Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades”
Jordi Llovet: “Adiós a la Universidad. El Eclipse de las Humanidades”. Galaxia Gutenberg/Círculo de Lectores. Barcelona (2011). 408 págs.
O sugestivo título desta obra, fez-me pensar que seria um ensaio em tema que muito me atrai. Comprei-o, e o deixei repousar algum tempo na prateleira, hábito que sempre sigo para não ir com muita sede ao pote. Os livros também precisam de repouso, como o bom vinho, antes de estabelecer um diálogo com eles, que isso é –e não outra coisa- a boa leitura…
Recupero o livro da estante-adega, e me encontro com um livro de memórias, sobre o qual o autor alinhava suas considerações humanistas. O adeus à universidade não é apenas uma figura de linguagem, mas a retirada do próprio autor da academia, aproveitando um programa de aposentadoria implementado na instituição universitária onde ensinava. O eclipse das humanidades –por fazer uma exegese completa do título- é a constatação do autor, na sua trajetória docente, do declínio da formação humanística na universidade, e as consequências dessa postura. Uma formação que sucumbe ao utilitarismo do mercado vigente, que dita as normas educacionais, e que bem resume Llovet citando Bertrand Russell: “Um dos defeitos de educação superior moderna é que se converteu num treino para adquirir habilidades e cada vez se preocupa menos de abrir a mente e o coração dos estudantes”.
Descubro que o autor escreve o original em catalão, e o exemplar que tenho entre mãos é, por tanto, uma tradução. Llovet é catalão até o último fio de cabelo, ama a cultura e a língua da sua terra, mas é tremendamente crítico com os fundamentalistas catalães que tentam impor o seu próprio idioma a qualquer custo, beirando o ridículo. Surge aqui uma lembrança pessoal: há alguns meses passei por Barcelona e comprovei como editoras catalãs, cujo objetivo é promover a língua local, traduzem a esse idioma, Dostoievski, Steinbeck , Victor Hugo –o que me parece muito bem- mas também autores que conquistaram o Prêmio Cervantes, maior reconhecimento no domínio do Castelhano…..o que me causou tremenda perplexidade. Talvez por isso Llovet escreve em catalão: para ter certeza de que o seu público alvo não colocará obstáculos e acabará lendo este mistura de legado e reflexão. Quer dizer, escreve, em primeiro lugar, para os catalães, principais destinatários da sua crítica iconoclasta contra o formalismo acadêmico.
O capítulo que descreve as peripécias necessárias para completar um doutorado, é de um ironia finíssima –dei risada sozinho- e devastador: detona os processos formais para conseguir esse grau acadêmico, a solidão do candidato, a omissão dos orientadores, o aluno que trabalha por conta, gasta dinheiro, e ninguém o orienta (ou quando o faz é para pesquisar algo que o orientador tem interesse, mas também lhe da preguiça fazer). Enfim, não deixa títere com cabeça…
Nesse mesmo capítulo relata suas viagens pela Europa, em busca de material para a sua pesquisa. Alemanha, França, a República Checa –memorável o encontro com a sobrinha de Kafka-, onde junta lembranças e considerações. Fez me sorrir a narrativa onde no quarto em que viveu Holderlin, sente um desejo tremendo de recolhimento, mas é impedido “porque os visitantes estavam providos de engenhocas audiovisuais, como se os homens não tivéssemos memória e somente as imagens fotográficas ou filmadas pudessem conservá-la.”. Se isto foi em 1978, podemos imaginar hoje, onde as pessoas fotografam compulsivamente locais e a elas mesmas –o self sedutor!- sem dar tempo para viver os momentos, imagens vazias de qualquer vivência……
Muito sugestivo é o capítulo que dedica às humanidades perante as novas tecnologias. “Quando alguém percebe que não há sinal no celular, sofre como um náufrago que não consegue que seus gritos cheguem até os que pilotam o bote salva-vidas. Uma absoluta sensação de solidão e impotência”. Aborda-se o desafio que a técnica impõe em vistas do imediatismo que proporciona. Temos rapidez, comunicação global, mas falta conteúdo elaborado. A ditadura da rapidez elimina o tempo que sempre foi necessário para cozinhar as ideias, impondo uma cultura em sintonia com o fast-food. O estudante senta na frente de um computador, e pensa que lhe é proporcionada uma facilitação em todos os níveis, incluído aquele processo que sempre foi considerado árduo: o do aprendizado. Esquece-se que educar provem de ex-ducere, tirar de dentro; extrair e não apenas colocar, e muito menos inserir programas e aplicativos. Por isso eu vou digitando todas estas linhas: para ir pensando enquanto escrevo, escolhendo as palavras, ordenando as ideias, ao invés de correr o scanner pelas páginas e coloca-las sem nenhuma conexão, nem temperadas com a minha própria reflexão.
Llovet levanta a bandeira das humanidades e adverte do perigo da educação utilitarista: “Os jovens não possuem formação alguma, nem sentem a necessidade de adquiri-la, de modo que cada vez será mais difícil que um universitário consiga situar num contexto histórico os modos de ver o mundo. A falta completa de referências e a falta de familiaridade com o tema, fará com que tudo aquilo que não faz parte da sua experiência vital –do que vivem, e sentem- nunca venha se converter em categorias epistemológica, em modos de interpretar e ver o mundo. Somente captarão sua experiência quotidiana. É a tirania do momento, que nega o curso e a densidade da historia. Uma caipirice não do espaço –da terrinha- mas do tempo, onde parece que o mundo é propriedade apenas dos vivos, sem saber que para a Historia não há mortos”.
Mostra-se muito crítico em relação á reforma universitária europeia, o chamado plano Bolonha, de integração europeia, pois os estudantes não foram formados num ambiente de critica e diálogo no ensino médio –muito menos em dominar línguas como para mover-se de um lado a outro de Europa, e ninguém fala latim hoje como os Humanistas do século XVI. Os estudantes querem soluções e eficácia, esse é o ensino médio. Bolonha não vai funcionar porque o estudante não tem motor próprio, não se lhe ensinou: a questão, como sempre, é dos professores, não culpa do estudante. São os gestores universitários os que destroem a enorme carga de entusiasmo que um jovem tem nessa fase da vida; gestores que transformam a universidade num centro de treinamento de habilidades e distribuidora de títulos.
Percebe-se ao longo de toda a obra uma crítica contumaz ao utilitarismo que relega as Humanidades a um plano de diletantismo. Invoca, novamente, Holderlin quando criticava os alemães do seu tempo: “Entre os alemães encontrarás artesãos, mas não homens; pensadores, mas não homens; sacerdotes, mas não homens; senhores e criados, jovens e adultos, mas nenhum homem”. Se isso acontecia em tempos do poeta que exclamava “para que poetas em tempos de miséria?”, podemos facilmente concluir perante o panorama de hoje, e num universo que carece da seriedade do povo germânico…..Uma advertência contra os que prestam culto à utilidade e não à verdade. Não se pode vincular as humanidades ao mercado laboral, aos dividendos que podem render a curto prazo, ao que é útil no sentido mensurável da palavra.
Llovet não se ilude, a culpa é mesmo do sistema, dos professores que são coniventes com a mediocridade. “Se a literatura vincula-se somente a teorias recônditas, se não é colocada constantemente do lado da vida mesma, das condições sociais e do nosso quotidiano, as aulas de literatura não servem para praticamente nada”. Essa atitude explica que hoje não existam discípulos, nem escolas de pensamento, apenas alunos que são clientes em busca do título.
As recomendações que fazia Diderot para a Universidade de S. Petersburgo, trazem mais luz sobre o tema: “O objeto de uma escola pública não é produzir um homem profundo de um gênero qualquer, mas inicia-lo numa série de conhecimentos cuja ignorância o converteria em alguém prejudicial em todos os estados de vida, e mais ou menos vergonhoso em alguns deles. Gerar homens de bem e não apenas sábios”. E também Jovellanos, o intelectual espanhol, que advertia contra o perigo da especialização sem critério: “esta especialização, tão proveitosa para o progresso, é funesta para o estado das ciências. Se quebramos a árvore da sabedoria, de nada aproveita ter ramas frondosas, se perdemos a conexão que entre si tem todos os conhecimentos humanos”. Já dizia Ortega –a lembrança é minha- que o especialista é um ser perigoso, porque sabendo apenas algumas coisas em certa profundidade, tem a pretensão de opinar e pontificar sobre tudo com a mesma arrogância.
Mas, no meio desta enxurrada de críticas –são histórias que o autor pessoalmente viveu e vive- despontam também as sugestões e a esperança “Se depois da conquista de Europa pelos bárbaros, surgiu o proto-renascimento Carolíngio, é possível recuperarmos um novo renascimento hoje, com a reincorporação dos homens de letras e dos humanistas: teremos de esperar e não baixar a guarda. É preciso entender que o saber clássico tem uma função muito peculiar: o de ser um conservador nas ruinas do tempo. E por isso os humanistas, os que cultivam as humanidades, sabem extrair das culturas as formas produtivas e refinadas do pensamento e produção artística , compreende-las e criar os meios para que o resto da sociedade possa também pensar e perceber nesse mesmo nível. Uma tentativa que permite que o humano não se degrade, e ocupe o lugar que lhe corresponde. Quase poderíamos dizer, com Llovet e com Holderlin, “para que humanidades nestes tempos de Facebook?”….A resposta é por conta de cada um de nós.