FILME-FAMÍLIA: UMA FESTA A SER RECONQUISTADA
Definir filme-família, nos dias que correm não é fácil. A presença de três ou quatro aparelhos de televisão em cada lar é um argumento quase definitivo sobre a impossibilidade de existir um programa que a todos satisfaça. Se, como vai sendo frequente, o televisor é incrementado com respectivos vídeos, DVDs e TV a cabo, a situação piora. E se os usuários assistem – assistem?, engolem talvez- filmes por atacado, tornam-se remotíssimas as possibilidades de um comum acordo. É mesmo difícil tentar explicar o que seria um filme-família. Talvez consigamos intuí-lo. Vamos lá.
Domingo à tarde, acabou o almoço. Pode ser na casa da vovó para maior comodidade da mãe de família. Afinal, as avós estão para isso mesmo; além do mais tem a empregada que está trabalhando 30 anos com a família e cuidou da mamãe quando criança. Tudo bem, a louça é com ela. Vamos ao cinema. É todo um evento já anunciado desde o começo da semana. Até nos distraímos em alguma aula pensando no cinema que papai prometeu para o domingo.
A família sai. O menor ainda tem tempo de apanhar alguns bombons no local secreto onde vovó guarda os doces. Enfia-os no bolso, para comer no cinema: sabem melhor. O tempo ajuda: está garoando e até esfriou. Chegamos ao cinema. Começa o filme. Mamãe já falou tanto deste filme…É, porque o filme-família nunca é desconhecido para todos. Sempre alguém já o viu – faz muitos anos!!, diz- e o recomenda porque…bem, porque é bonito, é ótimo. Não sabe dizer por que é bonito; lembra da sensação que teve quando assistiu. Será parecida com a nossa que o vemos por primeira vez? Não, não é.
São o entorno, os sentimentos, as expectativas, o filme enfim que se gravam fotograficamente no álbum das lembranças entranháveis e que o tempo realça, sem amarelá-las, tornando-as gigantes. O tempo é um ampliador genial das emoções.
O filme-família é isso, o evento que marca, que se registra nos sentimentos, que pede “replay”… quando os anos passam. Mas “replay” familiar; se não, perde o encanto. Não se revê um filme-família a modo de lembrança pessoal, para mim. Há que revê-lo para os outros, com os outros. As sensações dos outros -da família- despertam em nós as vibrações antigas do evento de outrora. É demais…!!
Este emaranhado assunto parecerá uma apologia do saudosismo. Não o é, em absoluto. É, sim, um reconhecimento justo de quem conhece esta sensação envolvente de bem-estar. É claro, que com meia dúzia de televisores, e quilômetros de celuloide para engolir no fim de semana, resulta difícil intuir do que estamos falando. A multiplicidade de opções anestesia a sensibilidade para o bom, e para o bonito, como o filme-família. E aqui entramos no conhecido dilema do ovo ou a galinha. Será a meia dúzia de aparelhos de televisão o elemento de desunião, ou é a união que não existe o que dá entrada aos eletrodomésticos da discórdia?
A união deve ser promovida e prestigiada com eventos de porte, anunciados, criando a expectativa. Isto requer iniciativa, dedicação, tempo, bom humor, e uma boa dose de empenho. Enfim, que é preciso vender o peixe. E se o chefe de família é bom vendedor, cria o evento e consolida a união. Os infinitos canais de televisão -agora TV pôr assinatura- não supõem concorrência para quem tem iniciativa, para o bom vendedor. Se não houver, a desunião está garantida, e proliferam as opções televisivas, ou de qualquer índole.
Exemplos de filme-família? Muitos, inúmeros. Na realidade não depende tanto do filme como da montagem que se cria. Vejamos os ingredientes. Argumento simples, elenco adequado, brilhantismo na apresentação, humor e romantismo. Gestos nobres que sempre superam as pequenas mesquinharias. Aliás, tem de ser assim: para que complicar as coisas se todos gostam que o bem ganhe de goleada. Negar isto costuma ser esnobismo, ou sentimentos de paquiderme, ou, mais vezes das que se pensa, medo das próprias emoções.
Bem, mas e o filme? As opções são variadas. Mesmo assim, algumas dicas. É conveniente lembrar que o cinema tem bastantes anos de existência. Importante: não confiar o sucesso à novidade, ao lançamento. Afinal, novidade é isso, algo novo, mas não necessariamente bom. Existem filmes ótimos que não brilham com capas atrativas nas prateleiras da locadora vizinha. Enfim, é preciso ter algo de aventureiro para pesquisar e saber farejar o que de bom existe.
Os ingredientes, como se vê, são simples, para fabricar um genuíno filme-família. Sim, “fabricar”, porque é bom lembrar: o filme é a cereja do bolo, toda colorida, que atrai. Por baixo deve estar a estrutura do evento, cozinhada a fogo lento no forno familiar, que deixa o bom sabor de boca e, como o bom vinho melhora com os anos. E pede repetição, sempre, com a chegada das novas gerações.