Educar as emoções
Educar com o Cinema é tema que me tem acompanhado nos últimos anos. Tive ocasião de escrever artigos, publicar livros, dar conferências em congressos internacionais, apresentar-me em programas de TV. E, em quase todos os cenários, a pergunta que surge é similar: “Você não é médico? E isto do cinema, como se encaixa na sua vida?”. A pergunta procede e, até tal ponto, que mesmo quando não a fazem eu mesmo a coloco e respondo. Afinal, é necessário justificar o tempo que se dedica a um trabalho que já ultrapassou de longe as proporções de um simples hobby.Dizer que os médicos de hoje estão munidos de excelente preparação técnica, não é novidade. Como, infelizmente, também não o é afirmar que carecem, na maioria, da sensibilidade suficiente para lidar com o ser humano doente, que sofre e se confia aos seus cuidados. Fala-se em humanizar a medicina, quando na verdade o que se gostaria é de injetar doses de humanidade nos médicos para ver se o paciente consegue, de algum modo, se fazer entender pelo profissional que está destinado a cuidá-lo e, muito absorvido pela técnica moderna –e necessária- parece esquecer o paciente, ocupando-se apenas com a doença. Para um professor de medicina –como é o meu caso- trazer o médico de volta ao que realmente importa, o paciente, é um desafio diário e uma necessidade na formação dos jovens profissionais. E os que levamos algumas horas de vôo nesta empreitada formativa sabemos que não é tarefa fácil lembrar aquilo que é óbvio …..e que se esquece: a pessoa que sofre. Recursos assim chamados “humanizantes” não passam de remédios paliativos, que têm tanto de superficial como de ineficaz. Cursos de ética, aulas de psicologia e de relacionamento, grupos de estudo, não conseguem a pesar da imensa boa vontade dos organizadores, o seu objetivo. E o divórcio entre o médico que se diverte com a técnica, e o paciente que caminha em desamparo com a sua moléstia continua.O Cinema tem se mostrado um recurso eficaz para promover a reflexão, para fazer as pessoas pensar. Estudantes e médicos, profissionais da saúde, são convidados através desta metodologia a refletir sobre as suas atitudes. E o resultado é que a reflexão surge como o verdadeiro núcleo do processo humanizante. De modo talvez excessivamente simples, pode se dizer que humanizar é, em primeiro lugar, lembrar ao médico que ele, médico, é um ser humano, e que o paciente também o é. Algo evidente embora esquecido com muita freqüência. E a reflexão traz isto à tona com vigor. Se o cinema nos ajuda a pensar e a refletir sobre as coisas essenciais da vida, converte-se em recurso educacional de valor para formar pessoas e, naturalmente, para melhorar a formação dos médicos. Aqui está a resposta à pergunta que costuma inaugurar os vários cenários educacionais aos quais sou convocado.Mas isto que funciona para os médicos, não funcionaria para qualquer pessoa? Evidentemente que sim. Daí que o que se iniciou como uma necessidade docente específica –trazer os estudantes de medicina para o lado humano do enfermo- amplia suas possibilidades educacionais com enorme espectro. A razão é simples: O universo da afetividade – sentimentos, emoções e paixões – vêm assumindo um crescente papel de protagonista no mundo da educação. As emoções do aluno não podem ser ignoradas neste processo. Cabe ao educador contemplá-las e utilizá-las como verdadeira porta de entrada para compreender o universo do estudante. Formar o ser humano requer educar sua afetividade, trabalhar com as emoções. Como fazer isto de modo ágil, moderno, compreensível, eficaz? O Cinema mostra-se particularmente útil na educação afetiva, por sintonizar com o universo do estudante onde impera uma cultura da emoção e da imagem. Educar as atitudes supõe mais do que oferecer conceitos teóricos ou simples treinos; implica promover a reflexão que facilita a descoberta de si mesmo, e permite extrair do núcleo íntimo do ser humano um compromisso por melhorar. Professores, estudantes, líderes empresariais, educadores familiares agentes sociais, recursos humanos e todos os que têm a gestão de pessoas como objetivo profissional encontrarão no meu mais recente livro “A Educação da Afetividade através do Cinema” uma metodologia simples, acessível e divertida para aperfeiçoar seu desempenho. Onde há pessoas querendo melhorar e alguém querendo educar o cinema tem vez.A abordagem pedagógica clássica costuma dividir os objetivos educacionais em três grandes categorias: assim os cognitivos, os psicodinâmicos e os afetivos, implicando respectivamente a aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades e a educação da afetividade. Enquanto os dois primeiros são de fácil avaliação ou, pelo menos, passíveis de uma avaliação objetiva –através de provas, testes e desempenho de aptidões- avaliar a qualidade da educação afetiva é tema que entranha muito maior complexidade. Não há como medir com “objetividade” o crescimento ou a correta orientação da dinâmica afetiva do educando; e como sempre acontece com aquilo que é difícil medir, corre o risco de ser esquecido, ou colocado no âmbito da pura arbitrariedade. Em outras palavras: cada educador avalia a educação afetiva como quer, ou como pode, ou simplesmente deixa fazê-lo. Isto significa que, na prática, muitas vezes nem é levada em consideração ao estabelecer os objetivos educacionais. Pretender uma avaliação objetiva –análoga á praticada com os conhecimentos técnicos de física ou de história e geografia, por colocar um exemplo- é desconhecer a natureza do fenômeno, querer juntar litros com metros, ou medir o amor por quilogramas. A dificuldade na medida, na avaliação, é porque talvez não se trate tanto de medir como de fomentar e promover a afetividade.