Pablo Blanco Sarto : “Benedicto XVI. El Papa Alemán”
Pablo Blanco Sarto : “Benedicto XVI. El Papa Alemán”. Planeta Testimonio. Barcelona 2010. 600 ,pgs.
Comprei este livro há alguns meses, por considera-lo necessário, e o deixei na minha estante à espera que surgisse o momento oportuno. Os livros –como tantas outras manifestações de arte, como o vinho- têm o tempo adequado enfrenta-los. Essa ocasião deu-se umas semanas atrás quando se juntaram dois fatores: por um lado, pude dispor de alguns dias fora do meu trabalho habitual e, pelo outro, um encontro com o autor do livro com quem coincidi por alguns instantes, pois estava de passagem na cidade onde vivo. Nessa breve conversa, não pude evitar perguntar-lhe sobre o livro, além de pedir-lhe um autógrafo que generosamente estampou na primeira página. Resumiu assim a sua trajetória como biógrafo de Bento XVI: “Estava estudando teologia e comecei a me interessar pelos autores alemães. O meu orientador me disse um dia: Fica de olho em Ratzinger que ai tens um teólogo de mão cheia. Comecei a estudar e escrevi uma monografia no curso, uma espécie de tese, que era uma biografia de Ratzinger. Isso era em Outubro de 2004. Seis meses depois era eleito Papa e eu, sem procura-lo me vi no olho do furacão. Eu era a única pessoa que tinha escrito até esse momento uma biografia do novo Papa”. A tal biografia foi traduzida ao português (Pablo Blanco: Joseph Ratzinger. Uma biografia. Ed. Quadrante, São Paulo) e imagino que também para muitos outros idiomas. Mas o livro que nos ocupa, é fruto do trabalho posterior do autor, ao longo dos últimos cinco anos.
As 600 páginas desta extensa biografia podem ser divididas em três partes. A primeira é talvez a mais interessante por ser a menos conhecida. Recolhe os dados biográficos de Joseph Ratzinger, da sua família, e da extensa atividade como professor e como teólogo em diversas universidades alemãs (Frisinga, Munich, Bonn, Munster, Tubinga e Ratisbona). Os subsídios são muitos assim como a extensa bibliografia consultada: um verdadeiro trabalho de investigação. E as histórias variam do pitoresco até as espessuras de quem elabora uma teologia inovadora. Ratzinger dava previamente para a irmã as aulas que preparava para os seminaristas certificando-se assim da clareza da sua exposição. E se deslocava de bicicleta em Tubinga, enquanto o seu colega e amigo –depois opositor, por motivos conhecidos- Hans Kung o fazia em Alfa-Romeo. Aparece no jovem professor a incorporação dos teólogos franceses, a participação no Concílio Vaticano II como assessor do cardeal Frings de Colônia, e a Teologia como resposta do homem à Revelação; não é uma ciência estática, monolítica, congelada. Se João Paulo II tinha promovido uma mergulhada antropológica a partir da Cristianismo –somente Deus sabe o que há dentro do homem- Ratzinger primeiro, Bento XVI depois, reclamará agora deste homem uma resposta ao diálogo com Deus.
A segunda parte aborda as mudanças de trabalho. Primeiramente, quando é eleito arcebispo de Munich, e a seguir Cardeal; um período de quatro anos escassos, onde Ratzinger conseguiu “resistir” ao desejo de João Paulo II para leva-lo a Roma, o que aconteceu em 1982. Esta segunda parte continua com o novo trabalho, como Prefeito da Congregação para a Doutrina de Fé, cargo que ocupou durante 22 anos. Descrevem-se alguns fatos pouco conhecidos, como a atuação do Cardeal Ratzinger em Equador, em 1978, a pedido de João Paulo I, num Congresso Mariano para América Latina. Ratzinger lembra que a fé dos povos de Latino América tem uma origem mariana inquestionável, como se demonstra pela extensa devoção a Maria em todo o continente latino-americano. E faz questão de lembrar aos povos latinos a cultura da intuição e do coração na qual são versados, como contribuição peculiaríssima para a fé, estabelecendo o equilíbrio com o racionalismo europeu ou saxão.
A seção dedicada ao trabalho como Prefeito recolhe ações mais conhecidas do público –noticiadas no seu momento- mas relatam-se de modo sistemático, facilitando a compreensão. Não é um sacerdote que estudou Teologia numa Universidade. É um Teólogo de profissão que passa a desempenha um cargo de confiança do Papa: o guardião da fé. Tocam a quatro mãos. O Papa polonês viaja, e Ratzinger fica no escritório colocando a casa em ordem.
É talvez a parte mais densa do livro, pois se narram as atividades como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, onde junta sua ação pastoral auxiliando o Papa, com o seu conhecimento de professor de Teologia. Coloca a Teologia ao serviço da Igreja, e não como um ramo independente que gera conhecimento e novidades. Sabe escutar com paciência, até o final. Ouve as perguntas completamente. Elabora sínteses de várias proposições. É, de fato, um grande facilitador, possuidor de profundos recursos culturais –uma memória prodigiosa- e de densidade teológica e filosófica. Um verdadeiro professor.
Temos aqui um ótimo resumo da sua atuação como guardião da fé, como o braço direito de João Paulo II: se era algo que se podia intuir durante os 22 anos em que ocupou o cargo, com a leitura deste livro torna-se transparente o apoio e a ajuda importantíssima que o Cardeal Ratzinger foi para João Paulo II que, dito de passagem, já o tinha localizado, quase “fichado in pectoris” (com perdão da expressão) desde a época do Vaticano II.
Na terceira parte –lembro que esta divisão é minha, não do livro- se recolhe um belíssimo resumo destes seis anos de pontificado. Temas conhecidos, sabidos, mas expostos novamente de modo organizado, e com uma lógica narrativa que faz entender melhor as ações concretas de Bento XVI, o seu “programa de governo” que, mesmo afirmando não o ter ao ser eleito, vem se mostrando em caracteres peculiares.
É o Papa da razão, da beleza, da busca incondicional pela verdade. E tudo isto situado em Cristo: um papa Cristocêntrico, mesmo que afirma-lo possa parecer uma tautologia. Penso que Jesus de Nazaré e uma obra muito querida dele, que insiste em dizer que não á magistério papal, mas as opiniões de Joseph Ratzinger, sua própria vida interior, o descortinar da sua alma em oração. Uma obra que é um compromisso com Deus e com ele mesmo.
O livro é extenso, e os ensinamentos são muitos. É um livro para ler, e deixar por perto como recurso de consulta. Sem dúvida, pode se intuir que apesar da extensão, esta obra são apenas anotações de uma personalidade que terá repercussões históricas enormes, e como tal é preciso deixar passar o tempo para apreciar sua envergadura. Dentre os muitos ensinamentos, fiz questão de anotar um que me parece emblemático. Num dos capítulos onde se relata sua atividade docente, se aventura o conceito de paciência segundo o Professor Ratzinger: “Paciência é a forma quotidiana do amor”. È bonito comprovar como quem, em minha opinião, é hoje o maior intelectual do planeta, e que por natureza carece de interlocutores à sua altura, sabe valorizar o detalhe e o ritmo dos outros, para abrir-se de braços abertos ao diálogo multicultural e religioso.
Impossível deixar de pensar no juízo que as gerações futuras –por exemplo, daqui a 300 anos- farão dos que tivemos o privilégio de conviver com estes dois Papas: João Paulo II e Bento XVI. Perguntar-se-ão se tínhamos consciência histórica do que estava acontecendo. Certamente nos escapam a maioria das consequências, mas a leitura deste livro é um bom recurso para estar mais atento a este tempo único que estamos vivendo.
Comments 6
Bela análise , sem dúvida é um forte convite a ler este livro e entender melhor o grande intelectual
que é Bento XVI.
Obrigado pela dica.
Juan
Puxa vida, nem tinha me dado conta que já se vao 6 anos de pontificado!
De fato é um bom exercicio imaginar o que se pensará deste momento daqui ha 300 anos
abraços
Marco
Aguçados pelos comentário, podemos sentir algo da categoria desse protagonista único de nosso tempo. Digo “sentir algo” porque realmente minha sensibilidade não consegue captar toda a dimensão do poder de sua atuação, o impacto histórico-universal de suas declarações recheadas de inspirações práticas e concretas. Como o Pablo bem diz, somos afortunados de viver o período de dois Papados formidáveis. Ecumenicamente falando, nosso desafio é absorver todas essas “provocações amorosas” e transformá-las em práticas de uma vida mais fecunda.
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