FRANKENSTEIN DE MARY SHELLEY
(Mary Shelley´s Frankenstein)
Diretor: Kenneth Branagh. Kenneth Branagh, Helena Bonham Carter, Robert de Niro.1994. 123min.
O diálogo do monstro com o seu criador, no interior da caverna próxima ao Polo, é de uma atualidade enorme, nestes tempos onde se discute e se briga pela clonagem terapêutica, pelas células-tronco, pelo direito de viver, de morrer, de matar, de sobreviver. A atualidade não é tanto do conteúdo científico –que, naturalmente, evolui com os tempos e com as conquistas da técnica- mas do sentido que a ciência procura para orientar-se. Isso diz respeito ao que é possível fazer, e ao que se deve fazer de fato. A ética sobre a técnica, o norte que a guia, ou, em linguagem de hoje, a bioética por envolver as ciências da vida. A atualidade vem, afinal, de algo alheio à própria técnica, da filosofia –antropologia, por ser filosofia do homem- que é onde se podem encontrar as razões para aplicar, ou não, os progressos científicos.
No contexto que nos ocupa vem à memória uma carta que alguns anos atrás tivemos oportunidade de ler. Era de uma jovem universitária que tendo sido “fabricada” com fecundação artificial anônima, reivindicava o direito de conhecer o seu pai. O progresso técnico também faz crescer as reivindicações na mesma proporção e, recentemente, houve notícia de um adolescente que através de sites de pesquisa e de interligações na web, conseguiu doando seu material genético, atingir o doador anônimo de esperma a quem lhe deve a vida.
Robert de Niro, metamorfoseado em monstro interroga no fundo da caverna –que é quase a de Platão, pois as questões colocadas são de importância vital e as perguntas têm uma provocação Socrática- o cientista Viktor Frankenstein. “Quem sou eu? Matéria? Como consigo tocar a flauta? O que você fez de mim?” O Dr. Frankenstein, confuso, responde; “Há algo na minha alma que não consigo entender”. E o monstro: “Tua alma? E a minha?: Eu tenho alma, ou você esqueceu desse detalhe? Alguma vez ponderou a responsabilidade das suas ações? Você me fez, não sabe quem sou nem se tenho alma, e eu é que sou o mau da história aqui?” Não se podem colocar maiores nem melhores interrogantes com menos palavras.
A ciência tem os seus ritmos, e acumula progressos. Mas carece de orientação, ou melhor, espera que os homens –os cientistas- lhe confiram a orientação adequada. Já dizia um pensador que a técnica fabrica carros confortáveis e rápidos, mas é incompetente para nos dizer onde temos que nos dirigir com eles. Isso fica por conta do piloto. Não é simples detalhe –como a alma, da qual Frankenstein parece ter esquecido ao fabricar o monstro- mas algo essencial. Não parar para pensar o que vamos fazer com esse progresso que se nos oferece, porque estamos muito envolvidos na corrida científica, equivale a não parar para colocar combustível porque se está com pressa, ou não verificar o caminho que se escolhe pela mesma razão: urgência. As consequências são previsíveis, e antes ou depois o carro para, ou nos leva a um lugar que não desejaríamos.
Os argumentos e as infindáveis discussões que a bioética coloca em cima do tapete todos os dias, não podem ser discutidas a nível molecular. Não é o DNA quem dá sentido à vida, nem conseguimos apurar os sentimentos com exames sofisticados e ressonâncias magnéticas cerebrais. O plano é outro. Não é possível somar litros com centímetros, as dimensões são diferentes. É no campo da responsabilidade, do peso de cada uma das ações onde se ganha –ou se perde- a batalha da ética e de qualquer das suas variantes. Responsabilidade que vem de raiz latina que significa resposta –responder- e ao mesmo tempo pesar, ponderar, pondeo. E, como estamos na caverna de Platão, podemos convocar outros filósofos que nos falam do peso, da medida, da responsabilidade e do amor. Ortega y Gasset cita a Santo Agostinho, como um dos homens que mais profundamente pensou sobre o amor, quando diz: “Amor meus, pondus meus” – quer dizer, meu amor é o meu peso, amor é gravitar para o amado. Um belíssimo desafio que se eleva sobre as discussões metabólicas e moleculares para colocar no campo do amor – que é doação, respeito, veneração pela dignidade humana!!!- as soluções que a criatura oferece ao irresponsável cientista, no fundo da caverna.