À Procura da Felicidade: os sonhos que nos fazem viver sem medo
Desta vez foi um amigo, educador com experiência e muitas horas de vôo, quem deu a sugestão. “Assisti com os alunos um filme ótimo, pensei em você. Não sei, escreva algo assim como… sem medo de ser feliz. Estamos precisando, meu caro, e muito. A juventude anda travada”. Arquivei o email, passei para o próximo e pensei: estamos ficando velhos. O meu amigo e eu. Esses diagnósticos sobre a juventude é filme que já vi antes. Mas, de repente, parei. Voltei ao email na pasta de pendentes, e reli o comentário. Na verdade, dizer que a juventude anda mal, não é novidade, é papo de velho, sim. Mas o sinal está trocado. Os velhos criticam a falta de prudência da juventude, avoada, inconsciente, rebelde sem causa, desde os tempos do saudoso James Dean. Mas travada –com medo- é algo novo. São os velhos os que colocam limite aos desvarios da juventude, em versão LSD, Maio 68, seja lá o que for. Agora parece que a juventude é quem nasce com limites, vem travada de fábrica, e cabe aos mais experientes empurrá-los. O mundo às avessas. Um fenômeno que merece reflexão. Will Smith é Chris Gardner, um “self-made-man”, que acumula derrotas e insucessos, mas faz questão de não se conformar, e acaba triunfando. Os tropeços são para Gardner alavanca para novos empreendimentos. Diante de um degrau, muitos tropeçam, caem, e choram. Alguns, os inconformistas, sobem no degrau e visualizam o mundo com outra perspectiva. Não tem medo de ser felizes; vão atrás da felicidade, em verdadeira procura, perseguem-na sem trégua, como aponta o sugestivo título original em inglês. Talvez seja isto o que o meu amigo sugeria: estar travado é não perseguir a felicidade. É conformar-se com o que vem em monótona passividade. Ou, talvez é procurar ser feliz pelos caminhos errados, quer dizer, contentar-se com uma caricatura de felicidade que, naturalmente, desbota com o tempo. O que seja a felicidade é assunto intrincado, filosófico, e certamente não é o que o filme se propõe. Mas é bom saber de que vai o tema, pois não adianta correr atrás de algo que se desconhece. Neste mundo globalizado a comunicação é quase instantânea, e a rapidez de movimentos atingiu níveis nunca antes vistos. Mas não basta correr se o caminho não leva ao objetivo previsto. Já dizia Agostinho: “Bene curris, sed extra viam”. Quer dizer, corres bem, com uma Ferrari talvez, mas fora do caminho. Penso que o conselho do nosso sábio aplica-se perfeitamente aos nossos cibernavegadores globalizados do século XXI.
Emprestar dos pensadores alguns conceitos sobre a felicidade pode ajudar a visualizar qual seja a estrada onde podemos colocar nossa Ferrari. O professor Leclerqc, de Lovaina, escreve: “O fato de que um homem procure ser feliz, sem outro ideal, nada tem de nobre. Quando o homem põe o seu fim em si mesmo, permanece limitado a si mesmo e, ele mesmo, pouco representa. A sua grandeza provém de ser capaz de se deixar absorver por um fim que o ultrapasse”. Pieper, o pensador alemão, acrescenta: “o que faz feliz um homem é algo que está fora da sua alma, e o homem é feito de tal maneira que necessita permanentemente algo que não seja ele mesmo”. O recado está dado: felicidade vai muito além do próprio umbigo –do piercing no umbigo, me atreveria a dizer- e abre-se para algo que não dominamos, mas que nos envolve. Felicidade implica querer arriscar, embarcar-se numa empreitada que nos transforme e nos leve até horizontes que nos fazem crescer. Abrir-se a novos ideais, complicar-se a vida, envolver-se com os que nos rodeiam, pois fazem parte da construção da felicidade. De modo plástico, V.Frankl –que pensava estas coisas enquanto estava preso em Auschwitz, local não dos mais propensos para a filosofia cômoda- apontava que a felicidade se consegue não por intenção direta, mas por tabela. É como uma recompensa que se recebe,quando se encontra o verdadeiro sentido da vida, quando se tem a certeza de que estamos sendo úteis para algo. E, para melhor esclarecer, lembrava o que Kierkeegard comenta deste tema que nos ocupa: “A felicidade é como uma porta que se abre para fora. E querer trazê-la para si, acaba fechando-a ainda mais”. Perseguir a felicidade supõe, pois, iniciativa e capacidade de sonhar. A felicidade não é bilhete de loteria que a gente compra –em prestações, quatro vezes no cartão como quase tudo hoje em dia- e espera que venha o bingo da sorte. É algo que deve ser construído, com esforço e com fôlego de atleta que gera sonhos sem pausa. Quem para de sonhar, já capitulou. Vai ver que esse é o breque de mão puxado, de fábrica, com que nos é entregue hoje o produto homo sapiens. Incapacidade de sonhar. Ou incapacidade de comunicar os sonhos, partilhá-los, dividi-los, e acreditar nos sonhos dos outros.Não posso –nem quero- evitar a associação de idéias que necessariamente estão perpassadas da atividade profissional que me ocupa como médico e professor. A cidade de São Paulo oferece hoje um belo edifício de 24 andares que se dedica a investigar o sono. Instituto do Sono, assim se chama. Louvável iniciativa, colaboração inquestionável para a ciência. E, para mim, um interrogante que –esse sim- tira o sono, o meu, sem nenhum motivo patológico. Se para elucidar os problemas que o sono envolve precisamos de 24 andares de pesquisa, vai ver que necessitamos pelo menos outro prédio de 50 andares para pesquisar os problemas da vigília, dos que nos cercam quando estamos bem acordados. Uma espécie de Instituto da Vigília, ao qual haveria que dedicar pelo menos 10 andares –se não mais- à patologia…… dos sonhos. Á incapacidade de sonhar que, essa sim, nos paralisa. Falta agora encontrar quem poderia financiar tamanho projeto. Quem sabe, alguém em Hollywood…..Will Smith – Chris Gardner, e uma fábrica de sonhos. Coloca o próprio filho –o do ator, Will Smith- para interpretar o filho do Gardner. E turbina o garoto com sonhos que lhe fazem sentir, no banheiro da estação de trem, como num hotel de cinco estrelas, com direito a tomar banho de pia. Um vencedor, ou melhor, um homem programado para vencer. O garoto responde, entra no jogo, permite-se sonhar, e retro-alimenta os sonhos do pai. Uma sintonia que dá faísca, arco voltaico, e prende fogo nos projetos, e cria vontade de viver. Mas Will-Gardner tem de enfrentar um ponto fraco. A mulher, que não sonha, e exige dividendos do que não existem. E o abandona, porque não acompanha os sonhos dele. Este é um ponto que merece uma reflexão a parte. Certa vez, comentando com um amigo –hoje pai de seis filhos, e já com netos- sobre a sintonia dos sonhos de um casal, e perguntando se seria o poder aquisitivo o que permite sonhar, deparei-me com a seguinte resposta. “Que nada. O problema vai muito além de dinheiro, meu caro. Tem mulheres que se o marido ganha 10, elas gastam 15. Daí o sujeito se expreme todo, e consegue ganhar 16. Um mês depois a mulher está assumindo dívidas no valor de 20. E se ainda não acordou, e procura um terceiro emprego para ganhar os 20, pode ter certeza de que a patroa gastará 22, tranquilamente. O problema não é o tamanho da conta corrente, mas a sintonia dos sonhos. Não o esqueça”. De fato não o esqueci, e ajudou-me a entender crises que se traduziam em dívidas, mas isso era apenas a ponta do iceberg de algo muito mais sério: escassez de comunicação, disparidade de sonhos. E pensei muitas vezes comigo mesmo, e algumas me atrevi a comentar com os amigos, se o casamento que é feito em comunhão de bens, ou não, o que pouco importa no final das contas, não teria de ser feito, sim, em comunhão de sonhos. E isso sim, é de importância capital. Mais uma lembrança-história golpeia a minha mente. Uma conferência que assisti faz quase 30 anos, na Escola Paulista de Medicina, do Professor John Billings, médico australiano mundialmente conhecido pelos seus estudos sobre fertilidade humana. Falava o cientista sobre a importância de se ter um projeto de família, e das possibilidades que o casal tinha de programar-se, em comum acordo, para acolher os filhos. No final, abriu-se um espaço para perguntas. Levantou-se uma jovem e com veemência, em português –dificilmente conseguiria exprimir o que se segue em Inglês- disse: “Professor, tudo isso é muito bonito. Mas numa sociedade machista como a de hoje, na prática é impossível de se realizar”. O Dr. Billings ouviu com atenção a tradução –que posso garantir foi fidedigna- sorriu, tirou importância á pergunta que, naquele momento tinha constrangido a mais de um assistente –também disso dou fé- e respondeu algo assim como : “Pode ser, pode ser, minha senhora. Mas deverá convir comigo que cada um deve saber com quem está casando, não?” É uma variação sobre o mesmo tema. A tal sintonia dos sonhos de que falávamos que atinge a conta corrente e, como não, o projeto de família e até o planejamento familiar. Se a interlocutora do Prof. Billings pudesse ler estar linhas –quem sabe, ela até as leia e fique brava comigo- diria que eu estou confirmando a sua teoria sobre a sociedade machista, falando desse jeito sobre as mulheres. Onde já se viu. Nada mais longe da minha intenção. Não é de mulheres ou de homens, que estamos falando, mas da sintonia necessária entre os dois. Haja vista que os muitos filmes que enfatizam justamente o contrário. Valha citar, entre outros, “Escritores da Liberdade”, onde a protagonista é um vulcão de sonhos e o marido é de uma mediocridade assustadora, incapaz de acompanhar por dez minutos o pique dela. Ou, “Lado a lado”, com uma Susan Sarandon morrendo de câncer e pilotando com classe incrível o lar, os filhos, o marido que está com outra, e treinando a outra –Julia Roberts- para que venha assumir a posição de titular assim que ela, Susan, faltar. E tudo isso, sorrindo, sem dar-se importância. Um monumento de mulher. Se for verdade que por trás de um grande homem, sempre há uma mulher fabulosa sustentando-o, vai ver que os nossos homens sem sonhos o são justamente porque as mulheres que tem do lado não conseguiram desentocá-los. Bem porque elas também carecem de ideais, bem porque os tendo o marido é mesmo jogo duro. De fato, fazer o que Will Smith – Chris Gardner, conseguir sobreviver e triunfar apesar da amputação de sonhos que a mulher padece, e carregar nessa viagem o filho, alimentando-o também de sonhos na falta de alimentos, é a exceção. Poucos conseguiram essa façanha e, com sinceridade, não a desejo a ninguém. De qualquer forma, para um lado ou outro, é bom escolher com sabedoria –como dizia o Professor Billings- a pessoa com quem se pretende dividir esses sonhos. Seja como for, sejam muitos ou poucos os sonhos, tornam-se necessários para viver. Triste de quem é feliz –diz Fernando Pessoa- e vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz, mas que a lição de raiz: ter por vida a sepultura. Quem carece de sonhos é um morto vivo. Mesmo com direito a aposentadoria e colônia de férias. E os sonhos vivem-se em sintonia, em comunhão, que é mais importante do que a tal comunhão de bens. O pensador francês Gustave Thibon encontra umas palavras belíssimas para exprimir o que aqui vai sublinhado, e nos aponta uma luz no fundo do túnel: “Seremos felizes se descobrimos que esse ser impotente para saciar nossa sede (refere-se ao marido ou a esposa), sofre ele também nossa mesma sede. É deste modo como conseguimos associar nossas duas misérias numa única prece. Essa é a única possibilidade de sobrevivência do amor humano. Não se trata de encontrar Deus no outro, mas de buscá-lo juntos. A pobreza reconhecida e aceita nos conduz à verdadeira riqueza; mas emitir moeda falsa somente nos levará até a ruína.” A união faz a força, e a comunhão dos sonhos, alavanca a procura de felicidade, e nos imuniza definitivamente do medo. Ai começa uma vida emocionante, sem medo de ser feliz.(The Pursuit of Happines) Director: Gabriele Muccino. Guión: Steven Conrad. Intérpretes: Will Smith, Thandie Newton, Jaden Christopher Syre Smith, Brian Howe, James Karen. 117 min.
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este filme é muito bom pois fala do amor e a perseverança das pessoas para não deixar que o medo estrapalha os seus sonhos e sua perspectiva de uma vida melhor…