MINHA VIDA
MINHA VIDA (My life) Diretor: Bruce Joel Rubin. Michael Keaton, Nicole Kidman, Hanig S. Ngor. USA 1993. 102 min
O tema da morte, da morte certa, é sempre difícil de enfrentar: na vida e, em consequência, no cinema. Por outro lado, contar com um referencial fixo, final previsível, -a morte que se aproxima- confere novas perspectivas a uma vida em declínio. Alteram-se as hierarquias e prioridades, surgem sentimentos adormecidos, superam-se mágoas que no contexto carecem de importância, arrancam-se atitudes heroicas. Claro está que tudo depende do modo como encara a morte aquele que está envolvido no processo. Vale a pena lembrar, por exemplo, de Bette Davis em Vitória Amarga (Dark Victory, l939) para compreender como as pessoas mudam perante a morte que surge inexorável.
A morte, como fato concreto, mesmo sendo um evento diário, torna-se único quando nos atinge. Acertado comentário o de Gustavo Corção, em suas Lições de Abismo sobre a surpresa que a morte concreta, do conhecido, provoca. Descreve que “o fenômeno mais trivial do universo, personalizado, toma proporções de maravilha. E todos -uma gente cansada de ir a Missas de sétimo dia- todos se admiravam do cadáver do Ferraz, como se estivessem a contemplar uma aurora boreal”
“My life” não chega a considerações tão profundas, e tal vez está aí sua limitação. Mas aborda o tema com coragem, sendo o protagonista um homem jovem cuja esposa espera o primeiro filho. O filme mostra a decisão de viver numa competição serena e corajosa contra o tempo para ver o filho que nascerá. E o desejo maior: deixar para ele uma herança, não material mas sim de valores, de lições de vida.
O paciente lança um apelo contundente ao médico que, sentindo-se impotente com sua técnica, simplesmente afirma que “não há mais nada a fazer”. “Você não me pode tirar a esperança: é o único que tenho”. Dizer que não há nada a fazer é carimbar o passaporte para retirar-se pela porta dos fundos, abrindo mão de acompanhar o paciente até o final. É uma desculpa em versão técnica, que oculta a incompetência das possibilidades humanas de cuidar, que todo ser humano possui e que os médicos deveriam ter por vocação.
Não é fácil enfrentar a morte, e a sistemática fuga que contemplamos nos dias de hoje é reflexo de um despreparo real para pensar no tema, e até para viver com realismo. Eutanásia, qualidade de vida, aliviar o sofrimento são termos que se misturam e, não infrequentemente, se utilizam ao sabor das necessidades de cada um. Quantas vezes advogar pela qualidade de vida de alguém limitado, é querer tirar-se o peso de cima –por não dizer literalmente o morto- porque nos incomoda ter de conviver com o sofrimento, porque no fundo dá trabalho e não pouco. O que se coloca em jogo é a nossa qualidade de vida tendo de conviver com alguém que sofre; e o sofrimento alheio incomoda, porque faz questionar-se nossa missão neste mundo.
Marie de Hennezel, uma psicóloga que trabalha com cuidados paliativos e mergulha com valentia no tema da morte, escreve no seu livro A morte íntima: “A morte, a que um dia nos tocará viver e que hoje nos tira amigos e conhecidos, é também o que nos impulsiona a não ficar na superfície das coisas e dos seres humanos, e nos empurra a entrar na sua intimidade. O fato de que a morte nos angustie tanto talvez se deva a que nos coloca de cara com as últimas perguntas, as autênticas, essas que muitas vezes deixamos para responder depois, em outra ocasião, quando tenhamos tempo e sejamos velhos e sábios”
Voltamos ao filme, que destila valores que vão desfilando ao longo da produção: o carinho de lar, a importância de compartilhar alegrias, penas e angústias, tão próprio da condição humana; a necessidade de perdoar, superando velhas mágoas, atitude que engrandece quem perdoa. Tudo, mostrado de modo muito “americano”, o que desembaraça o dramático da situação e até incide em gags cômicos. Mas, nem por isso, perde-se a mensagem sobremaneira útil: é necessário balizar a vida em termos realistas, contando com a limitação do tempo e da própria existência. Daí que para enfrentar a morte com coragem, sem medo, enfim, para saber morrer com dignidade é preciso aprender a viver pautado em valores perenes, que estruturam uma hierarquia sólida. Saber morrer é, antes de tudo, saber viver pois a morte é um passo a mais -o último- no caminho da vida. Essa é a melhor herança que um homem pode deixar àqueles que ama.