Sin Miedo. Cómo afrontar la enfermedad y el final de la vida.

Pablo González BlascoLivros 4 Comments

Sin Miedo. Cómo afrontar la enfermedad y el final de la vida. Miguel Angel Monge. EUNSA. Pamplona, 2007. 178 págs.

Faz mais de dez anos que este livro estava aguardando o seu momento, repousando na estante do meu consultório. Todo livro tem o seu momento, independentemente de quem seja o autor, ou mesmo da ligação afetiva com a obra em si. Neste caso, o livro está com dedicatória personalizada: “Ao Pablo, médico humanista, com todo carinho de Miguel Angel, capelão hospitalar e também médico humanista”. A data é de 2011, e o motivo foi um encontro com o autor, durante um curso na Universidade de Navarra, onde na época ele era o capelão da Clínica Universitária.

Algumas semanas atrás, preparando uma reunião científica, tropecei com um artigo escrito por médicos intensivistas, solicitando formação em cuidados paliativos. Falar de paliativos para um médico da UTI é como dizer que já não se pode fazer nada. Quer dizer, nada do que eles estão acostumados a fazer: uma luta terapêutica -daí o nome, terapia intensiva- contra a morte. Mas se pode fazer muito, e por isso alguns preferem o nome UCI , como os americanos: cuidados intensivos, que não são necessariamente arsenal terapêutico, mas de outra ordem.

Lembrei do livro de Miguel Angel, e o li de corrido, sabendo que tinha nas mãos as reflexões de um médico de formação, que também foi depois capelão de um renomado hospital, por quase 30 anos. Como sempre acontece com estas demoras, pensei: poderia ter lido isto antes. Mas, como apontado, cada livro tem o seu momento; o meu foi ser acordado por um artigo de intensivistas implorando que lhes explicassem o que é a tal abordagem paliativas. Quer dizer: mostrem-me o que podemos fazer para não me sentir inútil, nem omisso; para colaborar num processo natural que é a morte do ser humano.

O livro tem uma overture sugestiva: uma lista de filmes, que o autor utilizará como dobradiça para girar as diversas portas que abrem nossas mente para o que eu costumo de chamar “Olhar paliativo”. Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual me deu o livro, nossa conexão mútua com o cinema como recurso educacional. Olhar paliativo, insisto, porque a condição paliativa não é um diagnóstico, mas uma situação que requer uma postura médica diferente.

Este esclarecimento, que não é um simples detalhe, faz com que muitos dos que se aventuram por estes caminhos, não saibam percorrê-lo de modo competente:  querem tratar, ou deixar de fazê-lo, um diagnóstico, ao invés de mudar a sua postura perante o paciente nessa condição. Falta-lhes a humildade dos intensivistas do artigo que reconhecem sua ignorância, e pedem ajuda. Neste caso, a ajuda nos vem de quem viu esta situação na trincheira, inúmeras vezes ao longo de mais de três décadas: quer dizer, nada de teorias, nem de protocolos, nem de processos de como administrar morfina e outras drogas. A experiência de quem quer ajudar a construir uma postura perante a morte, de peito aberto, sem medo. Isso explica o título do livro, e o seu conteúdo.

É muito difícil resumir o que no livro se relata, porque não é um manual técnico, e por tanto o melhor é lê-lo diretamente. Eu o fiz em espanhol, mas traduzo livremente algumas passagens, a modo de aperitivo para despertar o apetite do leitor.

Logo no início o autor justifica suas “dobradiças” cinematográficas: “Cinema, porque como diz um diretor, muita gente entra no cinema com a finalidade de explorar um pouco de Humanidade”. E citando Mitterrand -que sabemos tinha gosto por este tema, talvez porque o sentiu na própria pele- quando afirma: “Todos voamos num avião que um dia acabará batendo contra a montanha. A maioria das pessoas esquecem isso. Eu, porém, penso diariamente, talvez porque começo a distinguir a montanha da janela do avião”.

Entre os muitas referências que Miguel Angel recolhe, não podem faltar algumas clássicas. Por exemplo, Elizabeth Kubler-Ross: “Se todos, desde jovens, soubéssemos aceitar a própria morte, não somente o trânsito seria mais fácil, como teríamos uma vida mais rica, viveríamos valores autênticos, saberíamos degustar a alegria de viver”. Por isso, ela afirma que refletir sobre o tema dos cuidados paliativos é no fim: “O que os doentes terminais têm de ensinar a médicos enfermeiras, clérigos e suas famílias”

O autor sublinha que “os cuidados paliativos recuperam a forma mais profunda de compreender e atender o paciente terminal que estão latentes na medicina. São a resposta ao descontentamento dos profissionais e da sociedade para os que estavam ignorando os recursos essenciais de alívio; necessidades que tinham sido ocultadas pela procura do avanço científico e técnico da medicina no século XX”. E a seguir nos oferece o que ele denomina “os dez elementos éticos da  atitude paliativa: Proteger a debilidade, reconhecer a dignidade, relação pessoal para o paciente e família, veracidade, disponibilidade, respeito, trabalho em equipe, respeito à vida e à morte, profissionalismo, atitude perante a dor”. Cada um destes itens daria base a um tratado de antropologia médica, que é  o terreno certo para construir esse olhar paliativo. Esse desdobramento corre por conta do leitor.

Seguem-se mais citações suculentas, que entressacamos do livro, a modo de inspiração. Fala de “Elie Wiesel, sobrevivente de Auschwitz , vendo enforcar um jovem, ouviu alguém perguntar: “Onde está Deus agora?”. E ele disse que escutou uma voz no seu interior: aqui, está sendo enforcado neste patíbulo. ….No cristianismo, Deus faz sua a morte dos inocentes. Deus solidariza-se com a humanidade que sofre. A resposta de Deus não é uma explicação, mas a solidariedade”. E de Claudel: “Deus não veio suprimir o sofrimento, nem mesmo explicá-lo. Veio a preenchê-lo com sua presença”.

Não poderia faltar a referência a Viktor Frankl, onde se recolhe a lembrança do paciente atendido pelo médico vienense, um psiquiatra viúvo e agnóstico em tremendo sofrimento. A saída de Frankl é emblemática, quando lhe faz pensar como seria se a situação fosse a inversa, ele ter morrido, e a esposa ficado viúva. Perplexidade e assentimento do paciente. E o médico continua: “Alegre-se porque o senhor está poupando uma grande dor à sua esposa”- Era isso que eu precisava ouvir, obrigado!” Lá aparece também Gustave Thibon: “Quando o homem está doente, se não está revoltado, repara que quando tinha saúde descuidava muitas coisas essenciais, tinha preferido o acessório ao essencial”.

O difícil tema da “conspiração do silêncio” frente ao paciente terminal, é tema obrigatório. “Nós sabíamos, ela sabia, sabíamos que ela sabia, ela sabia que nós sabíamos”. Esclarecendo a seguir: “Tão perversa como a informação mal administrada, pode ser igualmente ocultar a verdade. Na medicina moderna há tendência de dizer a verdade ao paciente; se não se faz isto, como o doente conhece seu corpo, acaba por perder a confiança no médico”.

Fala-se também da importância da oxigenação do cuidado, quer dizer, de dar trégua à família nestes momentos difíceis para evitar esgotamentos e depois remorsos. Essa é a unidade de respiração, que nada tem a ver com problemas pulmonares, mas a oxigenação que se oferece à família para que respire e descanse neste difícil momento esgotador.

No final, Miguel Angel não deixa passar a afirmação que todos sabemos -ou deveríamos saber- mas da qual esquecemos, talvez distraídos com a técnica moderna. “Curar e aliviar o sofrimento é próprio da profissão medica. Não há divisões onde alguns curam e outros aliviam”. Quer dizer, não é possível terceirizar o cuidado, é algo inerente à profissão médica. Como eu mesmo afirmei há mais de um quarto de século, num dos primeiros livros publicados, o médico que não cuida do ser humano, pode ser um bom mecânico de pessoas, mas não é médico. Por isso, conforta ler a frase que o autor estampa quase no final do livro: “Se o seu médico não consegue tirar a dor, não peça a eutanásia, troque de médico porque o atual é incompetente”.

E conclui: “A diferença do animal. o homem sabe que vá a morrer, e por tanto deve adotar uma atitude e desenvolver uma conduta perante esse fato”. Dessa atitude, dessa conduta, desse olhar paliativo é do que o livro presente nos fala, ou melhor, nos provoca para uma reflexão de sentido, para um encontro com a essência da profissão médica.

Comments 4

  1. Excelente comentário, caro Pablo!
    Estás com um coração melhor a cada dia (e não me refiro aos aspectos cardiológicos)!
    Um grande abraço sulista!

  2. Pablo, realmente excelente!!! A releitura do seu comentário eh fundamental.
    Aguardando a tradução para o português. Um Abraço!

  3. Pois é meu caríssimo doutor! A morte, e seus trâmites, deve ser meditada, lembrada e “estudada” por todos nós, pois é inerente ao “ser humano”. E olhá-la com olhos de bom humor e lembrança de inevitável acontecimento que NÃO É sombrio, ajuda a viver a vida que resta, em qualquer circunstância, de modo sadio e consolador para si e para os que amamos! Se vivemos bem e com bom humor, seremos lembrados gratamente e com sorrisos, não com lágrimas. Afinal, amamos o mundo e os que nos são próximos apaixonadamente, não?

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