Heinrich Von Kleist: Michael Kohlhaas.
Heinrich Von Kleist: Michael Kohlhaas. Grua Livros, São Paulo, 2014. 155 págs.
Eis um livro, pequeno e surpreendente, que repousava na minha prateleira e que por algum motivo decidi tirar do seu repouso e li em dois tempos. Breve, direto, um pouco barroco na sua narrativa. Escrito por um autor que também teve um final trágico, saturado como estava do espírito romântico na transição dos séculos XVIII ao XIX. Parece que se converteu num clássico, e conforme avançava na leitura perguntei-me o motivo desse predicado. A resposta, certamente, reside no conteúdo mais do que na forma que, insisto, pareceu-me pouco atrativa.
O autor relata a trágica história de um comerciante de cavalos, honesto, íntegro, que ganha a vida com o seu negócio. Michael Kohlhaas, o criador de cavalos, injustiçado, lesado nas suas propriedades pela arbitrariedade de senhores aristocratas nobres, que faltam à palavra, e exigem uma lealdade que eles nunca souberam dar. Busca a reparação, bate em todas as portas infatigavelmente, e comprovando que nada funciona, e que ninguém liga, decide tomar a justiça pelas suas mãos. Um romance breve, inspirado em fatos reais -até Lutero aparece nele- que faz a ponte de literatura romântica para o realismo alemão.
Assim descreve o escritor ao protagonista, e explica a tragédia que se cerne sobre ele: “Temente de Deus, criava os filhos que a mulher lhe dera para serem trabalhadores e leais; não havia um entre seus vizinhos que não tivesse desfrutado de sua bondade ou de sua justiça; em resumo, o mundo haveria de abençoar a memória daquele homem, não tivesse ele exacerbado numa virtude. O senso de justiça, porém, fez dele um bandoleiro e assassino”.
O senso de justiça – a busca pela justiça- virou-se contra ele. Eis o paradoxo que Von Kleist, imbuído do espírito romântico do início do século XIX nos coloca. E, de fato, o protagonista, injustiçado busca a reparação por todos os caminhos, utiliza os meios legais, escuta as partes envolvidas no litígio. Mas somente encontra a incompreensão, a indiferença e, no final a injustiça maquiada de mecanismos legais. Um panorama do mais atual que me fez pensar se o livro não teria pulado da prateleira para a minha mão, empurrado pelos desafios contemporâneos que vivemos.
Kohlhaas, que nunca foge da justiça, aliás que a busca infatigavelmente, afirma de modo contundente: “Num pais em que não querem me proteger em meus direitos, eu não pretendo ficar. Se é para ser tratado a pontapés, é preferível ser um cão do que um ser humano….Sinto-me expulso deste pais, pois é assim que sente aquele a quem se priva a proteção das leis”.
Contundente, definitivo, faz pensar. Especialmente, porque o motivo do seu desgosto é a injustiça disfarçada de legalismos, de artimanhas que não passam de uma fingida legalidade, inútil e aviltante. Aponta o escritor: “Não podia considerar nada mais intolerável o governo com o qual estava lidando do que a justiça ilusória”. Por isso, o protagonista, grita para os detentores da justiça em permanente omissão: “Podes me levar para o cadafalso, mas eu posso e vou te fazer sofrer”. Sobram comentários, e provoca a reflexão acerca da condição humana -das justiças ilusórias- que seguem agora, avançada a segunda década do século XXI, a mesma toada que no romantismo do XIX.
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Como dizia um amigo meu: ” É culpa da MARCENARIA”.