Anton Tchekov “As Três Irmãs”

Pablo González Blasco Livros 1 Comments

Anton Tchekov “As Três Irmãs”

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Um livro, para quem tem enraizado o hábito de ler, leva geralmente até outro. Essa quase compulsão de que falava Borges que, mesmo cego, continuava comprando e rodeando-se de livros, da sua amável presença. Foi assim como cheguei até esta pequena obra de Tchekov, decolando da leitura de um livro de memórias de um autor que ama o teatro e exerce como crítico. Chamou-me a atenção o que Marcos Ordóñez comentava a propósito da idade que avança inexoravelmente, e que sentia-se, por vezes, como o médico Tchebutikin, da obra que nos ocupa: “Se vocês não gostassem de mim, já há muito estaria morto”. O fato de ser velho foi o que tocou o autor das memórias;  e o de ser médico, certamente o emparelha com Tchekov que, embora conhecido mundialmente como escritor e contista, era também médico e fazia questão de afirma-lo:  “A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas minha amante.”

Difícil narrar um argumento que está escrito para ser interpretado. Como diz Ordóñez um bom ator é capaz de reescrever uma peça de teatro sem mudar uma vírgula. Tudo está na intepretação.  Por que então estes comentários? Apenas a modo de aperitivo, para despertar o gosto, o que parece ser importante. Eu, pessoalmente, que não sou muito propenso ao teatro -falta de costume e, certamente, uma carência cultural- acompanho colegas meus de colégio que estão envolvidos em escrever, adaptar, dirigir peças. E todos coincidem que é preciso ler teatro, não só assistir. Suponho que se trata de uma educação do paladar dramático.

A peça de Tchekov, nos leva até o interior da Rússia no cenário, e até a intimidade dos sonhos e anseios de três irmãs. Uma vida monótona, que se consome em expectativas -que nunca se cumprem- e descuida o quotidiano. Falta do que fazer, poderíamos concluir. Mas o escritor russo diz o mesmo de um modo elegante, sugestivo: “Tem muito mais valor não apenas o homem que trabalha, mas o boi também, e o cavalo de carga, do que uma jovem casada que acorda ao meio-dia, tem seu café da manhã servido na cama, demora duas horas para se aprontar… Ai, como isso é terrível!”. Irina, a mais jovem, insiste no tema: “Estamos tristes e temos uma visão tão sombria da vida porque não conhecemos o trabalho. Descendemos de pessoas que desprezavam o trabalho”.

Mas não basta com ter uma visão clara do que deveria ser feito. As personagens parecem contentar-se apenas com o que acontece ao invés de aplicar-se ao que tem de fazer pessoalmente. Bem o explica outra personagem, Verchinin, quando afirma: “Nós, russos, gostamos demais dos pensamentos elevados, mas, me diga, por que na vida real voamos tão baixo? Por quê?”. Colocar essa apatia na alma russa parece exagerado, mormente quando se leu Tolstoi, Dostoievsky, e tantos outros. Talvez não seja a alma propriamente, mas a condição social acomodada e indolente, que se perde em detalhes e descuida o essencial. Macha, outra irmã aponta: “Saber três línguas nesta cidade é um luxo desnecessário. É até mais que um luxo; é simplesmente uma coisa inútil, como um sexto dedo. Sabemos muita coisa desnecessária”.

Andrei nos oferece esta futilidade: “Se não ouvisse mal, irmãozinho, eu não conversaria com você. Afinal de contas, tenho de conversar com alguém”. Enquanto Olga, a outra irmã,  deixa claro o limitado horizonte das suas aspirações: “Meu bem, digo-lhe isso como irmã mais velha, como amiga.  Aconselho-a a se casar como barão que lhe tem grande estima… Verdade que é feio, mas é um homem honrado e tão nobre… As pessoas não se casam por amor, e sim para cumprirem sua obrigação. Pelo menos eu penso assim, e me casaria mesmo sem amor. Eu me casaria com qualquer um, desde que fosse uma pessoa decente. Mesmo com alguém mais velho…”

Ler teatro é importante, mas vive-lo tem mais impacto. Parece-me que a consideração de Tchebutikin soaria fundo na voz de um bom ator: “O que a nós parecia sério, importante, de muito valor, com o tempo será esquecido e considerado sem importância. (Pausa)….E o mais interessante é que nós nem sabemos a que eles darão valor e importância e o que considerarão inútil e ridículo”. E, sem dúvida, a de Verchinin: “Muitas vezes penso se pudéssemos começar a vida de novo e o fizéssemos de modo consciente? Se a vida cumprida fosse uma espécie de rascunho e a outra – a nova – o texto passado a limpo? Imagino então  que todos nós nos esforçaríamos antes de mais nada, para não nos repetirmos”.

Belo pensamento, o mesmo que Viktor Frankl esboçava quando desenhava a seu modelo em busca de sentido: vive de tal modo que faças as coisas como se fosse a segunda vez, e a primeira a tivesses feito tão mal como estás a ponto de fazer agora. Não é textual, mas a ideia é essa. A que sim é textual, e penso que Tchekov concordaria com Frankl, é a da necessidade desse anseio saudável de que carecem as três irmãs. Escreve o psiquiatra austríaco:

“O certo é que aquilo de que um homem realmente precisa não é de um estado isento de toda e qualquer tensão, senão de uma certa tensão, uma sadia dose de tensão, aquela dose de tensão que lhe provocam em seu ser as exigências e solicitações de um sentido”

Comments 1

  1. Também não fui educada lendo teatro, e algumas vezes que tentei achei chato. Diante de sua narração me senti com interesse em ler com um outro olhar.

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