UM NOVO HOMEM
UM NOVO HOMEM (Renaissance Man) Diretora: Penny Marshall. Danny DeVito, Gregory Hines, James Remar. USA 1995. 138 min
Os filmes de professores voltam à moda, ou melhor, nunca passaram dela. É natural; o poder de cultivar seres humanos é uma das maiores paixões que alguém pode ter na vida. Comunicar o próprio interior, extrair do aluno potencialidades ocultas fazendo-lhe dar o que de melhor tem. Esculpir personalidades, moldar temperamentos: um trabalho de ourives que requer paciência, empenho, arte e muita doação.
“Um novo homem” é um filme-professor, sem poesia nenhuma. Não tem o romantismo de Adeus Mr. Chips, nem as doçuras de Ao Mestre com carinho, nem a força dramática de Mr Holland: adorável professor . É uma versão “arroz com feijão” de filme-professor, um retrato do prosaico. Por isso é apresentado em moldes de comédia, abrindo espaço para a caricatura e para o grotesco. Mas o humor não tem porque estar brigado com os valores humanos de fundo, e as comédias, quando de bom gosto -produto cada vez mais difícil de encontrar- são ingrediente importante para ressaltar as qualidades humanas.
Bill Rego, o nosso professor, é um publicitário cinquentão que, da noite para a manhã, encontra-se desempregado. Competente e com Master universitário não se pode dar ao luxo de escolher o emprego que gostaria. Assim deve aceitar o que vier; e o que vem, através de uma agência, é dar aulas no exército. Um programa experimental que inclui 8 recrutas dos menos favorecidos intelectualmente -os casos difíceis- para um curso intensivo de 6 semanas. Aulas do quê? Tanto faz; em princípio de humanidades, pois, afinal, trata-se de fazer os alunos pensar com a esperança de que à melhora do raciocínio se siga um desempenho castrense aceitável.
Uma trama de comédia, que não deixa lugar a dúvidas. Um professor baixo, gordo e nada atraente como modelo de humanista. Um ambiente de quartel, que sem pretender criticar, mostra com felicidade o contraste da situação reinante: louvor aos músculos, desprezo pela cultura. E um grupo de alunos incapazes de motivar o professor mais entusiasta. “Eu nunca ensinei nada e vocês nunca aprenderam nada de modo que…boa sorte para nós todos”. Está armado o argumento. Agora é só descascar o abacaxi.
A vida que vivemos tem grandes semelhanças com esta situação que, se para um espectador pode ser cômico, para os protagonistas é muitas vezes patético e desconfortável. Nem sempre se pode fazer o que seria desejável; aliás, quase nunca se pode. E o que deve de ser feito tem pouca poesia e muita prosa, quer dizer, é prosaico, fosco, sem brilho. O arroz com feijão do quotidiano é versão da vida em branco e preto. A possibilidade de colorido cabe a cada um. E colorir as situações é condição de sobrevivência, necessidade vital, rebeldia de quem se nega a gastar os dias e os anos em situação de simples duração biológica.
Penny Marshall, diretora sensível para o sentimento humano -basta lembrar Tempo de Despertar, por exemplo- toca com acerto a questão e descortina, entre as linhas de uma comédia bem filmada, perspectivas atraentes. Ensinar é mais do que comunicar informação, despejar conhecimentos. Quando se ensina com decisão nos deparamos com o homem, com o seu interior onde se encontram os dramas, as tragédias, as alegrias e os possíveis traumas e bloqueios. Ensinar é necessariamente envolver-se, chegar à sintonia interior, onde as almas se desnudam mostrando as feridas por cicatrizar, os medos que deverão superar-se, e as carências que mendigam pelo estímulo que revigora. Ensinar é chegar ao fundo da pessoa e não apenas formatar conhecimentos em mentes desumanizadas, empilhando cultura por atacado.
Uma comédia com cenas tocantes. Algumas -o desafio da torre de assalto para resgatar a confiança dos alunos- apresentadas de modo quase grotesco, nada emotivo, mas significativas de um esforço real. Outras, como a declamação de Henrique V por conta do recruta, emocionantes. E no seu conjunto um filme de idealismo com pé no chão.
Idealista, o verdadeiro idealista não é aquele que se lamenta de não poder realizar seus sonhos grandiloquentes, o que de melhor almeja; é, sim, aquele que na condição prosaica em que se encontra faz do melhor modo possível o que pode ser feito, sem queixas, sem reclamações, pisando em cima do próprio orgulho para poder chegar mais alto e de lá puxar pelos outros. Grandes doses de boa vontade, esforço, compreensão real do problema: ingredientes de um idealismo que sem ser brilhante acaba sendo heroico, eficaz, útil. E que sempre recolhe frutos de humanidade e acaba se colorizando, tornando-se poesia. Como as obras de Shakespeare na mão de Bill Rego: uma arma devastadora da ignorância para extrair do ser humano desejos de superação.