Jonathan Littell: “As Benevolentes”.
Jonathan Littell: “As Benevolentes”.Alfaguara. Objetiva. Rio de Janeiro. 2006.
Memórias de Maxiliam Aue, oficial da SS, narradas pelo autor que é judeu. Ele mesmo declara que teria sido incapaz de descrever os horrores atribuídos aos nazistas desde uma perspectiva neutra; era necessário colocar-se no papel do carrasco, e assim o faz.
Os dados são abundantes e fruto de uma longa pesquisa do autor. As personagens –provavelmente muitas delas- são reais. O cerco de Stalingrado, as matanças de bolcheviques e alemães, os campos de concentração com a eliminação de milhões de judeus, o bombardeio de Berlim são narrados de modo exaustivo, sem poupar dados, nomes, números.
O protagonista é um homem culto, educado na França, que está identificado com o ideal do nacional socialismo. E chama a atenção, como um homem com essa cultura, e que alberga sentimentos para com o próximo, tem uma vida pessoal completamente desequilibrada. O comedimento que apresenta diante dos excessos contínuos de violência dos seus colegas, é apenas um modo de resguardar-se. Os impulsos –e ações- homossexuais, os desejos reiterados de incesto, o desequilíbrio emotivo que lhe faz sofrer contrastam com o perfil de um homem educado, de ampla cultura. As descrições de mau gosto –incluídos os sonhos patéticos do protagonista- não são poupadas ao longo das quase 900 páginas.
A grande dúvida paira no final do livro. Será o protagonista um reflexo do autor? Quer dizer: será que o autor, que declara ter se colocado na pele do carrasco, o encarnou com tamanha perfeição por que, no fundo, identifica-se com ele, com suas tendências e desordens? Ou, pelo contrário: será um desejo de vingança racial tão grande que é capaz de construir um romance onde aqueles que parecem ser os melhores –por fora- eram também absolutamente podres por dentro?
São 900 páginas de leitura incômoda, com abundância de dados, e onde mesmo nos momentos em que parece brilhar uma esperança de retificação, o protagonista –preso pelo destino que ele mesmo quer construir- consegue abortá-la uma vez e outra. A leitura desta obra suporia uma experiência psicológica notável –sem atingir os clássicos, Crime e Castigo, Ana Karenina- não fossem as descrições de mau gosto, de moralidade mais do que duvidosa. Mas se estas faltassem, o protagonista não seria quem de fato é, e provavelmente o autor também não. Ter comparado Littell a Tolstoi parece-me apenas um golpe editorial, apesar do prêmio máximo que o romance obteve na França em 2006.