The Offer: Os bastidores de um clássico e a arte da negociação.
The Offer. 2022. 18. 9 h 46 min. Criação. Leslie Greif. Michael Tolkin. Atores: Miles Teller. Matthew Goode. Dan Fogler. Burn Gorman. Giovanni Ribisi. Juno Temple .
Não sou de assistir séries, salvo poucas exceções. Apenas quando reputo o argumento como consistente, ou quando a produção merece respeito. Conheço-me e sei que o perigo das séries é a adição, efeito fácil de conseguir com a simples interrupção da trama….que pede uma continuação. Como a seguinte dose do entorpecente…..sem mesmo atender para a qualidade do produto, basta um crack meia boca para ir tocando……
The Offer cativou-me desde o início. Os bastidores da filmagem de O Poderoso Chefão. Uns bastidores reais -apoiados no livro de memórias de Albert Ruddy, o produtor que tornou possível a primeira entrega de The Godfather. São 10 capítulos de 1 hora, que não tem desperdiço. Elegância, realismo verossímil, cativante. Um luxo para os olhos -e para a memória- , dos que vivemos aqueles tempos dos anos 70, quando o filme foi apresentado. Como sempre comento neste espaço, é fora de propósito descrever a trama. E mormente neste caso, porque o resultado é perfeitamente conhecido. Mas o que seduz nesta série são os caminhos que Al Ruddy teve de percorrer para juntar todas as peças e entregar o filme inesquecível, com a marca Paramount!
Mario Puzzo, um escritor desacreditado, decide mergulhar na sua origem italiana, para contar uma história que não é apenas ficção, mas apoia-se na realidade. A comunidade ítalo-americana de Nova York dos anos 60, que acompanha o desenrolar dos fatos -algo que pouca gente devia conhecer- é crédito mais do que suficiente para a ficção dos Corleone. O resultado já sabemos: um best-seller inigualável. Entraves, dificuldades, ameaças e gangsters. Por não chamar máfia, nome proibido entre eles. Acordos, mudanças de roteiro e nomes, articulação de todos os lados, conduzidos com paciência e foco por Ruddy.
Cada um dos capítulos tem momentos inesquecíveis. Somente assistindo, com vagar, para apreciar. Sem preocupar-se com entender tudo. Penso que nem os envolvidos entenderam quando se lançaram nesta empreitada, e somente o tempo – e a escrita das memórias de Ruddy que embasam a série- jogam luz e lógica sobre os fatos.
Puzzo e Coppola cozinhado molho de tomate, enquanto discutem o roteiro. Parece ser algo muito próprio dos artistas italianos. Lembro que Pavarotti, quando esteve em São Paulo, também exigiu uma cozinha para fabricar o seu próprio molho de tomate. Marlon Brando que se transforma em Vito Corleone, inserindo algodão nas bochechas e pintando o cabelo.
E os motivos para aceitar o papel: “Não é pelo dinheiro, é para mexer com Frank Sinatra, penso que é ele o representado no papel de Johnny Fontane. Certo?”. O CEO da Paramount, um austríaco megalomaníaco que somente pensa em faturar, querendo desfazer-se desse ator medíocre, um tampinha que não chega ao queixo da Diane Keaton de salto alto, um tal de Al Pacino. Coppola batendo o pé, quer o baixinho, e os diretores da Paramount tem de negociar com a MGM (que o tinha contratado para uma comédia) e sugerem que substituam Pacino por outro ator italiano, também iniciante, um tal de Robert de Niro.
Filmagem em Nova York, com os custos e a oposição aberta da colônia ítalo-americana (que não a Máfia), algo fora de cogitação. Puzzo e Coppola não abrem mão (como vamos filmar tudo isto na California?). E, fosse pouco, as sequências de Michael Corleone que tem de ser na Sicília, diz Coppola. “E lá que ele se afasta da luz, para entrar nas trevas”. Não há dinheiro, mas Ruddy vai atrás, não sem dar espaço -no próprio time de produção- a outros ítalo-americanos que apoiam o projeto, e liquidam os entraves…..ao modo siciliano!
As sequências da filmagem da produção -que de modo elegante nunca são mostradas, apenas se vê os atores assistindo o filme, nunca a tela- alternam-se com a história paralela dos opositores e dos apoiadores -das famiglias – e quem não viveu tudo isto nos anos 70, se pergunta o que é real e o que é fictício. Se o filme coloca na tela Corleone, Barzini, Sollozzo e Tattaglia os entornos da filmagem nova-iorquina tem a presença simultânea de Joe Colombo, Gambino, Gino e o terrível Joe Gallo. Personagens de vida real, que certamente fariam como o inesquecível Clemenza, fiel servidor de D. Vito Corleone. Após liquidar com um tiro na nuca o traidor, adverte ao aprendiz de gangster: “Deixe a arma no carro, e pegue o cannoli”.
Mas, devo confessar, que acabada a série -que assisti em cômodas prestações, não empacotada num final de semana- além da experiência estética brevemente esboçada nestas linhas, o que também me conquistou, e me fez pensar foi a atitude decidida de Al Ruddy, o homem que esteve por trás deste feliz projeto. Um articulador que, postos a comparar, lembra a personagem de Tom Hagen no filme, aquele papel magnífico interpretado por Robert Duvall. E, neste ponto, os aprendizados continuam, crescem, sedimentam.
Orçamento apertado, os donos querendo resultados -invoca-se o sucesso de Love Story, outro boom da Paramount na época. Filmes e atores que também lembramos -os que pela idade vivemos isto- são evocados. Chinatown, Butch Cassidy…..Robert Redford, Ali McGraw, Jack Nicholson, e muitos outros. Tudo colaborando para tornar o clima verossímil.
E no meio, uma tremenda luta de egos, sem ninguém querer abrir mão do que pensa lhe corresponde. Os chefões da Paramount -que era apenas um investimento a mais de um grupo multinacional; os roteiristas com suas manias ítalo-sicilianas; os atores que atuam por conta própria e acertam suas diferenças. Sequência ótima, quando Sonny Corleone dá uma surra no cunhado, Carlo, porque batia na irmã, Constanza “Conny”. A cena está no filme, basta conferir. Mas o que a série mostra é que o ator de fato bateu sem necessidade em Talia Shire, e Coppola deu “instruções” para o outro ator-irmão, descontar no cafajeste. Quando todos observam que a cena está sendo por demais realista e querem cortar, Coppola pede para continuar….e Al Ruddy apoia com um sorriso.
Voltamos a Ruddy, um alter ego de Tom Hagen na série, um verdadeiro consigliere como diria D. Vito. Foco, determinação e pensar que é possível a conciliação de interesses. Esse é o grande recado que ecoa na minha mente depois que a experiência de ver a série decanta e frutifica. Sobram motivos para se irritar: a total falta de educação do CEO da Paramount, Charlie Bludhorn; a visão estreita e protocolar do seu braço direito, Barry Lapidus; o narcisismo de Bob Evans, personagem de interpretação magnífica; a teimosia de Puzzo e de Coppola. Mas Al Ruddy -imagino eu- tem duas máximas que ajudam muito: não levar nada disso ao terreno pessoal, e buscar saídas de negociação. Como dizem os gangsters no filme , e na vida: “nada é pessoal; apenas negócios”. E o negócio de Ruddy é colocar o filme na tela. O filme e a série, da qual é o também produtor …com 92 anos!
Certamente, os que trabalham com educação corporativa, serão capazes de encontrar nas múltiplas situações que a série oferece, verdadeiros cases que facilitam a discussão, o aprendizado, a arte de saber negociar. Que se inicia -repito- por deixar de lado o aspecto pessoal (a opinião do outro não é necessariamente uma ofensa para me prejudicar, é preciso acreditar nisso!), e continua por saber escutar -magnífica a secretária de Ruddy, incarnada por Juno Temple. É nesse momento, quando se conseguem resultados que vão além dos egos pessoais, integram-se no conjunto. Lá está Kissinger, Secretário de Estado, no lançamento do filme, porque Bob Evans lhe convence a adiar a viagem que tinha previsto para a Rússia: “A mãe Rússia não vai sair do lugar, Henry”. E como a produção é longa, e não permite 5 sessões diárias mas apenas 3, aquele que parecia opor-se ao projeto, saca a carta da manga, e fecha centenas de salas, reservando-as para The Godfather. Um sucesso.
The Offer, os bastidores de um clássico inesquecível. E, nos bastidores desses bastidores, a arte da negociação de Al Ruddy, um exemplo notável de determinação e da ciência da negociação, que torna possível conseguir os resultados almejados. Um verdadeiro presente para os olhos, uma imensa evocação da memória para os mais velhos, uma aula de inúmeros aprendizados modernos e necessários. Vale conferir. Com calma, em doses pequenas, apreciando o paladar do molho de tomate, dos cannoli. E, obviamente, não há como evitar rever O Poderoso Chefão, até a trilogia inteira. Incluída a sintonia da trilha sonora de Nino Rota que é também um despertar para a estética. Confesso que eu nem pude, nem quis evitar, esse desfecho necessário!