Roger Scruton: “As Vantagens do Pessimismo” (E o perigo da falsa esperança)
Roger Scruton: “As Vantagens do Pessimismo” (E o perigo da falsa esperança). É Realizações. São Paulo. 2015. 207 pgs.
De que pessimismo nos fala Scruton? Na verdade, trata-se de um discernimento da realidade, de visualizar que vivemos entre seres humanos falíveis, e não num universo de sistemas e ideias que são facilmente modificáveis. Os problemas da humanidade não são questões de ordem técnica, como pensam os que ele denomina otimistas inescrupulosos. Estes são aqueles que acreditam que as dificuldades e desordens da humanidade podem ser superadas por algum tipo de ajuste em larga escala: é suficiente desenvolver um novo arranjo, e as pessoas caminharão para o sucesso. Desse modo, todos os esforços são colocados num plano abstrato e nenhum sequer é situado no campo da virtude pessoal. Essas são as falsas esperanças dos otimistas teóricos que devem ser temperadas com a dose certa de pessimismo, que não é outra coisa mais do que conhecimento real e prático da condição humana. O raciocínio de Scruton é claro, o que associado a uma tradução magnífica, permite acompanhar a lógica do seu discurso sem necessidade de comentários explicativos.
Esses otimistas perigosos e criticados são os que eliminam velhas rotinas, e querem mudar as coisas em proveito próprio. Estão tão propensos a consultar o passado como um batalhão que luta pela sobrevivência está propenso a proteger seus monumentos. O que eles querem é estar do lado vitorioso. Com o menor esforço pessoal possível. O pessimista sensato, não se deixa levar pelas correntes, enfatiza as restrições e os limites, lembra-se da imperfeição e da fragilidade da condição humana. Nas suas deliberações, os mortos e os não nascidos tem a mesma voz, porque sente-se inserido nas tradições e na história. E saber utilizar a dose de pessimismo para temperar as esperanças que, de outra forma, podem nos arruinar.
O pessimismo judicioso nos ensina a não idolatrar os seres humanos, mas a perdoar seus defeitos e a lutar por sua recuperação. Ensina-nos a limitar nossas ambições na esfera pública e a manter abertas as instituições, os costumes e os procedimentos em que os erros são corrigidos e as falhas confessadas, em vez de mirar algum novo arranjo em que os erros nunca são cometidos. O pior tipo de otimismo é aquele que animava Lenin e os bolcheviques, que fazia com que acreditassem que haviam colocado a humanidade na trilha das soluções dos problemas da história, e que fez com que também destruíssem todas as instituições e todos os procedimentos pelos quais os erros podem ser corrigidos.
A utilização principal do pessimismo é retirar aquela postura solitária e conduzir à verdadeira primeira pessoa do plural. As pessoas escrupulosas, que temperam a esperança com uma dose de pessimismo, são aquelas que reconhecem limitações, não obstáculos. (..). Reconhecem que a sabedoria raramente está contida em uma única cabeça, e é mais provável que esteja consagrada em costumes que resistiram ao teste do tempo do que nos esquemas dos radicais e dos ativistas.
Quando falta essa sadia dose de pessimismo para temperar a vida, deixaremos de ver, por exemplo, o mundo financeiro como sendo composto de seres humanos, com todas as suas fraquezas morais e projetos pessoais, e passaremos a vê-lo como composto de gráficos e índices (taxas, juros, moedas) que em si são meras abstrações cujo valor econômico depende exclusivamente da confiança das pessoas nelas. E dá no que dá.
Muito interessante o comentário sobre o fracasso da revolução de 1968, a nível social e econômico. Não foram abaladas as bases das democracias ocidentais. Mas sobrou um reduto que se concentra e domina os departamentos de ciências sociais de todo o mundo ocidental. No coração do curriculum de humanidades podemos encontrar todas as falácias que, na prática, fracassaram nos espasmos revolucionários de 68. Uma falácia utópica, onde eles veem o mundo de um modo diferente. Desprezam a experiência e o senso comum, e colocam no centro um projeto que está “imune à refutação”. Os milhões de mortos ou escravizados não são suficientes para refutar a utopia, mas simplesmente fornecem a prova das maquinações diabólicas que foram postas no seu caminho. Isso é o que caracteriza os estados totalitários: a necessidade constante e implacável de encontrar uma classe de vítimas, a classe daqueles que se atravessam no caminho da utopia e impedem a sua implementação.
Outro ponto de destaque é a transferência da culpa e do ressentimento. “Quando você transfere ao outro o seu ressentimento consegue evitar o custo de compreendê-lo, que é o custo do autoconhecimento. Nada mais cómodo do que dizer que conspiram contra o teu projeto, ao invés de refletir sobre ele, e de confrontá-lo com a experiência quotidiana e histórica (…)O otimista inescrupuloso confronta a crítica com um argumento de transferência de ônus, dizendo que cabe a você, o pessimista cauteloso, provar que os costumes e as tradições que eu condeno trazem realmente uma contribuição para o bem comum. Mesmo os costumes que sobrevivem ao teste do tempo não são argumento que satisfaça os otimistas. Eles nos colocam na disjuntiva de ter que provar que funcionam, que são benéficos para a maioria (…). Quando coisas ruins acontecem, especialmente, quando acontecem comigo, tenho um motivo para buscar a pessoa, o grupo, a coletividade que as provocou, e sobre as quais as culpas podem ser lançadas. É mais uma falácia onde a prova da culpa está no sucesso do outro, que acarreta a minha desgraça. O antiamericanismo tem aqui suas raízes”.
Isso implica deixar de viver por meio de esquemas e planos, não culpar os outros por nossos enganos e fracassos, deixando de pensar a nosso respeito como se fôssemos dotados de algum tipo de inocência angelical que somente a corrupção da sociedade nos impede de exibir e desfrutar. Envolve uma postura de solicitude -com as instituições, os costumes e as soluções consensuais. Envolve um reconhecimento de que é mais fácil destruir do que criar e de que cumprimos a nossa missão na terra se cuidamos do pequeno canto que é nosso e levamos este “nosso” ao coração.
A forma mais simples de explicar o comportamento de qualquer organização burocrática é supor que ela é controlada por uma conspiração de seus inimigos. Como Lenin ilustrou, o pior tipo de governo não é aquele que comete enganos, mas aquele que, ao cometer os enganos é incapaz de corrigi-los. Quando os poderes do governo são divididos de maneira apropriada, e quando aqueles com soberania podem ser destituídos pelo voto, os enganos podem ser remediados.
Traz um pensamento de Burke para o mundo moderno, que faz pensar na insensatez do messianismo que, espasmodicamente, aparece aqui e acolá: “O conhecimento de que precisamos nas circunstâncias imprevisíveis da vida humana não é derivado da experiência de uma única pessoa nem contido nela, e também não pode ser deduzido a priori de leis universais. Esse conhecimento nos é concedido pelos costumes, pelas instituições e pelos hábitos de pensamento que foram sendo moldados ao longo de gerações, por meio de tentativas e erros das pessoas, muitas das quais pereceram no curso de sua aquisição”.
No final do livro, Scruton nos proporciona um bom projeto de vida: “A felicidade não resulta de uma busca do prazer e tampouco é garantida pela liberdade. Ela surge do sacrifício: essa é a grande mensagem que nos chega por meio de todos os trabalhos memoráveis de nossa cultura. Trata-se da mensagem que foi perdida em meio à algazarra das falsas esperanças, mas que, parece-me, pode ser ouvida mais uma vez se devotarmos nossas energias à sua recuperação”. Proposta audaciosa e difícil, porque nos inclinamos uma vez e outra ao engano, a transferir a culpa, a desfocar a perspectiva da verdade. Afinal, como ele mesmo afirma com palavras de T.S. Eliot, “é difícil para a espécie humana suportar tanta realidade”.
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