Colleen Carroll Campbell: “Minhas irmãs, as santas”.

Pablo González BlascoLivros 1 Comments

Colleen Carroll Campbell: “Minhas irmãs, as santas”. Memórias Espirituais. Quadrante, 2017. 285 págs.

Quando me recomendaram o livro, pensei que se tratava da história de uma conversão. Em certo modo, é assim. Mas não é uma conversão de quem transita em outra esfera de crenças -ou de agnosticismo- , ou com desvios morais notáveis. Quer dizer, não é uma conversão espetacular, mas apenas uma toma de consciência de quem já vinha cumprindo a tabela, se comparava com os outros, via-se muito melhor do que a média, e possuía conhecimentos e vivencias de uma fé que estava acomodada. Talvez essas são as conversões mais difíceis -que não fazem barulho- porque, afinal, o avião está taxiando na pista, correndo até, mas não acaba de puxar o mancho para decolar.

O catalisador para esta conversão, sair do acomodamento, são as figuras de algumas santas da Igreja Católica que, de algum modo, estabelecem um diálogo com a autora e a questionam . Anota Colleen: “Por mais de três anos, eu vinha dando a Deus as sobras do meu tempo e atenção, e o havia colocado em último lugar na minha lista e fontes de respostas e realização. E agora, depois de fazer todas as minhas vontades e de colocar tudo à frente de Deus, era nisso que minha vida espiritual consistia: sobras”. A figura de Teresa de Avila será a chacoalhada que precisa para sair das sobras, e estabelecer as verdadeiras prioridades.  

Também outra Teresa, Teresinha de Lisieux, estabelece o diálogo com a escritora questionando. “Numa sociedade tecnológica obcecada pela racionalidade, pela eficiência e pela produtividade -dizia Dorothy Day- Teresinha nos lembra que a vocação mais elevada do ser humano é o amor: Ela fala à nossa condição. Será o átomo algo pequeno? E vejam só a destruição que causou. Será a simplicidade dela uma pequena contribuição para a vida do espírito? Tem todo o poder do espírito do cristianismo por trás de si. É uma força que pode transformar as nossas vidas e a vida do mundo se for posta em prática”.

E outra freira, aparentemente inexpressiva, Faustina Kowalska, vem em ajuda de Colleen, mostrando o que significa confiar: “Eu sempre terminava dizendo : Jesús, eu confio em Vós. Essa frase me confortava, não porque fosse totalmente verdadeira, mas porque dizê-la fazia com que parecesse mais verdadeira (…) A confiança nunca fora o meu ponto forte; nem na minha vida espiritual, nem em nenhuma outra parte da vida. Ansiosa como eu era e nunca desprovida de alguma preocupação, sempre gostei de professar confiança em Deus, porém mantendo um plano B à disposição, caso Deus me deixasse na mão. O mesmo valia para os meus relacionamentos com os outros”

Edith Stein, -que é também Teresa Benedita da Cruz- , é outra das santas que entra em pauta. A radicalidade da vida cristã, até as últimas consequências: “Toda manhã eu sentia uma forte presença de Deus na minha vida e no meu coração, mas pouca clareza acerca do que deveria fazer. Era como se Deus se recusasse a compelir-me em direção a uma escolha, para que eu não pudesse depois ter raiva dele por ter me forçado (…) Comecei a perceber uma conexão entre confiança e humildade. É preciso humildade para concordar em seguir a Deus ainda quando Ele se recusa a colocar holofotes na sua trilha, ou a dizer onde ela vai dar (…) É o tipo de liberdade que não vem da quebra com a tradição nem da dissolução de vínculos, mas de assumir compromissos que têm um custo e saber que Deus nos amparará. Mais doce e profunda do que a mera licenciosidade”

E mais uma Teresa, a de Calcutá, mostrando que o sofrimento e as trevas interiores são compatíveis com a vida cristã; aliás, que fazem parte, muitas vezes, do caminho a seguir: “Eu tinha lido teologia mística suficiente para saber que a tribulação interior de uma mulher apaixonadamente comprometida com Jesús não é a mesma coisa que sente um fiel casual que não consegue decidir de Deus vale o seu tempo”

O livro pareceu-me interessante, mas não posso dizer que me encantou. Certamente porque devia estar com outra expectativa na cabeça. Mas, sem dúvida, é um livro útil para quem está razoavelmente satisfeito com a sua vida e, de repente, entende que é preciso puxar o mancho, fazer o avião subir, e não apenas celebrar o conforto de taxiar na pista. Uma conversa com as Santas, quase diria, com as Teresas, pode ajudar.

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