O CARTEIRO E O POETA

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

O CARTEIRO E O POETA. (Il postino) Diretor: Michael Radford. Massimo Troisi, Philipe Noiret, Maria Grazia Cucinotta. Itália 1995, 106 min.

Há filmes superiores, à margem da crítica, que correm em paralelo. Este é um deles. Anos 50. Pablo Neruda, poeta chileno, está exilado numa pequena ilha da Itália. É o poeta do povo, da revolução; poeta do amor, das mulheres, que cativa com a vibração dos seus versos. Um noticiário em branco e preto, no cinema da aldeia de pescadores, introduz-nos no tema. Lá está Mário, o carteiro que levará a correspondência do poeta. Entre cartas e gorjetas nasce a admiração, e logo, a amizade. O filme dá sequência, desfiando em cada fotograma, porções de lirismo primoroso.

            “O mundo, o mar, as estrelas não serão metáforas de algo maior?” -pergunta Mário. “Não será -pergunta o espectador gratamente surpreendido- todo o filme uma metáfora do que é a arte, da poesia, do amor?”. Porque o filme, igual que a poesia, não pode ser explicado, se tornaria banal. Por isso qualquer comentário é arriscado, pode vulgarizá-lo. Melhor será vivê-lo, como se vive a poesia, experiência das emoções de uma alma disposta.

            Todo o filme é um poema cadenciado em belíssima partitura italiana, entremeada das “Madres-selva” de Gardel, aquelas que nos viram nascer e surpreenderam nosso amor junto da “vieja pared del arrabal“. É, simplesmente, lindo…no melhor sabor portenho.

            O filme é sobretudo Mário, por conta de um Massimo Troisi que está inefável. Somente uma comparação com qualquer outra atuação deste ator -falecido dias após concluir as filmagens- nos dá uma ideia da grandeza do seu desempenho. A posteridade imortalizá-lo-á como Mário, o carteiro de Neruda. A vida e o cinema se juntam.

            A arte corre por dentro, cresce, fermenta, entra em ebulição quebrando as carapaças toscas das feições, quase analfabetas, para desabrochar numa simplicidade cativante. Poesia, arte, amor, não são formas e estereótipos, mas seiva que fabrica a raiz de uma alma sensível, que emerge, e faz explodir a planta em frutos. É a lua, a bola na boca de Beatrice, o riso aberto como asas de borboleta. São as ondas, grandes, pequenas. As redes, tristes. O vento nos rochedos, o coração do bebê no ventre da mãe. O gravador que, teimoso, arranca pedaços de afeto  -também o nosso, espectador- , tempera-os nos compassos do tango, bate-os no liquidificador das emoções. Todos juntos. São a luta de uma sensibilidade que emerge da alma simples de Mário, abre-se caminho por entres as formas rudes do carteiro, e vem à luz. É um parto maravilhoso, simples e encantador, como a vida nascente.

            Poeta, carteiro, Itália, comunismo… tudo é, afinal, ocasião -simples palco- para um espetáculo que transcende o argumento. “A poesia não pertence a quem a escreve mas àqueles que precisam dela” –diz Mário quando Dom Pablo lhe critica por plagiar seus versos. O filme não pertence à história, não se esgota no episódio. É um tonificante, com sabor marinho e abraços da madre-selva, para a nossa sensibilidade dolorida. Sóbrio, sem pieguice, comovente, à procura da poesia que -certamente- levamos todos dentro.

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