Kristin Hannah: “O Rouxinol”
Kristin Hannah: “O Rouxinol”. Ed. Arqueiro. São Paulo. 2015. 425 pgs.
Vez por outra, deparamo-nos com uma crítica literária que nos prende. Não aquele texto padrão nos cadernos de cultura dos jornais, com o confete dos intelectuais de plantão. Assim se apresenta a obra que vai ser lançada, que é preciso promover, politicamente correta. Deve ter muito de matéria paga nesses cenários. Ou então do best seller de turno, ou da obra do mais recente prêmio Nobel que estava até o momento num canto escuro da cultura. Tudo isso tem formato desenhado, conseguimos cheirar a distância, e a mim, particularmente, me repele convencendo-me de que não devo ir atrás desse livro. Ao menos, nos próximos anos. O tempo dirá se merece todos esses elogios e, se de fato, é uma obra emblemática. O tempo é a enzima que catalisa o processo de qualidade, instalando entre os clássicos algumas obras literárias, e deixando no esquecimento a maioria delas.
Mas, algumas vezes, um comentário singelo, sem pretensões, com um rápido esboço do argumento e das personagens, me cativa, espicaça-me, me faz ir atrás. Se a esta curiosidade sadia, associamos a facilidade em adquirir livros através da internet, temos entre as mãos, em poucas horas, o produto que despertou nossa atenção. Assim foi com o Rouxinol.
Um livro sobre duas irmãs durante a Segunda Guerra Mundial, na França ocupada pelos alemães. Contam-se muitas coisas, mas as duas mulheres, Vianne e Isabel, são o eixo narrativo, num mano a mano de grande tensão. De temperamentos diferentes, encontram-se também em posições divergentes frente ao inimigo invasor. “Essa era a diferença essencial que sempre existira entre as duas. Vianne seguia as regras, Isabelle era a rebelde. Mesmo quando eram meninas, em meio à dor e à tristeza, as duas expressavam as emoções de forma diversa. Vianne caiu em silêncio depois da morte da mãe, tentando fingir que o abandono do pai delas não a magoava, enquanto Isabelle tinha chiliques e esperneava para chamar a atenção. A mãe delas tinha jurado que um dia as duas seriam melhores amigas. Nunca tal previsão parecera menos provável”.
A autora -outra mulher- envolve mais de 400 páginas numa narrativa ágil, dinâmica, de leitura fácil e cativante. Toda ela é como uma dimensão feminina da guerra, dando um tom romântico, detalhista, até delicado, a uma atmosfera repleta de atrocidades. Assemelha-se às histórias das mães -das avós!!!- que conseguem evocar as lembranças com paz, como depuradas do sofrimento que no dia acompanharam as vivências, e as apresentam com luminosa serenidade.
As personagens muito bem descritas, e uma trama envolvente, fazem deste livro uma agradável surpresa. Mas é também uma leitura enriquecedora porque permite mergulhar fundo no ser humano, nas respostas diversas perante as dificuldades, nos modos diferentes como cada um vê o mundo, e tenta fazê-lo melhor. Somos, de fato, nossas circunstancias no dizer de Ortega, e se não as salvamos a elas, também pereceremos. E sempre, visualizadas através do filtro feminino da sensibilidade. Aquela que evocava Fernando Pessoa quando dizia que o que vemos não é o que vemos, mas sim o que somos.
Depois de ler o livro, vejo que a autora é um best seller consagrado. Mas isso pouco me importa. Não foram esses créditos os que me animaram a ler o livro, mas os detalhes esparsos num comentário sem pretensão. Aquelas pequenas coisas –le piccole cose– que dizia Franco Zeffirelli quando falava do amor. Por sinal, nas mãos dele, este romance daria um filme inesquecível. Mas isso já é outro assunto; quimera, imaginação, talvez o desejo de perpetuar as histórias das avós no celuloide, com quietude definitiva, como as brilhantes aquarelas do artista italiano.