O ÚLTIMO SAMURAI: LIDERANÇA, HONRA E SERVIÇO

Pablo González BlascoFilmes Leave a Comment

(The Last Samurai) Diretor: Edward Zwick.Tom Cruise, Ken Watanabe, Billy Connolly, Tony Goldwyn, Masato Harada, Masashi Odate. 154min. 2003.

O diretor Edward Zwick, que fizera Tempos de Glória, continua seduzido pelo sentimento do dever, temperado com lealdade e coragem, e nos transporta até o Japão, aquela terra que é feita de homens que sabem o que vale a sua honra. E até lá leva o capitão Nathan Algren, que também vestiu o uniforme azul da União, dos Ianques. Apresentado como herói é, na verdade, um fracassado, um bêbado. O Japão sofre um processo de modernização e os Samurais, criaturas medievais cujo único motivo de viver é servir ao Imperador –isso significa Samurai, servir- além de tornarem-se obsoletos são um obstáculo conservador que emperra as tentativas de importar armamentos modernos e tecnologia americana. Por essas ironias do destino, Nathan Algren –um Tom Cruise maduro- que deveria treinar o exército imperial para combater os Samurais, acaba trocando de bando e, se metamorfoseia num autêntico Samurai.

            O aprendizado não é fácil. Desconhece as artes bélicas dos Samurais, e, mais do que isso, não pensa como tal, ou melhor, pensa por demais no que não interessa. “Você tem muitas coisas na mente. Esvazie a mente. Do contrário nunca aprenderá a lutar”. Sábio conselho que serve para progredir na arte de combate dos Samurais e na vida mesma: querer fazer algo, pensando no que se deixou de fazer, ou no que terá de ser feito depois, é garantia de fracasso. Uma coisa por vez, uma coisa após a outra; e, como bem sintetizou um sábio pensador, aprender a fazer o que se deve, estando –de fato, cabeça e coração- naquilo que se está fazendo nesse momento. Conselho fácil de pronunciar que se converte em verdadeiro programa de vida na hora de colocá-lo em prática.

            Com o objetivo em mente, tendo descoberto a virtude que extravasa pelos poros daqueles guerreiros, singelas, nobres, que fazem da sua vida um serviço e encontram na honra a sua recompensa, o americano persevera no aprendizado. Sim, quer ser um deles, quer redimir-se, encontrar a honra perdida. Embaixo da chuva sofre os golpes, uma vez e outra, de um Samurai habilidoso. Cai, bate de boca no chão, sangra, mas não desiste. Enquanto tem forças para empunhar a madeira que lhe serve de arma, se levanta e insiste, com teimosia, irritando os próprios Samurais que observam a obstinação quase irracional. Falta-lhe a perícia no combate, mas na alma Nathan Algren é já um Samurai: sabe o que quer, optou por gastar sua vida nessa nova causa.

            O exército imperial se aproxima. Conta com armas modernas, novas, imbatíveis, diante das quais as espadas dos Samurais são brinquedos de criança. Katsumoto, o chefe dos Samurais, oferece a Nathan a possibilidade de desistir, de passar-se ao inimigo. “Não irei, ficarei com você até o final. Não posso deixar o que aprendi a amar”. Ai está o maior benefício que o americano fracassado encontrou na sua nova família: aprender a amar o que faz. E, convenhamos, não é pouco. Quanto avançaria a educação –e os ideais- se as pessoas aprendessem a amar o que fazem; não apenas adquirir habilidades, ganhar experiência –a arte marcial dos Samurais, por falar em metáfora- mas a vida que estão vivendo. O aprendizado de Nathan não se resume nas artes guerreiras, mas no estilo de vida que aprendeu a amar. O diálogo íntimo entre os dois amigos, antes da batalha final é comovente. Katsumoto, prevendo a derrota e o final dos Samurais, ameaça desistir da vida. Considera-se um fracassado, não conseguiu conquistar a confiança do Imperador que optou por uma modernidade que colocará em risco as raízes de um povo. Não manteve a tradição e sua vida perde sentido. Tem vergonha de si mesmo. Nathan intervém: “Vergonha do que? De uma vida de serviço? Não existe melhor modo de viver nem de morrer”. O americano aprendeu a lição e devolve ao amigo o sentido da sua vida, que agora é de ambos.

            A batalha final é o momento alto do filme. Os Samurais acometem com valentia contra o exército que chega com o objetivo único de acabar com eles. São um furação que arrasa as linhas inimigas que, imediatamente recorrem às metralhadoras de repetição. Uma tempestade de balas é vomitada sobre os cavaleiros que caem, sem deixar em nenhum momento de empunhar a espada, de dar até a última gota de sangue. A atitude dos Samurais que não recuam, que gastam a vida até o fim em busca do ideal que lhes anima –o combustível que lhes faz viver- consegue silenciar as metralhadoras e prostrar no chão, os inimigos. De joelhos, rendem homenagem, ao herói que, mesmo morto, é o verdadeiro líder. Um tributo belíssimo no epílogo de uma cena única de liderança.

            Lembrando esse momento, e contemplando na mente a cena tantas vezes vista e comentada, acodem à memória as vivências, momentos especiais. Várias vezes, ao acabar uma conferência onde essa cena foi projetada, algum aluno chegou perto e me disse com lágrimas nos olhos: “Professor, eu quero ser um Samurai”. E não foram dois ou três, mas muitos, em momentos diferentes, de culturas e profissões distintas, os que sentiram o apelo para uma liderança que implicaria em gastar a vida servindo.

            O Último Samurai estreou no início de 2004, coincidindo com o falecimento de Mário, um amigo muito querido, que sendo 40 anos mais velho, muito me ensinou da vida e da morte. O seu exemplo silencioso, alegre, decidido. O estar focado no que realmente importa –sem outras coisas na mente, como no treino do americano aprendiz de Samurai- constituiu para mim um aprendizado constante que se gravou na minha alma. Não tenho como dissociar a figura do Mário dos Samurais pois se juntam no meu coração em momento especial. E assim escrevi numa breve memória que encaminhei a sua família, algum tempo depois. Não encontro melhores palavras para reproduzir aqueles sentimentos, do que copiar da Memória do Mário, alguns parágrafos.

            ‘Meu amigo Mário: assisti “O último Samurai”. Filme bonito, visual impecável, atitudes de velhos guerreiros que sabiam o que era o honra, a coragem, a fidelidade. Mas senti-me incomodado. Como sempre, escrevo sem ler o que escrevo, de bate pronto, com o coração. E nas palavras vão se tornando claras as intenções. A sensação de incômodo foi tomando forma, explicitando-se. Algo agitava o meu coração e a minha mente, e me incomodava ontem, durante o filme.

Belíssimo, um canto à honra, ao valor, às tradições, a quem somos e que queremos, ao cumprimento do dever-Missão, ao amor puro, incondicional, à amizade, ao respeito ao inimigo, à grandeza do ser humano. Valores estes que, pela sua ausência, são apresentados quase como se tratando de peças de museu  -algo que houve, que foi bom, que não existe mais- e que ajuda como vaselina no espírito atribulado pelo consumismo, pela falsidade, pela ausência de compromisso que pauta o dia-a-dia do ser humano no século XXI. Acho que é isso o que me incomoda: mostrar tudo isso como valores que um dia tiveram sentido, com os quais é bom sonhar -no cinema, comendo pipoca e tomando Coke, no conforto do Cinemark- mas que no dia a dia….Ai já é outra questão.

Valores de museu, apresentados como fabulosos, mas anacrônicos, pois saindo do Shopping Center, não há dúvida que a tecnologia é o que manda, dá as cartas. Incomoda-me usar o cinema como “conselheiro de momentos difíceis, como psicoterapia barata, 12 reais ou 6 se for estudante, umas lágrimas, foi tudo lindo”. E na prática, nenhuma mudança. Melhor ficar atrás das armas tecnológicas para tocar a vida com certa segurança, inseridos no contexto, sem criar-se problemas a mais.  Afinal, é mesmo loucura arremeter com duas dúzias de cavalos, contra metralhadoras modernas. Para que? Isso é o que me incomoda: o Romantismo de algo que já foi, o Idealismo não prático, que não muda a vida, somente a tempera no final da tarde com pipoca e refrigerante, mas não muda a atitude.

Os samurais -os que servem- que o mundo precisa hoje são os que encarnam todos esses valores, e os colocam como lubrificante das tecnologias modernas, e mostram competência. São hábeis, expertos, atentos, precisos, sem deixar de ser heroicos. O heroico é ser Samurai na Avenida Paulista, nas lideranças de primeira linha em São Paulo, na iniciativa privada, na Academia….não numa época que foi boa, mas passou. Quem é capaz de fazer isso? É disso que precisamos.

            Isso me fez pensar, me faz pensar. Terei pano para manga. Idealismo prático: Samurai, mas sobrevivendo com todos os recursos, e não permitindo -NUNCA!!!!- que usem o nosso nome, nossos valores, nossa honra para acalmar e suavizar um espírito que desconhece o compromisso, que pactua com a mediocridade. Não somos peças de museu. Somos reais. E não somos os últimos, mas os primeiros de uma geração. De outro modo, teríamos de dar razão a Sartre e a vida como paixão inútil. Prefiro citar o Papa João Paulo II, na “Carta aos Artistas”, quando diz citando Dostoievski que “A beleza salvará o mundo”, uma beleza “que serve para dar  entusiasmo ao trabalho”. Um filme que é perfeito se leva a mudar a vida, diária, ao compromisso e não apenas aos sonhos e às saudades de uma  época que passou. Um entendimento necessário de um chamado que é para nós, para cada um.

            O quanto estamos -estou- longe de tudo isso é o que me incomoda com laivos de humilhação, com sabor de frustração, espicaçando a alma para que não se acomode. Não é o filme -excelente- o que incomoda, mas o compromisso que nessa última cena vem aderido ao celuloide. Uma atitude que deve ser conquistada no dia a dia. Não é fácil ser Samurai nos inícios do s. XXI. Mas talvez não haja outro caminho. Servir!!!! Obrigado pela compreensão e pelo carinho’.

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