Roberto Minadeo : “O Talismã Oculto”.

Pablo González BlascoLivros Leave a Comment

Roberto Minadeo : “O Talismã Oculto”. AZ7 Editora 2022. 229 págs.

Quando recebi o livro, diretamente do autor, com carinhosa dedicatória, pensei que se tratasse de uma versão literária daquele filme intrigante e inspirador: O sexto sentido. A cena onde o menino diz ver mortos que não sabem que estão mortos, circulou inúmeras vezes nas minhas palestras de educação medica e formação de pessoas. O mais difícil é tentar ajudar a quem nem sabe -nem quer saber- que precisa.

Mas o livro, e o Talismã, não tem nenhuma relação que esse cenário. Consiste na sequência de narrativas dos poderes de Paul, desde detetive até bombeiro, passando por salvador de inocentes. Mas falta uma trama que construa tudo isso de um modo lógico e atrativo.

Seria uma espécie de anjo da guarda? Muito acelerado me parece. Uma figura incansável, numa enxurrada de narrativas e ações, sem nenhum parágrafo de reflexão, de transcendência, em puro ativismo , que torna o livro cansativo. Sai da leitura  fatigado, próprio de quem escreve sem pontuação, ao estilo Saramago, mas também com uma trama que se perde. Muita árvore para nunca saber onde está o bosque, ou se o bosque existe. Falo com sinceridade, porque o livro me lembra o meu amigo, professor e escritor, que tem essa mesma caraterística. Um furação de ideias e de ações.

O que aproveitei? Alguns parágrafos, que anotei conforme lia. Começando pelas ironias, onde também descobri o escritor: “Quando se tornou adolescente , Paul pensou que se era ruim para ele  ser órfão, seria ainda muito pior se ele tivesse nascido menina. Esse raciocínio, pobre e talvez errôneo, serviu de consolo”.

E os poderes que outro consideraria um privilégio, mas para Paul são um ônus razoável: “Jamais se vira destinado ao sucesso, todavia sua existência passou a ser vista por ele mesmo como uma roga destinada ao total e inescapável fracasso. Quando alguém se aproximava a um raio de dez metros, Paul começava a ter alguns flashes na visão e conseguia ver, como um filme em sua mente todas as maldades já cometidas pela pessoa em seu passado, devassadas pouco a pouco, de modo que esta pessoa não teria mais segredos a esconder dele. Por conseguinte, ninguém jamais teria qualquer atrativo a Paul: pessoas sem mistérios em nada interessam. É incrível como quem se encontra com a vida totalmente transparente a nua apresenta uma vulnerabilidade tão grande, que apenas pode gerar pena, nunca algum sentimento mais sério e duradouro do que isso”.

É um tema recorrente: até que ponto, bisbilhotar por ter o dom, na vida dos outros, pode acabar com a tua própria vida.  Algo bastante atual, se pensamos nas redes sociais.  “Inúmeras pessoas agradeceriam ou até mesmo chegariam a dar tudo para se verem na posse das raras habilidades que acometiam ao nosso mísero profeta, utilizando-as para obterem proveito pessoal e forma inescrupulosa, ou para prejudicar inimigos (…) Paul, já saciado de tanto desvendar a vida alheia….se via totalmente desinteressado em obter quaisquer vantagens mediante o uso de suas especiais habilidades. Tinha consciência de que se obtivesse qualquer benefício pessoal, seria em prejuízo daqueles de quem devassava as mentes (…) Recebia um bombardeio desumano de informações -em meio ao qual se via obrigado a destrinchar o útil do inútil, o relevante do irrelevante, o intimamente privado e o razoavelmente público. Passou a sofrer diante das imensas possibilidades de tais poderes”

Lá no final, estabeleci uma sintonia com o meu amigo escritor, quando fala: “Há quem se esconda em meio a tantos segredos e mistérios que chega a esquecer a própria identidade. Quase toda mentira é feita sobre partes equilibradas de verdade e fantasias”. E, ai sim, pensei nas redes sociais, nesse mundo para fora, nesse faz de conta e ficar bem na fita. Post e selfies de uma versão atual do clássico Admirável Mundo Novo, onde somente o interessado acredita que atua com liberdade. Um controle diferente ao que Huxley nos apresentava. Agora as pessoas são controladas a distância, os que comandam trabalham no remoto, em confortável home-office, como mostra o filme O dilema das redes.   E todos parecem felizes, com essa nova versão do soma de Huxley, num mundo de faz de conta. Talvez era isso o que Paul visualizava, algo a ser perguntado ao escritor. Sem dúvida, foi o que eu vislumbrei ao ler esse mágico Talismã.

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