Donald Finkel: “Dar clase con la boca cerrada”
Donald Finkel: “Dar clase con la boca cerrada” (Teaching with Your Mouth Shut). Servicio de Publicaciones de la Universidad de Valencia. Valencia (2008). 292 págs.
(Obra original em Inglês, tem uma boa tradução ao espanhol, que foi a versão consultada)
Não é mais um livro sobre metodologia de ensino, e novas técnicas docentes, essa variante de livros que se poderiam qualificar de “autoajuda profissional”, no caso, para os profissionais da educação. Ensinar é fomentar o aprendizado; é estimular e facilitar os estudantes para que se comprometam com um processo construtivo do qual eles são os verdadeiros protagonistas. E neste sentido, mais do que um livro para professores é um livro para que o professor entenda o papel do estudante no processo educativo, o que significa, em consequência, reduzir seu papel de professor a um discreto lugar de coadjuvante. Como o autor adverte no prefácio, esta obra é para qualquer um que tenha interesse na educação, mas não é um manual para professores; sua intenção é produzir uma reflexão acerca das variadas maneiras com que é possível ensinar, uma conversa entre os leitores que tenham algo a dizer sobre educação.
O presente livro não advoga por um método educativo como superior ao outro, mas sugere que tudo se deve combinar, de acordo com as circunstâncias e possibilidades. Aqui está talvez o melhor recado da obra: uma ocasião de refletir sobre os próprios métodos de ensino, e avaliar a possibilidade de incorporar novos elementos que enriqueçam a atividade docente. Dar aula com a boca fechada é um modo de dizer que o professor não vai realizar o trabalho que o estudante deve fazer por si mesmo. Há muitas maneiras de que os estudantes percebam que devem assumir por si mesmos o compromisso de aprender, com responsabilidade consciente.
Oferecemos a seguir um breve resumo das ideias principais dos diversos capítulos; resumo este que não dispensa em absoluto a leitura desta importante obra. Mais do que os conceitos, o importante é o processo e as reflexões que a leitura pausada provoca.
Capítulo 1- Dar aula com a boca fechada
Avaliar os estudantes é uma rotina habitual no mundo docente e reflete certo critério de aprendizado. Mas, quantos desses estudantes teriam sucesso numa avaliação sobre a mesma matéria aplicada daqui a cinco anos? É muito pedir, cinco anos, para um aprendizado relevante? E os grandes professores, qual é a sua principal característica? O entusiasmo pela matéria, a facilidade de palavra, as lições magistrais.
Com estas duas questões, o autor coloca a pergunta desconcertante: das experiências mais importantes que tivemos na nossa vida, bastam duas ou três, quais delas aconteceram na sala de aula, na presença de um grande professor? Se a resposta é negativa, parece que é possível aprender de por vida, por outros caminhos diferentes à docência brilhante. Se, pelo contrário, a resposta for afirmativa, devemos nos perguntar o que fez esse professor para provocar semelhante aprendizado. O que é claro é que ensinar é criar, de algum modo, circunstâncias que conduzem ao aprendizado relevante e duradouro.
Criar essas circunstâncias, favorecer experiências, amplia muito o espectro docente. Um professor que sabe escutar, com interesse, a conversa dos estudantes sobre, por exemplo, um livro, sem dizer nada –boca fechada- é também uma experiência docente impactante. A autoridade do professor preside o cenário, sem intervir diretamente.
Capítulo 2- Deixar que falem os livros.
Neste capítulo o autor fala longamente sobre o poder educativo das narrativas. Pergunta-se como uma parábola pode ensinar algo, através da história, do ensinamento oculto que deve ser desvendado e que provoca reflexão em quem escuta. A reflexão é o estopim para o aprendizado. E, quando alguém está presente, parece que essa reflexão se facilita. Esse alguém pode ser o professor, outros estudantes, os pares. Fica claro, pois, que o ensinamento não vem da história, da narrativa, mas do processo de reflexão e de confronto de opiniões, que resulta da postura ativa dos estudantes para resolver –ou não- o problema que a história coloca. E aqui vem mais um recado: há coisas que somente se aprendem quando é o interessado quem desvenda o dilema que se lhe coloca. A função do professor não é resolver o problema com soluções prontas, mas envolver-se de algum modo na discussão, participar com sua autoridade, promover a busca ativa de soluções por parte dos alunos. Dar classe com a boca fechada não é sinônimo de passividade, mas empregar-se em outro tipo de atividades que facilitam o aprendizado ativo dos alunos.
A seguir o autor faz uma demonstração de como é possível ensinar através dos grandes clássicos e utiliza, de modo extenso, A Ilíada como exemplo. O professor se envolve nas discussões, não para dar respostas –que não tem, esse deve ser seu espírito docente, uma busca socrática atrás da verdade- e sim para estabelecer conexões, contribuir com informações que sua cultura lhe permite, facilitar a discussão entre os alunos.
Como é possível ensinar com livros? Que livros? Cada professor terá de fazer sua própria lista. Deve confiar nos livros que conhece, e saber escolhê-los. Deve motivar os estudantes para que os leiam bem. Tem de saber tirar do livro todo o rendimento que lhe é possível.
Capítulo 3- Deixar que os estudantes falem
O autor aborda o método Socrático com profundidade, utilizando inclusive os diálogos de Platão, e propõe a indagação como método de aprendizado ao invés de apelar para as autoridades habituais na busca de respostas. As respostas é preciso busca-las, não perguntar por elas.
O cenário onde o processo de indagação melhor se encaixa são os seminários abertos, que o autor passa a descrever, descendo a detalhes organizativos, e advertindo aos professores que tem de estar prontos para lidar com o imprevisível. Descreve igualmente as funções de um professor durante um seminário: ajudar a manter o foco, colaborar com algumas perguntas úteis e sugestivas, manter a discussão em terreno produtivo e centrada no tema, colocar ordem nas intervenções, resumir a experiência acontecida.
Chama a atenção para o aprendizado duradouro que provoca exprimir em voz alta, e para os seus pares, as ideias que o estudante tem no seu interior e que tendem a diluir-se, salvo que sejam compartilhadas e ventiladas. A seguir o autor descreve outras possibilidades de interação entre os estudantes como grupos de estudos, grupos de escritura, e conversas informais fora da classe, mostrando que o aprendizado em sala de aula prolonga-se na vida. Este é um dos grandes resultados de dar aula com a boca fechada: os estudantes que protagonizaram o cenário docente levam para as suas vidas o aprendizado. O professor atuou como um facilitador.
Capítulo 4- Indaguemos juntos!
O grande promotor da educação é o interesse imediato que se consegue despertar no aluno. Não a longo prazo –algo que os educadores e formadores sempre intuímos, mas não conseguiremos transmitir- mas o interesse atual, para já Essa deve ser, em nossa opinião, a verdadeira base do estudo PBL. O problema desperta o interesse imediato. Se há interesse o aprendizado se abre a muitas possibilidades e novas fronteiras.
Criar o interesse requer ação de bastidores por parte do professor, preparar as perguntas e os problemas, organizar o próprio interesse que desemboca na indagação e no estudo. Estas ações são descritas com detalhe e através de exemplos neste capitulo.
Capítulo 5- A arte de escrever: uma variante da boca fechada.
O autor incorporou o costume de, ao invés de corrigir os ensaios e escritos dos alunos sobre o próprio papel, em vermelho, escrever uma carta pessoal que devolve anexa, junto com o escrito do aluno. Nesta carta destaca os pontos fortes (feedback positivo), aponta os erros, sugere melhoras. É um método que dá trabalho, mas os alunos sempre leem essas cartas, porque são pessoais, e seus escritos não são mutilados com tinta vermelha.
Certamente acode à mente à possibilidade de criar um fórum de discussão, com respostas por e-mail do professor. Mas já houve quem comentou que para ler algo atentamente tem de se imprimir. O que aparece na tela do computador goza de um sabor descartável, lê-se rapidamente, dificilmente se medita. Com as cartas é diferente. Sempre se podem guardar, escolher a ocasião para lê-las, e fazê-lo várias vezes.
Escrever implica também comunicação escrita através de artigos que o professor emite e pede para ler e estudar. Sempre escolhidos e poucos. A quantidade não é garantia de eficácia; costuma ser de dispersão. Devem se valorizar os artigos que se pedem para ler, e tirar deles todas suas potencialidades. Naturalmente o professor terá de lê-los também antes, não conformar-se com saber a temática, mesmo que ele seja o autor do artigo.
Ensinar a escrever é fomentar que façam perguntas no início do ensaio. Não há porque colocar uma tese que vai se defender. Talvez seja melhor –e mais realista- colocar uma pergunta cuja resposta vai se procurar ao longo da escrita, e isso acontece. Escrever clarifica as ideias, torna-as transparentes. Pensa-se sobre o papel, enquanto se escreve, mesmo não sendo consciente desse desdobramento reflexivo da escrita. Escrever com naturalidade, para comunicar-se, não para receber uma qualificação.
O autor recomenda criar uma comunidade de escritores, onde os alunos também se escrevam entre eles, se avaliem, e se corrijam. Um estilo que dará trabalho, mas parece ser eficaz em promover a aprendizado sustentável.
Capítulo 6- Experiências que ensinam: criar esquemas de aprendizado.
Ensinar é, na opinião do autor, proporcionar experiências que provoquem a reflexão. Neste capítulo se detém descrevendo como podem ser essas experiências.
Colocar em voz alta o problema, diante de um grupo, ajuda a tornar claras as ideias porque devem verbalizar-se. As perguntas surgem dos alunos, há troca de opiniões, mas o professor sempre deve ter na manga perguntas chaves que promovem a reflexão sobre o tema que pretende ensinar. Quer dizer: qualquer conteúdo programático implica ter perguntas bem alinhavadas para que os estudantes sintam interesse em indagar as respostas. Esse é um tempo extra que o professor tem de investir: formular perguntas que clarificam os conceitos que pretende ensinar.
Ao mesmo tempo, o professor serve como integrador dos conhecimentos que vão sendo ventilados na discussão em grupo. Tem de ser como o âncora do programa onde vários são entrevistados, e ele vai tecendo e ligando os conceitos que surgem. Essa atitude cria um entorno onde os estudantes conseguem adquirir um aprendizado duradouro.
Dedica também um espaço para descrever o que denomina oficinas conceituais, onde o trabalho do professor é preparar as folhas de trabalho – a modo de mapa da discussão, com perguntas adequadas e sugestões de indagação. Facilmente se deduz que o sucesso de um seminário também se baseia neste roteiro que, a modo de script, o professor escreve com antecedência. Quanto mais esforço coloque nessa preparação, mais espaço de atuação deixará aos alunos, e permanecerá com a boca fechada. Sairá do centro da aula, do papel de protagonista, para atuar como um coadjuvante eficaz.
Uma conclusão atrevida, mas possivelmente real, seria a de que aquele que fala demais nas aulas –narra ou, pior, lê diapositivos- é porque não dedicou nenhum tempo a prepará-las. Dar aula com a boca fechada implica quantidade de trabalho na preparação da mesma.
Capítulo 7- Negar-se a dar aula: separar poder de autoridade
Estar presente sem falar, é delegar o poder da aula para os estudantes, e conservar a autoridade da presença atenta e colaborativa, sempre que for necessário. O autor descreve interessantes exemplos de professores que trabalham os silêncios, esperam que os estudantes falem, e sabem pacientemente aguardar que os estudantes entendam que são, eles, os estudantes os que estão no comando da aula. Ele está lá, ouvindo, sorrindo, colaborando, mas num plano secundário. São exemplos gráficos de delegação de poder, mantendo a autoridade. Um professor que mantém silêncio, e fala somente quando é absolutamente necessário, confere a suas palavras um impacto enorme, mesmo que se mantenha nos bastidores.
Capítulo 8- Dar aula com um colega
Dedica-se este capitulo ao que se denomina ensino colegial. São dois professores dando aula, que devem ser iguais (gozam da mesma autoridade diante dos alunos), diferentes (tem pontos de vista diferentes e assim o exteriorizam nas aulas), são colegas intelectuais que se respeitam, indagam juntos na disciplina de modo a encontrar respostas para as perguntas que são colocadas, e pensam nos estudantes como colegas que podem somar-se às suas discussões que são o ponto de partida deste modelo de ensino.
O estudante não tem um papel passivo neste modelo, porque atua como auditor e, a todo o momento, é convidado a participar nas argumentações, não como estudante, mas como colega que pesquisa junto com os professores. O estudante, de algum modo, renuncia ao papel de estudante para situar-se como jovem colega dos professores. Os resultados deste modelo, que o autor descreve, é provocar nos estudantes uma nova reflexão sobre a sua vida como estudantes, e colocar-se questionamentos dos motivos pelos que estão cursando uma faculdade, ou são universitários. Chega-se assim, na opinião do autor, a dar um passo essencial no conhecimento próprio, nos valores e objetivos de cada um, que são a base de uma educação humanística liberal.
Capítulo 9- Conclusão: Promover experiência, provocar reflexão.
Capítulo que resume brilhantemente toda a tese do livro. As ideias e conceitos não se transmitem intelectualmente de modo permanente. É preciso que as pessoas façam suas descobertas, de modo a incorporá-las, agora sim, de maneira duradoura. Para tal, o núcleo da educação consiste em promover experiências, e provocar a reflexão sobre as mesmas. Não bastam as experiências por si só; requer-se reflexão para aprender. Assim, ler é uma experiência, mas por si só o aprendizado é muito limitado. No entanto, quando à leitura segue-se a reflexão –nas variantes descritas ao longo do livro- o aprendizado é muito maior, e sustentável. Igual acontece com o ato de escrever. E ao contrário, quando o professor da uma aula magistral pressupõe nos estudantes uma experiência que não possuem. Se existe uma experiência prévia que apoie a aula (por exemplo, discussão de casos), a aula será uma reflexão do professor em voz alta e, daí, terá maior eficácia.
De modo muito original o autor se pergunta se tudo isto que é sabido –afirma não ter descrito nenhuma novidade na sua obra- por que de fato não nos faz mudar no modo de ensinar? Pode ser que tudo isto seja, de novo, dar teorias de mudanças, ou talvez, até descortinar uma nova experiência docente, mas falta a reflexão sobre ela. Talvez a ansiedade, o muito trabalho, o ritmo quotidiano impedem a reflexão; mas é um caminho que não leva a parte alguma, não provoca mudanças nem melhoras. Todos se mantem no status quo, e ensinam como foram ensinados, sem inovar. E, por isso, o autor conclui o livro propondo uma oficina de discussão sobre a própria obra: de nada servirá ler este livro, afirma, se não se encontram outras pessoas com as quais discutir as ideias e refletir em conjunto. Para tal, o apêndice final, é uma verdadeira folha de trabalho com interessantes sugestões para uma oficina ou seminário conceitual sobre o livro.