Muriel Barbery: “A elegância do Ouriço”. Companhia das Letras. São Paulo. 2008. 350 pgs.
Um mano a mano entre duas personagens singulares. De um lado a zeladora de um prédio de luxo em Paris, mulher de profunda cultura, que esconde sua esmerada educação intelectual atrás de um emprego prosaico. Ela é a portadora da verdadeira elegância do ouriço, espinhoso e rude por fora, delicado interiormente. Do outro lado encontramos uma adolescente de 13 anos, moradora do prédio, e filha de uma família de posses. Subtil, reflexiva, alia a simplicidade própria das crianças, com uma cultura notável. O resultado é um encantador romance filosófico, leve na forma, atrativo, original. Mas a leveza da leitura serve para facilitar os recados profundos, verdadeiras cargas de profundidade, que detonam – no sentido estrito da palavra, explodem!- uma sociedade superficial, acomodada nas formas, governada por uma frivolidade estarrecedora, mesmo que trate de fantasiar-se com ares intelectuais. Um belíssimo e oportuno recado para os tempos que vivemos, saturados de modismos e grifes, de analfabetismo esnobe, com carência absoluta de conteúdo. O livro é um verdadeiro descanso que promove a reflexão, cria esperança e nos arrebata da mediocridade reinante. E tudo escrito de modo elegante, numa tradução bem feita do original francês. Valem dois exemplos textuais, nas palavras da zeladora filósofa:
– O que é uma aristocrata? É uma mulher a quem a vulgaridade não atinge, embora esteja cercado por esta.
– Para que serve a Arte? Para nos dar a breve mas fulgurante ilusão da camélia, abrindo no tempo uma brecha emocional que parece irredutível à lógica animal. Como nasce a Arte? Nasce da capacidade que tem o espírito de esculpir o campo sensorial. Que faz a Arte por nós? Ela da forma e torna visíveis nossas emoções, e, ao fazê-lo, apõe o selo de eternidade presente em todas as obras que, por uma forma particular, sabem encarnar a universalidade dos afetos humanos.