ADORÁVEL PROFESSOR

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

(Mr. Holland’s Opus) Diretor: Stephen Herek. Richard Dreyfuss, Clenne Headly, Jay Thomas, Olimpia Dukakis, W.H.Macy. USA 1995. 140 min

Glenn Holland é um amante da música. E como todo amante é criativo, original, apaixonado, não mede esforços para conseguir o seu objetivo. A composição de uma sinfonia será o fruto maduro do seu amor pela música; mas esse fruto parece que não chega nunca.  Os apertos econômicos, a família, o filho problemático, os alunos difíceis vão sangrando, dia após dia, o pouco tempo disponível -o tempo destinado a namorar a música, à gestação da sinfonia- para gastá-lo na resolução de problemas corriqueiros. As jornadas de Mr. Holland consomem-se nas aulas do colégio onde leciona música: um ambiente que não valoriza o  seu trabalho, alunos pouco dotados para a sensibilidade musical, diretoria indócil a qualquer projeto de reforma.

            “A vida é o que nos acontece enquanto fazemos outros planos”. Neste pensamento vem condensada a maior sabedoria de um filme excepcional, repleto de valores. Ensinamento que é consolador para todo aquele que possuiu um mínimo de realismo. Afinal, planos todos fazem, e tem de ser feitos. Quem não faz planos é já um aposentado no espírito; não vive, apenas vegeta. Mas é preciso ter sensatez para saber que nem tudo o que se planeja, acaba por conseguir-se. Os planos estão lá, como marca passo vital, como a cenoura na frente do burro que o faz andar, sair da inércia comodista. E enquanto isso, a vida acontece, nos envolve com seus imprevistos… E o arquiteto dos planos tem de encostar os seus projetos, fantasiar-se de bombeiro e apagar os incêndios para sobreviver. Tropeços? Contrariedades? Sem dúvida; mas são, todos eles, o  incentivo que nos faz crescer, como os degraus que se interpõem no caminho, perante os quais se pode cair ou, com presença de espírito, subir em cima deles para enxergar mais alto.

            “Temos todos que vivemos, uma vida que é vivida e outra vida que é sonhada” -diz o poeta português. É a amálgama da vida. Essa curiosa e real harmonia de iniciativa constante mesclada com a serenidade para aceitar as imposições que vem de fora; de urgência realizadora com paciência que espera e sofre alegremente o peso das circunstâncias; de afã de superação com o lastro das próprias limitações. Tons agudos e graves, luz e sombra, em acordes arpejados, são a trilha sonora da vida de cada um. A vida, “a única vida que temos, essa que é dividida entre a verdadeira e a errada”, concluem os versos de Fernando Pessoa. Uma melodia contrastante, sem dissonâncias que, quando existe, provêm não dos contrastes mas da revolta, da falta de adaptação; nunca da partitura, sempre da imperícia do intérprete.

            Em questões de profissão e na vida amorosa -comenta um pensador contemporâneo- dificilmente se acerta na escolha inicial, o que não quer dizer que se escolheu de modo errado, mas apenas de forma incompleta. Isto é assim porque a vocação para o amor e para o trabalho nunca é de bate – pronto, mas sim algo que se constrói com o tempo. O homem possui uma capacidade prodigiosa de criar, com os anos, o amor e a vocação sobre a escolha primeira; com dedicação, afeto, empenho. Criação madura, plena, definitiva. Vocação não é lotaria mas assunto da vontade, dessa vontade que costumamos chamar “boa”.

            Ao lugar comum de que o importante e fazer o que se gosta é preciso responder com ímpeto novo, audazmente, que o notável é aprender a gostar do que tem de ser feito. Aprender a gostar do trabalho, da rotina, do dever; aprender a envelhecer nos hábitos de sempre, na família que nos rodeia, sem invejar o quintal do vizinho que parece melhor só porque não é o nosso. Aprender a lustrar, com brilho novo, as rotinas de sempre. Isso é a boa vontade de Glenn Holland, atrelado a toda uma sinfonia de valores que este filme destila, em compassos de bom senso necessários hoje e sempre. Vontade boa, forte, criativa, sem sentir-se vítima das circunstâncias. Uma vontade que cultiva pessoas, a mais nobre manufatura, encontrando nela a maior realização e a resposta definitiva para a vocação docente. Uma possibilidade sublime, dom a poucos concedido -o cultivo de seres humanos!- e por pouquíssimos reconhecido. Uma vontade que, por ser criadora, nos assemelha de Deus e é -no dizer de Marañón- tal vez a fonte mais pura e elevada da humana felicidade.

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