, o que é o amor. É o desgaste do amor, o que nos distancia de tempos melhores. A erosão dos valores nos transporta a tempos remotos, transformando-nos em trogloditas naquilo que concerne ao amor. Estamos na idade da pedra, nus de romantismo, tendo que refazer nossa própria história.

            Felllini morreu nestes dias. Um gênio da sétima arte, inventor de fantasias, desbocado. Mas Fellini era um romântico. Emociona ler, na imprensa, suas declarações: “Nasci o dia em que a conheci”. Fala de Giulietta Massina, sua mulher desde 1942, companheira inseparável até a morte. “Viveram um para o outro, e completaram as bodas de ouro dias antes de Fellini morrer”. Um passeio de mãos dadas fazia parte das comemorações previstas. Não pôde realizar-se; Fellini adoeceu gravemente. E, como lembrança, um coração onde Frederico e Giulietta estão ajoelhados. Um testemunho vivo do homem que gritava, entre as filmagens do grotesco, “o romantismo não morreu”.

            Banho de emoções, romantismo sem pudor. Gritos que surgem do fundo cético do homem que apodrece no seu barro limitado, sensual. Acaba o filme e vem à memória -sempre a feliz associação, travessuras da imaginação- os versos daquele poeta do século XV. Um nobre de Castela, homem de armas, conhecedor das dores, que canta elegias na morte do seu pai, e trovas de amor. É Jorge Manrique que diz “que coisa é o amor”. “É o amor força tão forte/ que força toda razão/ uma força de tal sorte/ que todo o senso converte/ na sua força e afeição; um desafio forçoso/ que não se pode vencer/ cuja força por teimoso/ fazemos mais poderosa / querendo nos defender”.  É preciso ser romântico sem medo, sem sustos. Não há resistência possível, pois, afinal, resistir é tornar forte a teimosia do amor que nos arrasta, cabeça e coração, por caminhos altos. É o amor o que nos torna jovens, e nos traz o gosto do eterno.

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