CAMINHANDO NAS NUVENS
CAMINHANDO NAS NUVENS (A walk in the clouds). Diretor: Alfonso Arau. Keanu Reeves, Aitana Sánchez-Gijón, Anthony Quinn, Giancarla Giannini. USA 1995. 103 min
Definitivamente Hollywood tem saudades do romantismo. Aliás, quem não tem? Vivemos tempos de violência e de sexo por atacado; com desastres ecológicos e franco-atiradores que liquidam pacíficos fregueses de uma lanchonete. E o cinema sente o compromisso de mostrar tudo isso, com detalhe, insistentemente.
O romantismo não é um luxo mas uma necessidade vital. Precisamos sonhar, respirar ar puro, viver encostados na fantasia. É o caminho para grandes amores que suavizam as grandes tragédias. Suavizam e, pelo visto, elevam…em perspectiva atmosférica. Como acontece, sempre, na ópera que é romantismo feito música. Se Alfredo em La Traviata vive “quase no céu” junto de Violeta, e Radamés faz de Aida rainha dos seus pensamentos “num trono vizinho do sol”, nada tem de estranho que Alfonso Arau -o diretor mexicano- nos faça passear nas nuvens com Paul e Victória, neste filme que encantará.
Bate a saudade do romantismo e como nos dias de hoje não se acopla bem ao molde cor-de-rosa, a trama é deslocada para anos dourados: 1945, época de pós-guerra. Califórnia, pedaço de terra com sangue mexicano e direitos americanos. Um jovem soldado, criado num orfanato, herói de guerra ajuda uma moça, menina dos olhos de uma rica família de fazendeiros. A moça está grávida e precisa -assim, de uma hora para outra- de um marido para salvaguardar a honra da família Aragón. A largada está dada para o passeio pelas nuvens que, aliás, são Las nubes, a fazenda da família de Victória. Brincadeira mexicana com sabor e ritmo de “cielito lindo”. Victória é a espanhola Aitana, que poderia ser perfeitamente Adelita, aquela que “se fugisse com outro a seguiria por terra, em trem militar, e se por mar, num barco de guerra”. Quem a seguiria é Paul -Keanu Reeves- “o homem mais honesto que já conheci”.
O filme é de uma beleza visual notável, e a fotografia acompanha o sentimento. As personagens são muito bem caracterizadas e a música cativante, calçada como luva de seda, torna o espetáculo atraente, sugestivo: faz sonhar. Cenas de lirismo fantástico como a do combate à geada ameaçadora com a delicadeza dos homens borboletas, envolvidos na fumaça. E uma tonalidade de México lindo -violência e coração para dar e vender- marca do diretor, que conduz com pulso firme toda a produção.
As nuvens de Alfonso Arau são nuvens de família unida, de honestidade, de coragem. Nuvens -brumas talvez- de contornos pouco nítidos onde a intransigência se alterna com a compreensão e o amor. Nuvens de tequila e serenata de mariachis, de respeito pela vida nascente, de lamentos para a paixão que se precipita. “Conhecemo-nos na sexta, casamos no sábado, fui para a guerra no Domingo”. Alianças de papel, uvas molhadas de orvalho, raízes de videira e da vida, liturgia da vindima. E a tonificante sabedoria do patriarca D. Pedro Aragón – Antony Quinn, muito bem!- advertindo que a idade é o segredo de tudo: do bom vinho, das pessoas, do amor que, se de boa terra, melhora com o tempo.
“Caminhando nas nuvens” pode não ser um super-filme e tem aspectos discutíveis. Mas, certamente, agradará e muito. Como água em terra seca, o romantismo drena bem; mais ainda se tem passaporte latino. “Onde os homens pensam, as mulheres sentem -diz D. Pedro- Elas são criaturas do coração.” A aprovação do público feminino será maciça mas,….. permita-nos perguntar D. Pedro: não será que a alma romântica é sempre um pouquinho mulher?