Susanna Tamaro: La Tigresa y el acróbata
Susanna Tamaro: La Tigresa y el acróbata. Seix Barral. Barcelona (2017). 222 págs.
O Tigre e o Acrobata. Editorial Presença. Queluz de Baixo. (Portugal) 2017. 144 pgs.
Volta Susanna Tamaro com um livro provocador. Como sempre. Ela diz tratar-se de uma fábula para adultos; aliás, não creio que seja ela porque não costuma categorizar seus livros. Escreve, sem mais, do fundo do coração. Um espasmo afetivo de escritura reflexiva. Imagino que deve ser coisa dos editores, e dos que anotam as orelhas dos livros. Os mesmos que comparam esta nova obra com o Pequeno Príncipe. Leio a versão em espanhol, e vejo que razão não lhes falta. Tem algo da personagem de Saint Exupéry, mas tem muitas coisas mais. Antes de rascunhar estas linhas vejo que o livro já foi traduzido ao português. As minhas anotações, em livre tradução, imagino não fiquem muito distantes do texto. Embora, para já, é bom advertir que o tigre original é uma tigresa, quer dizer, fêmea….Isso, que sempre faz a diferença no mundo dos humanos, tratando-se de animais e de Susanna Tamaro no comando, nos coloca em outros registros. Bem adverte logo de início: “Não fosse pelo homem, o mundo seria perfeito. É no ser humano onde radica a discórdia”. Um chamado com toque feminino.
Do que fala este livro? Ou melhor, o que nos faz pensar quando nos deslizamos -como um felino, suavemente- por suas páginas? As variações e interpretações serão, certamente, muitas; ao gosto – e à sensibilidade- do leitor. Mas, o fundo é claro: cada um tem de traçar o seu destino. Como dizia Fernando Pessoa: a vida é o que fazemos dela. “O Céu marca o destino para cada um. Um Tigre tem de ser sempre tigre. Não deixes espaço para outras naturezas”. O dilema é quando aceitamos o destino como algo “que vem de fábrica”, abrindo mão da liberdade: que significa abrir mão da criatividade, da originalidade, e também da e do risco de pensar fora da caixa, como se diz hoje nos ambiente pseudointelectuais.
O nosso tigre -perdão, a tigresa- sabe o que lhe corresponde mas não está convencida de que é isso que tem de fazer. “Ser o terror de todos, e não querer ser o terror de ninguém: essa era a sua condena. Renegar da sua natureza para ir buscar uma nova cujo rosto nem sequer conhecia, vagar na soledade, desejando a alegria de um encontro”. E se o caminho original, inventar moda, não leva a nada? A mãe lhe diria: menina, não cries caso, faça o que todo tigre sempre fez, assim te darás bem….Para com esses sonhos de ser diferente, de arriscar……Vou anotando estas ideias que pipocam na minha cabeça -feito uma tigresa desorientada- e aparecem lembranças, realidades do dia a dia, e contemplo pessoas de notado potencial, que poderiam fazer a diferença no mundo (e na vida deles) e que no final, limitam-se a seguir o script. São bons tigres, boas pessoas, bons médicos (impossível fugir do cenário que me abraça quotidianamente), mas…..Vamos deixar como está para ver como é que fica. A segurança de fazer o de sempre, o que todos fazem. Quando a tentação aparece -como na nossa personagem- lá vem a mãe, a tia, a sogra para lembrar que …..Menina, você é um tigre, para com essas coisas.
Essa é a vida de muitos. Pode ser a nossa. Ou não, depende das escolhas. E também de quem encontramos pela frente, dos interlocutores que, ao estilo Socrático, nos interrogam empurrando-nos à reflexão da qual queremos fugir. São, diz a autora, como “esse poço insondável que somente saber gerar perguntas”.
E nesse tête-à-tête, o diálogo brota de modo claro, diáfano, e nos inunda com sua luminosidade:
– Não tens medo de nada -perguntou a tigresa?
– Sim, uma coisa -suspirou o homem- mas não é morrer; é não conseguir chegar a ser eu mesmo!
-Por que não sou capaz de viver como os outros tigres?
-Eu também não sou capaz de viver como os outros homens?
-Por que
-Às vezes acontece: nasce alguém que não quer percorrer o caminho que outros traçaram para ele.
Aí está o assunto: caminhos novos, inovação que não é rebeldia estéril, mas correspondência a um chamado que se escuta -mesmo que os outros não queiram ouvir. Um dilema que alguns titulam vocação. Porque a tigresa consegue vislumbrar o que os outros não enxergam. “Não é o mesmo ter olhos que ter olhar. Os olhos estão ligados às mãos, enquanto o olhar está ligado ao coração. O olhar não conhece distâncias nem barreiras, enquanto os olhos o medem tudo, e constroem muros”.
A fábula que Tamaro nos apresenta é contundente, tremenda. Sem preocupação com a lógica, em prosa poética, onde os animais conversam com os homens, e todos os escutamos com o coração. Essa é a víscera predileta de Susanna Tamaro, desde a seu primeiro e decisivo romance, Va aonde seu coração mandar . Com a tigresa e o acróbata, assume novamente o protagonismo. Diz o homem de trapo, outro dos interlocutores do nosso tigre filósofo: “não tinha reparado que a maioria dos homens, ao invés de ter coração de tigre, tem coração de babuíno. Caretas, sorrisos, e por debaixo montanhas de veneno. Por que? Por poder. Poder de um dia, de um mês, de um ano. Como vai durar algo construído sobre a vileza?”.
Dificuldades e lombadas que somente se superam com a víscera que dá a tónica da sinfonia: “Há paredes que se escalam com as mãos, outras escalam-se com o coração. Igual que há vidas que somente conhecem a monotonia da planície, enquanto a outras se lhes exige subir continuamente”. Subir, sem buscar o conforto da sombra e água fresca, da mediocridade do roteiro já estabelecido, dançando com novos desafios. E caindo, machucando-se, e se levantando. Sem deixar de sorrir. Com esperança que é a “força humilde que faz com que o mundo siga adiante”
Uma jornada reflexiva, na pele de uma tigresa que busca o sentido da existência, aberta para os chamados que batem à porta da sua delicada sensibilidade. E conforme rememora tudo o que lhe aconteceu compreende que deve mergulhar na reflexão para amadurecer: tinha ouvidos jovens demais, coração por demais inexperiente. Está servida a fábula ao genuíno modo da escritora italiana. Cabe a cada leitor o passeio fascinante por essas linhas, atento na busca do conhecimento próprio, sem medo, de peito aberto. Entenderá -se busca com sinceridade- como a tigresa, que “o lugar que deixas é aquele ao qual desejas retornar, porque a nostalgia é a marca que o Eterno deixa nos nossos corações”.