GLADIADOR
(Gladiator) Diretor: Ridley Scott. Russell Crowe, Joaquin Phenix. Richard Harris. 154 min. USA 2000.
Os líderes que nos chegavam fantasiados de heróis épicos tinham na força física, e na coragem, seus principais atributos. Quando vinham vestidos de soldados Romanos, ou de cavaleiros medievais, ou mesmo de guerreiros bárbaros ou corsários, o comando do líder era inseparável da valentia, da habilidade no combate, e até do desprezo pela própria vida, aliado ao amor incondicional pela dama dos seus pensamentos.
Os tempos mudam e com eles as necessidades das pessoas, a sensibilidade da sociedade. Hoje, o carisma do líder, para se firmar como tal, requer novas habilidades que possam despertar nos seus seguidores atitudes acordes com o mundo globalizado, inquieto e impaciente que nos cerca. A reflexão é talvez uma das características mais necessárias no líder moderno. Reflexão no próprio terreno, capacidade de decisão, clareza de objetivos; e, como consequência, o poder de provocar a reflexão naqueles que lidera.
Gladiador nos apresenta um modelo moderno de liderança, e por isso é um filme que conquista a plateia, diverte, e faz pensar. Entre o luxo das imagens, e os cativantes momentos de ação, estão plantados, a modo de estratégicas lombadas, pensamentos densos que obrigam a parar, refletir. São momentos de diálogo que enriquecem o conteúdo das cenas, e que com incrível facilidade são transportadas para a vida real, do dia a dia do espectador. O reconhecimento dos próprios erros, em quem tem a responsabilidade de formar, é o maior recado do imperador Marcus Aurelius, “Tuas faltas como filho são meus defeitos como pai”. Um verdadeiro cruzado de esquerda para quem tem voz de comando e capacidade de decisão. “Eu era o melhor, não porque lutava bem, mas porque o povo me adorava. Ganhe a multidão, e ganhará sua liberdade”. Existe melhor conselho para quem quer exercer uma liderança moderna?
Muitas das reflexões que em mim afloram quando vejo Gladiador, são pautadas pelos comentários de um colega de profissão, outrora aluno, hoje colaborador e diretor de projetos educacionais orientados, justamente, para a construção de lideranças. A sua insistência na importância do trabalho em equipe, a sua quase obstinação para mantermos a unidade da equipe em momentos difíceis, costumavam ser coroadas pela frase do Gladiador. Na arena, um conjunto de gladiadores esperando a surpresa fatal a emergir contra eles. Bastam dois minutos para fazer daqueles homens que lutam individualmente pela sua sobrevivência, um time unido, armado, um verdadeiro exército. O líder pergunta se alguém lutou do seu lado nas milícias romanas. Alguém responde afirmativamente. Daí surge a inspiração e o conselho definitivo: “Não sei o que sairá por esses portões, mas seja o que for, se nos mantemos unidos, sobreviveremos. Mantenhamo-nos unidos, e sobreviveremos.”.
Essa é a função do líder: manter a unidade, levantar a bandeira, colocar o ideal visível a todos, em todo momento. Quando o ideal prevalece, torna-se luz que ilumina e dissipa as desavenças normais, os atritos, que são comuns, de ordinária administração. Um líder não pode perder tempo envolvendo-se em disputas de fundo de quintal, em questões que são café pequeno. Assim, mantendo a unidade, consegue que todos –porque todos são igualmente importantes- deem vida ao ideal, construam esse grande nome que será a melhor defesa contra as adversidades e ataques, que sempre chegam. “Tens um grande nome. Terá de matar o teu nome antes de te matar”- diz o colega ao protagonista Gladiador. O nome, o ideal é maior do que o indivíduo e por isso puxa como guindaste os que nele se envolvem, até alturas jamais sonhadas.
As lembranças de Gladiador evocam sempre a atitude, contundente, do amigo e colega que punha fim às diferenças, invocando a unidade, para enfrentar o desconhecido, o que quer fosse sair pelos portões. Foram – e continuam sendo- anos de construção, de incompreensões, de dificuldades, superadas com boa vontade, com trabalho, com brilho nos olhos. Anos também de muitas alegrias, de conquistas, de sonhos que decantaram em realidades magníficas. Mas, sobretudo, foram –e certamente o são, agora em plenitude- tempos em que a liderança sábia soube colocar a unidade como principal objetivo. “Não tenho já argumentos nem razões para pedir esse esforço. Apenas posso dizer que se estivermos juntos venceremos”. Um tributo, necessário, que se mistura com os fotogramas do filme, a uma liderança moderna, a um gladiador do século XXI.