UM SONHO DE LIBERDADE

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

(The Shawsahank Redemption) Diretor: Frank Darabont.  Tim Robbins, Morgan Freeman .USA, 1994 146 min.

A liberdade é, hoje em dia, um lugar comum. Cada vez se fala mais dela, e menos se consegue entendê-la. Ensaios sobre a liberdade não faltam, a modo de variações sobre um tema, que permanece oculto. Assim liberdade de opinião, liberdade de expressão, de culto, sexual, de opção. Será a liberdade condimento de todos os pratos? Certamente. A liberdade é algo inseparável do ser humano, da qual não pode prescindir se quer continuar sendo plenamente homem. Pode-se conceber homem sem braço, sem perna, mesmo sem intelecto desenvolvido; homem sem liberdade não existe. Daí que a liberdade é qualidade interior, mais seiva do que folha; um nutriente que sustenta o metabolismo da planta e não simples estufa que a protege das inclemências do tempo.

            Em se tratando de um presidiário, falar de liberdade -sonhar com ela- parece assunto de objetivos bem restritos: sair, o quanto antes, da prisão. Mas este filme magnífico surpreende mostrando a outra cara da liberdade. Realizado sobre argumento já batido, é admirável como de um ambiente sórdido e pouco edificante pode destilar poesia. E destila com bom gosto, com doses certas de humor, sem cair na ingenuidade – afinal uma prisão “não é um mar de rosas”-  nem no pessimismo deprimente,  justamente porque a seiva da liberdade atua com eficácia. A liberdade que corre parelha com a esperança, “aquilo que ninguém pode tirar-te, que é só teu”, diz o protagonista sobre o qual o filme se apoia. Um homem culto, um banqueiro, que tem a grandeza de alma suficiente para passear no pátio do presídio, como se estivesse “protegido por um escudo invisível”, com a despreocupação de quem passeia num belo parque público.

            O filme tem muitos ensinamentos.  Entre os maiores, desponta um que, esse sim, é panaceia para os males do mundo, que são sempre males e mágoas das pessoas individuais. Lembrando: somente quem tem um projeto de vida consistente, quem trafega pela vida preocupado em ajudar os outros, sentindo-se e sendo de fato um animal social, ocupado com as questões alheias, consegue ser livre, e suporta qualquer dificuldade. Como sempre, o grande problema das dificuldades não é o tamanho da barreira que se coloca na frente, mas a falta de impulso que o homem sem ideal tem para tentar superá-las. Isto é em palavras do protagonista “ocupar-se de viver”, ser útil, ter projetos, sonhar; e não “ocupar-se de morrer” com um viver que agoniza como diz o poeta: “Triste de quem é feliz e vive porque a vida dura”. O viver não se reduz a simples duração da vida, mantendo-se o organismo biológico em funcionamento mas estando o ideal enterrado faz muito tempo, e a vida sendo já uma sepultura. Os mortos vivos não é uma ficção de terror: é a triste realidade dos rebanhos de homens sem ideal,  com os quais nos deparamos em cada esquina.

            Eis um filme que levanta, num estilo muito americano, esta e muitas outras questões. Filme longo, de temática aparentemente monótona, mas que resulta leve, cativa, diverte, e faz pensar. São, como sempre, os valores impressos no celuloide, o que dá agilidade ao filme, coloca o espectador dentro da temática, e o faz sonhar, embalado nos encantadores compassos da ópera de Mozart, com essa liberdade que cada um deve conquistar interiormente. “Não tenho nem ideia do que aquelas damas italianas cantavam. Para ser sincero, não tenho vontade de saber, pois há coisas tão belas que não se podem exprimir em palavras. Somente lembro que era algo tão bonito que chegava a doer; e as suas vozes voaram alto e, por alguns instante, todos os homens que estávamos na prisão nos sentimos livres”. É Morgan Freeman,  relatando o cenário incrível, onde todos os presidiários param admirados, quando escutam nos alto falantes o dueto das sopranos, de As Bodas de Fígaro.  

Um convite para aprender a viver sem importar-se com a atmosfera que nos rodeia, ganhando a autonomia para decolar de uma realidade excessivamente plana e elevar-nos em singular perspectiva  desde a qual se contempla o verdadeiro valor da vida humana, da amizade,  da integridade.

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