José Ortega y Gasset: Origen y Epílogo de la filosofía
José Ortega y Gasset: Origen y Epílogo de la filosofía. Austral. Espasa Calpe. Madrid. 1980. 139 pgs.
Fazia algum tempo que não lia Ortega. Ou relia, porque conheço bem grande parte da sua obra, e utilizo em aulas e conferências as muitas citações que fui anotando ao longo dos anos. Para ser franco, não tinha este livro entre as minha pendências, mas pelo modo como chegou às minhas mãos, não tive como evitar uma leitura rápida.
O fato é simples: uma funcionária da nossa empresa deixou-o em cima da minha mesa. O porquê foi parar la não é surpresa: todos conhecem minha sintonia com o filósofo espanhol. Mas não sendo uma obra de divulgação, e escrita em espanhol, senti a necessidade de perguntar-lhe como o tinha conseguido. Disse-me que num bar, perto da casa dela. O dono deixa livros variados expostos, estimula às pessoas para que leiam e os levem, e depois os devolvam, e tragam outros. Quer dizer, num boteco onde se bebe cerveja –e parece que não pouca- o dono promove as leituras, e se aventura até em filosofias.
Estávamos nesse diálogo numa manhã de segunda feira, dia que chego cedo na empresa e tomo café da manhã com o staff. Faltou tempo para que outros interviessem: “também oferecem livros nos terminais de ônibus, ou no metrô…E tudo de graça, as pessoas levam, leem, devolvem, trazem livros”. Alegrei-me de conhecer estas iniciativas, e pensei por tabela nos contrastes que a vida nos depara: quando tenho oportunidade de encontrar-me com uma turma de alunos dos últimos anos da faculdade de medicina, e pergunto quantos livros leem anualmente, ao silêncio prolongado, sucede uma voz tímida que diz: cinco, ou seis…..mas não muito grandes. São os mesmos que reconhecem –essa é a segunda pergunta, para que cada um tire as suas consequências- gastar duas a três horas diárias na internet….E isso numa elite social, pois as notas exigidas no vestibular de medicina são sempre das mais altas. Esses são os futuros criadores de opinião de uma sociedade… que corre por fora, e consegue livros em bares e em terminais metroviários. O mundo às avessas.
Voltamos ao livro. Mais do que um livro, é uma desculpa, pois se trata de um comentário a uma obra de Julián Marias, discípulo de Ortega. Toca assuntos variados, e o resultado, como sempre, envolve descobertas e aprendizados. A certa altura fala-se dos céticos, –skepticoi– que não apenas não creem, mas fazem questão de extirpar a crença dos outros. Todo o seu empenho é em amputar verdades alheias. Reparei a atualidade desta afirmação: hoje temos de defender nossas ideias de quem se incomoda com que outros não pensem como eles, mesmo que eles não pensem nada, nem tenham ideias definidas. A isto chamamos estado democrático de direito: uma piada. Por isso, encaixa bem outra consideração de Ortega que não resisti a anotar: “Ao hábito de eleger chamavam os latinos primeiro eligentia y depois elegantia. É daqui de onde, talvez, venha o nosso termo int–eligencia. Seja como for, elegância devia ser o nome que deveríamos dar ao que torpemente chamamos ética, por ser esta a arte de eleger a melhor conduta, a ciência do fazer. O fato de que a palavra elegância sejam das que mais provoca irritação hoje no nosso planeta, é de fato a sua melhor recomendação”. O diagnóstico está feito: es céticos, e os que patrulham nossa liberdade de pensar, são criaturas essencialmente deselegantes!
Ortega não perde a ocasião da falar da história, onde se incluem as famosas circunstâncias que abraçam –que cercam, rodeiam- o homem, o meu eu. “A história não é só contar o passado mas entendê-lo; e entendê-lo é também necessariamente criticá-lo, e, consequentemente, entusiasmar-se com ele, angustiar-se e irritar-se com ele, censurá-lo, aplaudi-lo, corrigi-lo, completá-lo, chorá-lo e dar risada com ele”. O homem tem história, e por isso progride, porque não zera o taxímetro vital, como o animal que nasce sem cabedal histórico acumulado.
O sentido histórico integra experiências, enriquece a cultura. Aprendi o porquê dos curiosos telhados chineses. É por conta dos fen-shui, espíritos perigosos que preocupam esse povo. Por isso os telhados são arrebitados para cima no seu extremo: para caso um espirito mau se instalar no telhado, não lhe permitir que se deslize até o chão, ou o jardim, o que seria perigoso, mas que saia disparado para o firmamento.
A arte de pensar traz a densidade do pensamento do filósofo: “O importante em quem quer de verdade pensar é não ter pressa, ser fiel a cada passo do seu itinerário mental adequando-o à realidade, evitando desprezar os primeiros aspectos por uma espécie de urgência snobe. Quando queremos de verdade pensar, o primeiro que temos de fazer é saber calar. O verdadeiro saber, é mudez e sisudez”. E nesse silêncio, requisito para os intelectuais, quase senti falta da presença de Ortega naquele café da manhã. E escutar as lições de mestre sobre os livros, os botecos, o povo simples açambarcando livros na faixa, e as elites universitárias alheias à este movimento, expostas ao naufrágio vital, aquele do qual somente a cultura consegue nos salvar.