Um segundo: Poesia na tela, um Cinema Paradiso chinês!

Pablo González Blasco Filmes 2 Comments

Direção: Zhang Yimou.  Yi Zhang,  Haocun Liu , Wei Fan,  Ailei Yu ,  Shaobo Zhang ,
Fotografía: Zhao Xiaoding. Montaje: Yuan Du. Música: Lao Zai. 105 min.

Comentei, a propósito de Sombra, o último filme de Zhang Yimou que assisti, que não sou versado em cinema oriental. Mas também adverti que quando me aventuro nesses caminhos, acabo por surpreender-me. Com Yimou tem sido assim….desde longa data. E, Um segundo (coloco o link porque até onde consigo ver, carece de nome em português), foi outra agradável surpresa. Mas surpresa oriental, como aquela porcelana chinesa que no início se percebe, nos acostumamos a ela, e com o passar do tempo, sentimos falta de revê-la, de contemplá-la. Suave, delicada, sem barulho. Cinema em low profile, mas que o tempo faz decantar e inserir-se na alma.

Um sujeito caminhando no deserto. Uma órfã malandra que rouba celuloide. Uma criança maltratada porque desbaratou um abajur ….de celuloide. Um empresário que projeta, uma vez e outra, o mesmo filme, um filme propaganda do partido comunista chines. O filho desajeitado que quase deita a perder o filme. As mulheres limpando, lavando, secando as fitas do filme, penduradas como roupa num varal. Um documental prévio, onde a filha do homem do deserto -um presidiário- aparece um instante…..um segundo! E assim, nessas miniaturas delicadas -porque mais do que porcelana, são miniaturas chinesas de velhos códices- Zhang Yimou desenha o seu próprio Cinema Paradiso!

Essa foi a minha conclusão, não quando assisti, porque de início pareceu-me um filme menor. Mas, depois, pensando, tudo foi tomando forma. O cinema oriental, o bom, tem esse efeito retardado, Slow-release como os médicos denominamos algumas apresentações de fármacos. A órfã que rouba celuloide para proteger o irmão; o presidiário que zela pelo filme -que o recupera da ladra, e bate nela- para proteger aquele segundo onde a filha aparece. E o empresário -Sr. Filme, diz a legenda traduzida- que capta o drama, emenda os rolos, e deixa passando, uma vez e outra aquele segundo impactante para um pai dolorido. E o povo que quer ver o filme -filhos e filhas heroicos, diz a tradução- não por estarem alinhados com o partido, mas porque amam o cinema. Amam a projeção, o local desajeitado -quase a praça da cidade onde Alfredo projeta a tela para Totó –Alfredo é belíssimo!!- em Cinema Paradiso, enquanto a trilha de Morricone embrulha o momento. Amam a preparação, e por isso limpam e lavam o celuloide, e circulam entre as fitas dependuradas secando, quase como as roupas no varal, aquelas que Nelson Gonçalves canta em Chão de Estrelas. E o espectador, sem saber exatamente o motivo, sente-se envolvido também naquele palco iluminado da vida, como um palhaço das perdidas ilusões……

Uma avalanche de sensações, de percepções, de detalhes. O presidiário que retorna à cadeia. O Sr. Filme que lhe presenteia com o fotograma de ….um segundo. O deserto. A órfã ladra que acaba de reconstruir o abajur com pedaços de celuloide, lá no fundo, acenando para o homem carregado pela polícia. E a volta, com a procura ineficaz do fotograma perdido na areia do deserto. Olhares que se cruzam, um novo encontro, um entendimento,  uma nova filha.  

Recados do filme? Muitos, acordes com a sensibilidade de cada um. Servidos em miniaturas, que se depositam na alma do espectador. E, com o tempo, sua beleza aflora, descortina, e impacta o coração. Tudo suavemente, sem espasmos emotivos -aos quais os ocidentais somos mais propensos- em delicada cadência. E impele a rever, repassar, uma vez e outra, como aquele segundo mágico, um instante, que é capaz de perdurar. Essa é a arte consumada de Zhang Yimou, um poeta do cinema.

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