COMER, BEBER, VIVER

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

COMER, BEBER, VIVER. (Eat, Drink, Man, Woman). Diretor: Ang Lee. Sihung Lung, Sylvia Chang, Chien-Lien-Wu USA,Taiwan 1994. 123 min.

A comida, a boa comida, já foi poesia feita cinema em A festa de Babette. A comida é também elemento de relacionamento humano, necessidade fisiológica que pode se transformar em amável desculpa para conversar, para falar, para entender-se.

            O diretor chinês Ang Lee apresenta uma história familiar de Taiwan, onde as pessoas “contam suas coisinhas” à volta da mesa do almoço de Domingo. As pessoas são um cozinheiro viúvo e as três filhas, de caracteres e orientações completamente distintas. O almoço -como não poderia deixar ser na linguagem cinematográfica chinesa- é suculento e magnificamente apresentado: molhos, aromas e o borbulhar barulhento das frituras parecem querer pular da tela, salpicando o espectador.

            As mulheres -as três filhas- são as solistas desta sinfonia culinária que, apesar de ter os mesmos elementos (pai e três filhas) do rei Lear shakespeareano em nada se assemelha. O motivo é simples: aqui não se focaliza o relacionamento, simplesmente porque cada um funciona por sua conta, num individualismo que é tão gráfico como os molhos e temperos. A casa -mais casa do que lar- vai se desfazendo, a golpe de “coisinhas” que pipocam nos almoços dominicais, decisões unilaterais, nunca diálogo.

            Tudo no filme é plástico, real, sem pretensões, sem mensagens. A vida em pequenos quadros, como um vídeo clipe. O próprio nome do filme -mais ainda em inglês- é já significativo: palavras sem conjunção, atitudes e elementos incomunicáveis, golpes de realidade. Vídeo clipe curioso, salada de situações: batom vermelho para liberar a solteirona reprimida, hambúrguer de fast food para contrastar com a arte culinária enquanto rouba-se o noivo da amiga, computadores da executiva com sucesso que morre de amores por um avental de cozinha, pela paz doméstica. Tudo temperado com sopa de melão, lubrificante que faz as vezes do carinho, no suceder-se de coisinhas que são surpresas, mais surpresas, golpes exóticos. Um filme que é uma atração singular, e só por isso -não é pouco- merece ser visto.

            A produção tem o colorido da comida chinesa, entra pelos olhos; sabor de tempero firme, decidido, sem os requintes da alta culinária europeia, sem preocupações por disfarçar o indisfarçável, o que é evidente. E, no fundo, como todos os homens, a saudade da família, valor que deve ser resgatado, raízes que nos trazem a seiva vital. Toda uma arte -o convívio familiar- para ser tratado com carinho, a fogo lento, com delicadeza. Arte que requer maior perícia que a culinária, e mais do que almoços de domingo – incluído nosso equivalente ocidental, o institucional macarrão da sogra – para uma manutenção saudável.

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