Mariano Fazio: La América Ingenua.

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Mariano Fazio: La América Ingenua. Rialp. Madrid (2009). 187 págs.

     Acabo de ler este livro e faço de imediato o propósito de lê-lo novamente. Mas não quero adiar o comentário que poderá estimular outros para aventurar-se nesta leitura apaixonante e substancial. Poucas vezes encontrei num livro relativamente curto, tanta densidade de informação unida a comentários e ponderações que, com notável capacidade de síntese, oferecem um panorama completo de uma época histórica. É, sem dúvida, um livro escrito por um acadêmico, que é também um professor. São termos que não se confundem. O acadêmico pode dominar o tema, mas se carece de atividade docente –da experiência que se ganha na tentativa de transmitir conhecimentos- a clareza expositiva na hora de escrever costuma deixar a desejar. Não é caso: temos aqui uma aula magnífica, compreensível e lógica, das aventuras anexas à descoberta e conquista de América, no século XVI. Uma aula proferida por alguém de cultura inegável –basta dar uma olhada na amplíssima bibliografia consultada e realmente trabalhada- que tem sangue americano. Quer dizer, alguém do lado de cá do Atlântico, o que confere ainda maior credibilidade ao seu raciocínio.

     O tema do descobrimento de América – e nem dizer do amplo capitulo das conquistas- é assunto que suscita polémicas, muitas vezes reflexo de ideologias através das quais se quer entender a realidade da história. Na presente obra, a serenidade alia-se à seriedade científica, para apresentar-nos com equilíbrio um fato que mudou a vida da humanidade. Mais do que descobrir algo ou alguém, tratou-se de um encontro de raças que viviam ignorando-se e de cuja fusão nasceu o continente americano. O autor adverte que transformar lendas negras em brancas é tão ilegítimo como o inverso; o fato histórico pode ter sido bom ou mau, justo ou injusto, mas não se pode apagar com uma penada ideológica, que é sempre uma simplificação grotesca da realidade.

     O estudo se inicia com uma apresentação dos protagonistas do encontro. De um lado o Império Espanhol do século XVI, em cujos domínios o sol nunca se punha – quando anoitecia nas Filipinas, amanhecia no Peru- e do outro as civilizações indígenas: Maias, Aztecas, Incas, como atores principais, além de um inúmero de povos coadjuvantes. Segue-se o ciclo do Almirante Colombo, um exemplo de perseverança que após viver nove anos em Portugal, onde o seu projeto não vingou, demorou outros sete anos negociando com Fernando e Isabel, os Reis Católicos, ocupados no momento com a expulsão dos árabes e unificação da Espanha. Pouco faltou para que Colombo fosse pedir ajuda à França ou à Inglaterra e o autor convida a pensar qual teria sido o desenrolar da história se fosse outra coroa a responsável pela descoberta de América. A miscigenação que hoje vemos na maior parte de Latino América (na verdade, Ibero América, pois foi a Península a responsável pela colonização) é um contraste evidente com América anglófila (ou mesmo de domínio francês, como o Canadá).

     A maior parte do livro dedica-se à colonização das Antilhas e à conquista armada do continente. Os dados são numerosos, e os nomes dos protagonistas sucedem-se vertiginosamente. Mesmo para quem, como é o meu caso, algo conhecia por leituras anteriores deste cenário, são muitos os fatos novos apresentados e, sobretudo, o modo de expô-los numa concatenação lógica. Arriscaria dizer que é uma abordagem histórica, étnica e antropológica de uma realidade que nos dias de hoje é preciso de um esforço especial para tentar compreendê-la. Nem os índios eram bons selvagens, nem os descobridores e conquistadores eram missioneiros evangelizadores com o único animo de divulgar o Cristianismo. As conquistas americanas foram verdadeiras epopeias onde o valor, a lealdade, e a dignidade se misturaram com traições, violência, rios de sangue, e sede de riquezas. Não foi uma história de mocinhos e bandidos, pois com repetitiva frequência quem militava num dos bandos, se passava a outro, e por vezes, arrependido regressava, ou se consolidava na posição, eliminando o companheiro, amigo de outras horas. A luta armada não foi apenas de espanhóis com os índios, mas também verdadeiros combates internos pelo controle dos territórios descobertos e conquistados.

     Cortés, Pizarro, Alvarado, Benalcázar, Almagro, Orellana, Magalhães, Nuñez de Balboa, e muitos outros se alternam com quem regia a coroa do Império Espanhol. Isabel, que sempre considerou os índios como seus súbditos ultramarinos; o Cardeal Cisneros, que não se cansou de denunciar os interesses corruptos nas novas terras e o próprio Imperador Carlos V que escutava a Bartolomé de Las Casas e proibia o maltrato aos índios. E no meio destes protagonistas, um inúmero de religiosos e missioneiros, designados pela coroa para levar a fé aos povos ultramarinos. Bem adverte o autor, que os desejos evangelizadores da metrópole eram sinceros, mas a posta em prática nem sempre foi genuína, sobretudo porque quem comandava as expedições eram soldados que visavam a conquista e, não poucas vezes, estabelecer o próprio poder.

     O tema sempre é fonte inesgotável de polémicas, e o autor não pretende encontrar uma resposta definitiva. De modo sereno anota algumas conclusões que merecem reflexão. Os conquistadores praticaram um heroísmo audaz, decisões prudentes, e também cometeram abusos e violências, mas certamente não foram medíocres. O saldo da evangelização foi verdadeiro e eficaz, visto que nos inícios do terceiro milênio, quase a metade dos católicos do mundo são americanos. Os documentos mais numerosos que se conservam são procedentes dos arquivos judiciais, e os juízos acontecem quando as leis não são respeitadas. Em outras palavras, os erros estão sempre melhor documentados do que os acertos.

     E uma última e importante advertência. Fazer a apologia da conquista da América –do que habitualmente se acusa a postura europeia da metrópole- consistiria mais do que em desmentir opiniões equivocadas, em mostrar que a decisão da coroa espanhola foi uma busca pela justiça, mesmo que na prática poucas vezes se conseguisse. Afinal a história é o resultado da liberdade humana, que vai muito além das boas intenções. E, felizmente, vai também além das intenções tortas. É possível extrair o positivo do acontecer humano: este livro é um exemplo que merece ser contemplado, lido e relido.

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