Patrick Bringley: Toda la Belleza del Mundo
Planeta, Barcelona, 2024- 217 págs.

Através das críticas literárias que costumo ler, chega-me esta recomendação instigadora. O autor escreve, obviamente, em inglês, mas consigo a versão em espanhol de All the Beauty in the World e traduzo livremente ao português. Mais uma dica para os editores, visto que o livro não está traduzido à nossa língua, e mereceria.
O prefácio que apresenta o livro faz um resumo preciso do que vamos enfrentar, ou melhor, desfrutar. Copio textualmente: “Milhões de pessoas sobem todos os anos a grande escadaria de mármore para visitar o Museu Metropolitano de Arte de New York (MET), mas apenas uma minoria privilegiada tem acesso irrestrito a todos os seus cantos e recantos: são os vigilantes, que circulam discretamente em trajes azul-marinho, com um olhar atento ao tesouro de 185.000 metros quadrados”.
E, logicamente, as motivações do autor: “Absorvido no início de sua glamorosa carreira no The New Yorker, Patrick Bringley nunca imaginou que acabaria por ser um deles. Tudo mudou quando ao seu irmão mais velho foi diagnosticado um câncer terminal, momento em que sentiu a imperiosa necessidade de afastar-se do bulício quotidiano. Assim, deixou o semanário e procurou consolo no lugar mais belo que conhecia. Para sua surpresa, e para deleite do leitor, esse refúgio tornou-se o seu segundo lar durante uma década. Acompanhamo-lo enquanto guarda delicados tesouros do Egipto a Roma, vagueia pelos labirintos sob as galerias, gasta nove pares de sapatos e se maravilha perante as belas obras sob seu cuidado. Bringley entra no museu como um fantasma, silencioso e quase invisível, mas rapidamente encontra a sua voz e a sua tribo: as obras de arte e os seus criadores, e a vívida subcultura dos vigilantes do museu — um magnífico mosaico de artistas, músicos, operários dedicados, imigrantes, brincalhões e sonhadores. À medida que se fortalecem os laços com os seus colegas e com a arte, compreende o quão afortunado é por viver entre as paredes desse pequeno universo que tanto se assemelha às melhores facetas do nosso mundo, ao qual regressa com gratidão de forma gradual”.
Bastaria este resumo como aperitivo que convida a ler o livro. Mas a leitura, a de cada um, é sempre uma aventura individual, uma experiencia fenomenológica. Para tal, cabem os comentários do meu próprio itinerário de leitura, não sem antes advertir que no final do livro, se dispõe um link que leva diretamente até a obra comentada por Bringley.
O autor mescla suas próprias descobertas com os diálogos com os colegas vigilantes: “A fachada do MET era impressionante: de uma forma familiar, grega e cheia de colunas. A magia consistia em que, à medida que nos aproximávamos, ela ia-se tornando cada vez maior, de modo que, mesmo de frente, junto aos carrinhos de cachorros-quentes e às fontes com repuxos, nunca éramos capazes de ver o museu inteiro. Compreendi de imediato que se tratava de um lugar inabarcável (….) Todos estes quadros são preciosos, não achas? Tento lembrar estas pessoas…, os estudantes, os turistas…, lembro-lhes que se trata de mestres. Tu e eu trabalhamos com mestres. Duccio. Vermeer. Velázquez. Caravaggio. Comparados com quem? — Dirige o olhar para os nossos vizinhos da Ala Americana — Algum quadro de George Washington? Enfim, o que queres que te diga? Sejamos sérios”
Começa o percurso e Bringley -lembremos que são dez anos fazendo esses trajetos- vai encaixando em capítulos os diversos mundos do MET: “Uma espécie de corrida de salmão de visitantes sobe a Grande Escadaria em minha direção e ultrapassa-me com a mesma rapidez com que eu seria uma pedra meio submersa. Penso nas muitas vezes em que subi esses degraus no passado, sem que me ocorresse voltar-me para observar a afluência de amantes da arte, turistas e nova-iorquinos, a maioria dos quais sente que o seu tempo dentro deste mundo em miniatura será demasiado breve. Espanta-me que o meu não tenha de o ser”. Os antigos mestres, um capitulo encantador, repleto de quadros e de reflexões: “Se pensarmos na ala dos Antigos Mestres do MET como uma cidade, ela tem quase 9.000 habitantes pintados (8.496 quando, anos depois, faço minha contagem galeria por galeria). E ocupam 596 pinturas, coincidentemente pintadas quase no mesmo número de anos. O que une os Antigos Mestres é apenas o fato de eles serem anteriores a tudo isso. Eram artesãos que trabalhavam em cidades medievais cujos portões eram trancados contra os perigos das noites escuras como breu. Ou eram cortesãos de meias de seda, ávidos por uma audiência com a Senhora Fulana de Tal. Ou eram monges piedosos, propagandistas imperiais, retratistas acessíveis de uma classe média emergente.

Deambulando pelo ala dos antigos mestres, fui detido e capturado por Os Ceifeiros de Pieter Brueghel, de 1565. Respondi a essa magnífica pintura de uma forma que hoje considero a essência do peculiar poder da arte: experimentei a grande beleza do quadro apesar de não ter a mínima ideia do que fazer com ela. Não conseguia esvaziar aquele sentimento falando sobre ela, pois não havia muito a dizer. O belo do quadro não era com as palavras, mas com a pintura: silencioso, direto e concreto, resistente à tradução até mesmo em pensamentos. Assim, minha reação ao quadro ficou presa dentro de mim, como um pássaro agitado no peito. E eu não sabia como interpretar aquilo. É sempre difícil saber como interpretar. Eu ansiava por me tornar sofisticado e pensava que, com as ferramentas acadêmicas adequadas e a terminologia atualizada, poderia aprender a analisar arte adequadamente e, consequentemente, nunca me faltaria algo para fazer com ela”. “Meus olhos vagueiam por um dos cômodos domésticos silenciosos que Vermeer adorava pintar. Percebo uma criada sonolenta, com a bochecha apoiada na palma da mão, enquanto atrás dela a lareira vazia e bem cuidada é banhada pela luz sagrada de Vermeer. Estou maravilhada com a pintura porque não consigo acreditar que ela capturou aquela sensação que às vezes temos de que um ambiente íntimo possui uma grandeza e santidade próprias.

“O próprio nome, Veneza, está relacionado ao latim venetus, que significa mar azul. O veneziano mais proeminente do século XVI foi Tiziano Vecellio, que envolvia suas cenas em uma atmosfera rosada, como se misturasse seus pigmentos em água parada e vinho tinto. Pode-se dizer que os Antigos Mestres canalizaram tudo o que possuíam — todo o seu talento e energia, todo o seu encanto e admiração — em uma única história de uma vida curta e dura”

Continua o itinerário de Bringley, também misturado com suas lembranças pessoais: o sofrimento da perda do irmão, a dor da sua própria mãe. E os quadros que encaixam nessa vivência. “Caminhando novamente, fico impressionado com a forma como os aspectos mais prolixos da vida de Jesus (sua pregação, além de sua história) são quase completamente ignorados. Não consigo encontrar uma única pintura do Sermão da Montanha, por exemplo, e tentativas de ilustrar uma parábola são raras. Os Antigos Mestres tinham quase certeza de que as partes mais ressonantes de sua vida eram seu início e seu fim. Além disso, para cada pintura de Cristo como um ser sobrenatural (Ressurreições, Ascensões, Cristos Entronizados), há meia dúzia que são agressivamente corpóreas, com uma auréola como o único sinal de que esse sofredor era mais do que humano. Não estou interessado em descobrir nada de novo ou sutil nas pinturas de Jesus.

Na minha opinião, Daddi pintou sofrimento. Sua pintura é sobre sofrimento; ele não tem nada além de sofrimento em mente; e ou olhamos para ela para sentir o grande e silenciador peso do sofrimento, ou não vemos a pintura de forma alguma Contra um fundo dourado opaco, retratava um jovem muito bonito, mas claramente morto, cujo corpo estava sendo segurado pela mãe, que abraçava o filho como se ele estivesse vivo; uma cena designada como Lamentação ou Pietá (…) Minha mãe sempre fora boa em chorar em casamentos ou filmes, mas isso era diferente. Ela escondeu o rosto entre as mãos e seus ombros tremiam, e quando encontrei seus olhos, vi que ela chorava porque seu coração estava ao mesmo tempo cheio e partido, porque a pintura inspirava amor nela e lhe trazia conforto e dor. Quando veneramos, apreendemos a beleza. Quando lamentamos, vemos a sabedoria do antigo provérbio: ‘A vida é sofrimento’. Uma grande pintura pode parecer uma laje de rocha pura, um fragmento de realidade muito cru, direto e comovente para ser expresso em palavras.

Nesta altura -como ao longo do livro- adianta conclusões que são impactantes: um novo modo de ver, ou melhor, de sentir a arte: “Acredito que grande parte da melhor arte tem como objetivo nos lembrar do óbvio. ‘Isso é real’, é tudo o que diz. Vamos parar e imaginar mais plenamente as coisas que já sabemos. É curioso a forma em que a arte de debruça com tanta simplicidade sobre uma tela ou um marco”
As referências aos antigos também constam, salpicadas de reflexões: “O Egito é um lugar singular para se trabalhar. É um departamento imenso, com espaço suficiente para exibir quase todos os 26.000 objetos da coleção egípcia — um luxo pelo qual a maioria dos outros departamentos curatoriais do MET mataria para ter. No entanto, apesar do seu tamanho, possui um grau incomum de unidade, pois todos os seus objetos são essencial e retumbantemente egípcios. Nenhuma civilização foi tão única ao longo de um período de 3.000 anos quanto os antigos egípcios, cuja estética é reconhecível assim que se entra nestas galerias. Entre muitas outras coisas, o Egito é um puro presente para a nossa imaginação: o Vale dos Reis, as pirâmides, as cheias cíclicas do Nilo… Parece fantasia, mas é verdade”.
E novas conclusões sobre o modo de apreciar a arte, que são, na minha opinião o grande ensinamento do livro: “Lembro-me novamente de como são diferentes as experiências de ler livros e observar arte. Com o tempo, desenvolvo um método para abordar uma obra de arte. Resisto à tentação de procurar imediatamente algo singular em uma obra, o ‘grande negócio’ que atrai a atenção dos escritores de livros didáticos. Procurar características distintivas significa ignorar a maior parte do que uma obra de arte é. O primeiro passo em qualquer encontro com a arte é não fazer nada, simplesmente observar, dar aos nossos olhos a oportunidade de absorver tudo o que está diante deles. Não devemos pensar: ‘Isto é bom’ ou ‘Isto é mau’ ou ‘Esta é uma pintura barroca que significa X, Y e Z’. O ideal é que, no primeiro minuto, não pensemos em absolutamente nada. A arte leva tempo para fazer seu trabalho em nós” Sempre misturadas com suas lembranças da vida que levava até converter-se num vigilante: “Minha mesa dava para o Empire State Building. Isso é muito diferente da faculdade, pensei. Aquele era uma espécie de mundo de brincadeira, argila nas mãos de um aluno. Era uma instituição tão icônica e inflexível quanto a torre do lado de fora da minha janela. Eu não a moldaria; ela me moldaria. Eu estava pronto para ser remodelado no famoso estilo da New Yorker. Isso deveria ter servido de aviso: eu estava praticamente ofuscado pelas luzes brilhantes. Mas é muito difícil, quando você está em alta (“Onde você disse que trabalha? Na New Yorker?”), aceitar que não é você; é apenas a luz”.

“No mundo de Monet, não existe luz solar, apenas cor. Monet espalhou a cor da luz solar como o divino criador de seu pequeno universo. Ele a espalhou, salpicou e fixou na tela com tanta maestria que sou incapaz de pôr fim ao seu brilho incessante. Observo a pintura por um longo tempo, e ela se torna mais abundante; não vai acabar”
Bringley traz dados sobre esse universo enorme que é o Museu de Arte: “O acervo do MET consiste em mais de dois milhões de objetos, ou aproximadamente um para cada novecentos centímetros quadrados de espaço disponível na galeria, portanto, apenas uma fração está em exposição a qualquer momento. O MET recebe quase sete milhões de visitantes por ano. Isso é mais do que os Yankees, Mets, Giants, Jets, Knicks e Nets juntos. Mais do que a Estátua da Liberdade ou o Empire State Building. É menos do que o Louvre ou o Museu Nacional da China, mas, em termos de museus, essa é a lista completa. Cerca de metade de seus visitantes são estrangeiros e, da metade, dos Estados Unidos, metade vem de fora da cidade. O MET tem uma política de ‘pague o quanto quiser’, então dinheiro não é problema, e muitas pessoas passam um dia no museu com o espírito de um passeio a um parque público”.
E sua atividade como vigilante, formatada também pelo contato com os colegas, uma riqueza oculta que palpita nos bastidores do Museu: “Falando rapidamente, revelo minha dedicação ao que faço, que gostaria de ser vigilante para sempre, pois que necessidade haveria de fazer qualquer outra coisa? É simples e direto; você aprende coisas, e seus pensamentos são inteiramente seus. Na verdade, não só gosto do nosso trabalho, como me ofendo com a ideia de que um dia possa deixar de gostar dele. Seria indecente, estúpido, até mesmo traiçoeiro, opor-me a um trabalho tão honesto e pacífico. Não, prefiro ser grato — grato pelos pisos de madeira lisos e pela arte antiga (…) No MET, conheço vigilantes que comandaram uma fragata na Baía de Bengala, dirigiram um táxi, pilotaram um avião comercial, construíram estruturas de casas, cultivaram, deram aulas em jardins de infância, patrulharam como policiais, escreveram relatórios especializados para um jornal e pintaram características faciais em manequins de lojas de departamento. Eles são de cinco continentes e cinco distritos. Na realidade, os observadores nada mais são do que um eu secreto mal disfarçado sob ternos azul-marinho. Conversa após conversa, estou descobrindo isso. Depois de acalmar nossas mentes pensantes para vivenciar a arte, vamos querer reativá-las, nos reafirmar e, assim, aprender ainda mais”
O contato com o público é outro prato cheio para as vivencias de Bringley. As pessoas, variadas, peculiares, como as próprias obras de arte. Toda uma experiência: “Muitos visitantes pensam que o MET é um museu de história da arte, onde o objetivo é aprender sobre a arte e não a partir dela. Muitas pessoas presumem que existem especialistas que sabem todas as respostas certas e que este não é um lugar para leigos investigarem minuciosamente os objetos e extrair deles todo o significado possível. Quanto mais tempo passo no MET, mais me convenço de que não é um museu de história da arte — pelo menos não sua função principal. Seus interesses se elevam aos céus e descem às sepulturas infestadas de vermes, e abordam praticamente todos os aspectos de como se sente e o que significa viver no espaço intermediário. Não há especialistas nisso. Acho que levamos a arte a sério quando tentamos discernir o que ela revela de perto”
Outra variante, com pessoas de credos diferentes: “Um visitante muçulmano devoto me pergunta se estamos voltados para o leste. Ele e eu estamos olhando para um nicho de oração chamado mihrab, que orienta os fiéis na direção de Meca. Penso por um momento e respondo que sim. Ele pergunta se tem permissão para rezar. Respondo que em silêncio, claro, mas que tememos que as prostrações representem um risco de tropeçar. Ele me agradece, junta as mãos e olha fixamente para o nicho. Faço o mesmo e penso no que deve significar ter um único ponto central, neste caso uma latitude e longitude verdadeiras, para orientar nossa fé. Para o visitante, esta obra de arte é uma porta de entrada para o outro lado do qual reside a santidade como ele a entende (…) A palavra religião contém a raiz lígio, que significa ligar. Em sua forma básica, é um re-amarrar, um retorno do nosso foco a certas verdades elementares, conforme percebidas por uma comunidade. Não pertenço a nenhuma tradição religiosa específica, mas frequentemente sinto a necessidade de me ater novamente, de deixar de lado preocupações triviais e comungar com algo mais básico”.
O seu contato com o público jovem também aparece nestas memórias: “Resisti por muito tempo, mas encontrei meu grupo de jovens com a mesma mentalidade que me fazem sentir menos sozinho. Estamos no final dos vinte e no começo dos trinta, uma idade em que você deixa de se gabar para os amigos e começa a se apoiar neles. É uma idade complicada. A fase de aprendizado da vida adulta está chegando ao fim, a verdadeira vida adulta está se aproximando e você precisa decidir o que fazer da sua vida novamente, talvez desta vez de verdade (…) Sinto que quanto mais exploro, quanto mais vejo, mais entendo o quão pouco vi. Sinto que o mundo é um excesso de detalhes que se recusam a se fundir”.
Os benfeitores que tornaram possível o MET são também citados: “O MET adquire obras de arte por meio de doações, legados e aquisições, e ninguém, ao que parece, é mais responsável pelo poder de compra do MET do que Jacob S. Rogers. Por razões que só ele conhece, o velho rabugento ostracizou sua única família (alguns sobrinhos e sobrinhas recebiam uma ninharia) e deixou para o MET sua fortuna de cinco milhões de dólares, uma quantia impressionante na época. Num piscar de olhos, o fundo do MET tornou-se um assunto sério. O dinheiro de Rogers rende juros até hoje. E tudo graças à malícia ou ao capricho, e, claro, aos vagões de aço que expelem fumaça por todo o continente”. E as variantes americanas que contribuem para o acervo também estão presentes: “O ianque Samuel Colt escolheu a imagem para apelar à sensibilidade de seus primeiros clientes mais importantes: os Texas Rangers. Seu revólver revelou-se exatamente a arma necessária para travar a guerra contra os comanches e expulsá-los de suas terras. Não apenas no Texas, mas em todo o continente, as armas naquela vitrine se tornariam o instrumento por excelência para a construção do império americano, substituindo as tribos indígenas cujos guerreiros podiam disparar flechas a uma taxa de uma a cada dois ou três segundos, muito mais rápido do que armas de fogo… até chegar o revólver. “Deus criou os homens; Sam Colt os fez iguais”, dizia-se no Ocidente.

Há vários capítulos dedicados ao renascentistas. Escreve Bringley: “Os artistas renascentistas tiveram que inventar novas maneiras de fazer as coisas. De ver as coisas, na verdade. Maneiras que prestassem atenção ao mundo visível (superfícies, flores silvestres, nossos corpos, nossos rostos), mas que, ao mesmo tempo, expressassem sua crença em harmonias e hierarquias divinas. O mais incrível é que eles conseguiram. A maneira como aprenderam a equilibrar as coisas, a harmonizar o acidental e o eterno, influencia a maneira como você e eu vemos hoje. Isso afetou gerações de artistas. Estamos contemplando o primeiro trecho dessa estrada, um tanto acidentada, mas muito nova e muito bonita, na minha opinião”.

E, com um protagonismo especial de Michelangelo, como não poderia deixar de ser: “Gosto de ouvir sobre as inseguranças de um mestre; suspeito que elas façam com que a maioria de nós se sinta menos sozinha. Desde a abertura da exposição, tenho devorado as cartas desesperadas e rabugentas de Michelangelo. ‘Perco meu tempo sem resultados… Que Deus me ajude!’ é um verso que continua me assombrando. De fato, suas primeiras dezenas de giornates foram fracassos miseráveis, marcados por aplicações inadequadas de gesso, um erro de amador. Ele implorou ao Papa permissão para renunciar. Não parece ter havido nenhuma parte dele que se deleitasse com a impressionante grandiosidade da encomenda. E, no entanto(…) Contando, podemos ver que Michelangelo passou cerca de 570 dias naquele auge com suas paletas, pincéis, potes de tinta e sacos de areia e cal. Claramente, Michelangelo era capaz de sentar-se diante de uma página em branco, esquecendo seus problemas, dedicando-se completamente ao trabalho que tinha pela frente e deixando seu amargo lamento para depois. Duvido que haja uma fórmula melhor para alcançar coisas difíceis. Quando, após quatro anos, todo o teto foi concluído e ‘o mundo inteiro podia ser ouvido correndo para vê-lo’, segundo um contemporâneo, Michelangelo simplesmente escreveu estas palavras ao pai: ‘Terminei a capela que estava pintando; o Papa está muito satisfeito’. Em seguida, acrescentou: ‘Outras coisas não saíram como eu esperava. Culpo estes tempos, que são muito desfavoráveis à nossa arte, por isso’. Hoje, nos referimos a esses tempos “desfavoráveis” como o Alto Renascimento.

E do Renascimento, volta atrás para um tributo especial a um mestre do Quatrocento italiano: “A Crucifixão de Fra Angélico. O corpo de Cristo parece ter sido pregado ao mastro de um navio sacudido pela tempestade. É o centro em torno do qual o resto do mundo parece balançar e girar. Um corpo gracioso e quebrado, lembrando-nos mais uma vez do óbvio: que somos mortais, que sofremos, que a coragem no sofrimento é bela, que a perda inspira amor e luto. Esta parte da pintura realiza a obra da arte sacra, colocando-nos em contato direto com algo que conhecemos intimamente e, no entanto, que ao mesmo tempo continua a exceder a nossa compreensão. Aparecem nos itinerário de Bringley muitos outros artistas: Picasso, Mary Cassat, Van Gogh, enquanto aponta as normas de segurança do MET: as cópias que os amateur queiram fazer tem de ser 25 por cento menores que as originais.

E revela suas surpresas continuas, quando olha para os quadros variados: “Isso é tudo o que posso dizer sobre as colchas no meu primeiro dia de trabalho na exposição, mas meu coração bate forte, dizendo que são lindas. Elas são feitas com muitos tons de branco, azul-claro e azul-esverdeado. Eu não sabia que o branco podia ter nuances, mas ela as criou usando tecidos reaproveitados — talvez tiras de roupas velhas, desbotadas pelo sol, usadas no campo. Essas são as cores da vida real, não de materiais de belas artes”.
Concluindo minha própria experiencia de leitura -onde logicamente consultei o link para contemplar as obras de que fala Bringley – junto um par de parágrafos na tentativa de resumir esta viagem fascinante. Iniciando pela própria impressão do autor: “Enquanto me aproximo para observar as pessoas, me pego silenciosamente ensaiando o conselho que daria aos visitantes do MET depois de dez anos como segurança. É uma mensagem que carrego comigo e espero compartilhar, especialmente com meus filhos. Quando o MET parece diferente, muitas vezes é o espectador que mudou. E sentirei falta das conversas diárias, despretensiosas, afetuosas e descontraídas entre colegas que só têm tempo disponível. “Nada para fazer, e o dia todo para fazê-lo”, às vezes brincamos.”.
E o fecho final, com o qual me identifico completamente: “Para mim, é a própria definição de arte: algo mais belo do que deveria ser. A melhor arte é produzida por pessoas limitadas por suas circunstâncias que se esforçam ao máximo para criar algo belo, útil e verdadeiro. A arte consiste em simplicidade e mistério, lembrando-nos do óbvio e explorando o desconhecido”. Como se advertia no Prefácio, este livro “é um retrato surpreendente e inspirador de um museu magnífico, dos tesouros escondidos e as pessoas que o mantêm funcionando, escrito por dois de seus observadores mais íntimos”. Sem necessidade de mais comentários!