O Rei do Show: Sonhos, boa vontade e compromisso embrulhados em música

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The Greatest Showman. Diretor: Michael Gracey. Hugh Jackman, Michelle Williams, Zac Efron, Rebecca Ferguson, Zendaya, Paul Sparks, Keala Settle, Sam Humphrey. USA 2017. 105 min.

Sempre gostei de musicais, embora por motivos diferentes, de acordo com as fases da vida que todos atravessamos. Os musicais de minha infância, aqueles que você não escolhia, mas a família te levava assistir para de algum modo imbuir-se do gosto musical doméstico.  A Noviça Rebelde -tradução infeliz de The Sound of Music– onde o verdadeiro protagonista é mesmo a música, as canções, e não a suposta noviça que, por sinal, nem chegou a ser tal. A madre superiora adverte a Maria, que as paredes do convento não são refúgio para os que têm receio de viver no mundo (Climb every mountain, aquela canção impactante). A tradução do título para o espanhol -idioma da minha infância- sem ser exata, era mais feliz do que a noviça: Sonrisas y Lágrimas, chamava-se. Impactou-me, e também marcou tradição na família: lembro de meu pai dizer que quando as crianças ficavam inquietas e chorosas -já os netos, ainda bebés- nada como colocar a trilha sonora do filme para acalmá-los. Sempre funcionou; e ocorreu-me recomendar a experiência vital com os filhos e netos dos amigos, com sucesso repetido.

Depois veio Oliver, a versão musical do conto de Dickens, e as personagens magníficas embrulhadas em canções : desde a voz infantil do protagonista (Who would by me this wonderful morning), até o chefe da gangue de garotos, Fagin, contando o dinheiro enquanto entoa “I’m revising , the situation”.  Inesquecíveis também aqueles filmes que ficavam mais de um ano em cartaz em elegantes cinemas de Madrid: My Fair Lady, West Side Story. Esses, mesmo lançados na minha infância, assisti depois, já adulto, muitas vezes, apreciando a música e a história que era uma simples desculpa para apresentar melodias inesquecíveis.

Houve muitos outros musicais que rodearam a minha formação na adolescência. Os clássicos dos anos 40-50, onde a música era palco para a dança. Cantando na Chuva com o memorável Gene Kelly. E, naturalmente, Fred Astaire:  meu avô, adorava ele, talvez porque gostava da matéria. Lembro que nos casamentos sempre tirava a noiva para dançar, com imensa classe após beijar a mão da felizarda. Fred e Ginger, em O Picolino, e muitas outras -desde Cyd Charisse até Audrey Hepburn, passando por Judy Garland e Rita Hayworth. Porque Astaire dançava com qualquer uma, até com uma vassoura: bastava deixar-se levar pelo mestre. Uma dança elegante, e suave, sem as acrobacias atléticas de Gene Kelly. Estes musicais inolvidáveis careciam quase de roteiro, pois tudo era desculpa para sapateados e evoluções dançantes.

Os musicais recentes são, principalmente, a história que a música e as canções vêm reforçar. Por isso, aos desavisados, pode lhes parecer forçado. Quantas vezes escutei aquela reclamação: passam das palavras para uma canção, sem nenhum motivo; não gosto disso! Na verdade há coisas que somente se conseguem exprimir cantando, é o ponto culminante da comunicação, do recado que se pretende dar. Esse é o motivo, não há outro.  Valha o exemplo de Moulin Rouge -uma variante de La Traviata temperada com cenas de Toulouse-Lautrec- , e os musicais com desenhos, como Frozen, e o recente Coco. Qualificá-los como infantis é, como me disse recentemente um amigo médico e músico da Nova Zelândia, apenas um passaporte para os adultos assistirem sem receio, porque choram do mesmo jeito.

Assisti O Rei do Show, empurrado pelos comentários de outros colegas -médicos artistas- que recolho no final destas linhas. É também um musical com história forte, e as canções -precisas, bem colocadas- sublinham a mensagem que o filme transmite. Uma história de  sonhos, superações, tentações e fidelidade ao que realmente importa na vida. A apologia de uma vida sem divisões. Mas minha leitura foi além disso: alguém que dá voz aos excluídos, aos que ninguém queria, àqueles que até a própria mãe escondia e rejeitava com vergonha.

Por essas curiosas coincidências, tinha participado alguns dias antes de uma reunião Alumni na escola de negócios onde, anos atrás, cursei um programa de direção de empresas. O professor que conduzia a discussão -a condição humana de um diretor, intitulava-se- passou um breve clip com uma cena de Moneyball ( O homem que mudou o jogo). O treinador (Brad Pitt) serve-se de um estatístico que consegue, mediante equações difíceis, montar um time com gente média -sem estrelas nem prima donnas- e constrói um elenco efetivo, que tem sucesso. Fez-me pensar, e as minhas reflexões se entrelaçaram com o Rei do Show, e com o meu dia a dia profissional onde sou obrigado, por ofício, a escalar novos talentos para integrar uma equipe competente.

Afinal, pensei, como escolhemos as pessoas? Como recrutamos nossos colaboradores? Qual é a seleção que fazemos -os critérios e famosas avaliações- que nos levam a decidir? Temos a coragem de inovar, ou no momento decisivo, apelamos para “o que todos fazem, as regras assépticas dos RH” que não enxergam pessoas nem possibilidades, mas somente currículo (muitas vezes de utilidade duvidosa, visto que são construídos em cima de critérios do que é possível medir, ignorando o que não pode ser avaliado e que, no fundo, muito importa). Quem constrói uma amizade ou uma família em função do currículo? Quem se envolve numa aventura apenas pela lógica? Creio recordar que foi Saint Exupéry quem apontava:  se queres que os homens construam barcos, não te limites a ensinar como se corta a madeira, mas faz eles sonharem com a grandeza do oceano. A frase é bonita, mas os sonhos nos amedrontam e, na hora do vamos ver,  continuamos buscando ourives de madeira (de preferência com diplomas de marceneiro) para montar os times.

Vivo isso diariamente, não fujo do desafio, e tento ensinar os outros a não fugirem. Gente média, sem brilhantismo  mas com boa vontade, com sonhos, são os que fazem a diferença. Bem apontava Gregorio Marañón, o médico humanista, que os erros e as deficiências -adquiridas ou de nascimento, podemos acrescentar- podem se corrigir graças à essa boa vontade que é a que nos aproxima do poder criador de Deus, e também é fonte de felicidade humana, de uma vida reconstruída sobre a debilidade da nossa condição.

 

Esses pensamentos vinham à minha mente, enquanto atrelava as reflexões despertadas pela reunião de alta direção, com as cenas -e as músicas impactantes- do filme. Mas afinal, estas linhas não são mais do que uma elegante desculpa para introduzir este texto elaborado por dois colegas médicos que trabalham do meu lado.

 

 

 

                                              Por Marco Aurélio Janaudis  e  Viviane Polesel

       

 

 

O Wolverine, ops… Hugh Jackman, interpreta, de modo adorável, o Sr P. T. Barnum, produtor de espetáculos e que busca algo diferente para seu público. Mas, antes de contar esta parte da história,  voltemos um pouco na história do protagonista, onde vemos um jovem pobre, que trabalhava duro com seu pai na propriedade de um rico e poderoso fazendeiro. A vida era dura e o jovem rapaz nutria uma admiração pela filha do ricaço. Foi sempre humilhado e até agredido  pelo pai da moça.

Porém um dia o casal abandona tudo e foge para viverem juntos. Vivem felizes, porem Barnum não parava num mesmo emprego, era inquieto, sentia-se infeliz com seu trabalho atrás de uma máquina de escrever num escritório, próximo a um cemitério, o qual aparece sutilmente na cena, como mostrando ser aquele o destino inexorável de todos os que, independentemente do que fazem com suas vidas, o terão como fim.

Vendo todos aqueles homens atrás de suas Remingtons ou Olivettis, datilografando a vida, o mundo, sem olhar para o lado, lembrei-me de um vídeo que andou circulando pelas redes socias e whatsapss há não muito tempo, em que um senhor via sua vida passar e deixava seus sonhos e vontades à mercê das obrigações do trabalho, até que entendeu que se podia compatibilizar tudo junto, sem que sua vida fosse dividida em duas, como nos lembra Eugenio D’Ors em “Aprendizaje y heroísmo”: “Mas eu te digo que qualquer ofício torna-se filosofia, torna-se arte, poesia,  invenção; quando o trabalhador dá a ele sua vida, quando não permite que essa vida se parta em duas metades: uma para o ideal, outra para os afazeres quotidianos, mas converte a tarefa diária e o ideal numa mesma coisa que é, simultaneamente, obrigação e liberdade, estrita rotina e inspiração constantemente renovada.”

Inquieto, Barnum se vê diante do chefe querendo propor mudanças na empresa, quando recebe a notícia: vocês todos estão demitidos!

Era o dia do aniversário de uma de suas filhas, e ele chega em casa sem um presente comprado nas lindas lojas de brinquedos que temos hoje ou nos mercadopontocom… Mas ele cria, inventa o presente. A família, apesar de tudo, era feliz.

Barnum quer criar algo novo e arrisca-se na compra de um museu de cera, que não cai nas graças da população, o movimento é fraco. Suas filhas acompanham tudo aquilo e veem o fracasso do negócio. Mesmo assim, a família continua junta e feliz.

Até que numa noite, a meu ver, ocorre a mensagem principal do filme, quando ao colocar as meninas para dormir, uma delas diz: “pai, este show precisa ser mais humano, só tem coisas de cera lá, coisas frias…”! e Barnum então pára, pensa, analisa a situação e percebe que a menina tem razão. Faltava vida, faltava emoção ao negócio.

E a partir daí ocorrem as mais diferentes situações, numa verdadeira celebração à diferença e ao respeito entre os seres humanos.

Todos ali buscavam o caminho do sol, todos queriam paz, respeito e dignidade, além de um trabalho. E queriam trabalhar duro. Lembrei-me dos ensinamentos de Milton Nascimento em Nos Bailes da Vida: “Foi nos bailes da vida ou num bar, Em troca de pão, Que muita gente boa pôs o pé na profissão, De tocar um instrumento e de cantar, Não importando se quem pagou quis ouvir, Foi assim, Cantar era buscar o caminho, Que vai dar no sol, Tenho comigo as lembranças do que eu era, Para cantar nada era longe tudo tão bom, Até a estrada de terra na boleia de caminhão, Era assim, Com a roupa encharcada, a alma, Repleta de chão, Todo artista tem de ir aonde o povo está, Se foi assim, assim será, Cantando me disfarço e não me canso, De viver nem de cantar…”

Evidentemente não foi fácil. Nosso protagonista, iludido com a fama, tem atitudes que o fazem derrapar, cair, tropeçar nas tentações da vida. E ter de parar e refletir de novo. Olhar para trás e ver quem são os que realmente gostam dele e o ajudaram a construir tudo aquilo. Teve de resistir à tentação de não trair sua esposa, cena que, pasmem, e para nossa alegria, incomodou de mais o pequeno Matheus, meu filho de 8 anos, que torceu para que isto não acontecesse. Levantou-se do sofá, incomodado, irritado, olhou para nós e perguntou: “ele não vai fazer isto, né?” (beijar a nova, bonita e provocante artista que havia sido contratada para o show), como seu nós tivéssemos a resposta! E Barnum resistiu! Algo que de modo geral não ocorre mais em filmes e novelas hoje. Ao contrário, incentiva-se a “descartabilidade” das pessoas, como algo natural.

Comentei sobre este filme com algumas pessoas e, para minha surpresa, minha colega de profissão e ex-aluna, Viviane Polesel, já o tinha assistido 5 vezes! Pedi a ela para complementar o texto, conforme segue:

Eu me impressiono muito com como ele olha para as pessoas. Ele vê algo grande em cada um, vê o quanto cada um pode oferecer! Mesmo que tenha algum lado de financeiro, ele consegue VER o outro. É isso que faz todos acreditarem no circo. Que faz as personagens voltarem com ele para serem a família que eles escolheram. E família tem diferenças, tem dores, tem brigas, mas todos se aceitam diferentes e estranhos como são.

Outra coisa linda que acho nesse filme é o poder da Mulher Barbada. Uma mulher nada atraente, com muitas dores do passado, que passa por cima de tudo e de todos para mostrar quem ela é! O poder da voz feminina, o poder de alguém que lutará até o fim! É emocionante. Inclusive nos bastidores, ela e o Hugh se emocionaram muito quando ensaiavam as músicas. É poderoso demais!

E achei uma graça o Matheus torcendo para que ele não traísse a esposa, o que realmente não é visto nos filmes/séries/novelas atuais. É quase como se devêssemos torcer para achar outra parceira, quando na verdade não deveria ser a regra. E foi um grande marco para Barnum, porque ele vê a que caminho isso o estava levando e afastando de seus ideais.. e é quando ele canta aquela música e se reinventa! “From now on…” lindo!!!

Eu e a Viviane recomendamos! É um belo musical. Delicie-se!

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