Chega de Saudade – “A história e as histórias da Bossa Nova”
Chega de Saudade
A história e as histórias da Bossa Nova
Por Dr. Marco Aurelio Janaudis
Recentemente minha irmã levou meus sobrinhos para conhecerem uma fábrica de chocolates e sua história, e todos acharam interessante a trajetória do idealizador até onde chegou. Comentei: “parece que quando conhecemos a história até o chocolate fica mais gostoso”! De certa forma nos envolvemos, nos aproximamos da pessoa. De modo semelhante, o mesmo acontece quando conhecemos, por exemplo, uma vinícola. Parece que passamos até a gostar mais daquele vinho!
Mais do que o produto em si, a história das pessoas envolvidas em sua criação e sua elaboração costuma ser apaixonante e nos traz empatia, ensinamentos, aprendizados.
Foi assim com a leitura de “Chega de Saudade, a História e as histórias da Bossa Nova”. Ganhei o livro há mais de dois anos, mas ainda não havia sentido vontade de lê-lo. Mas enfim chegou o momento. A começar pela dedicatória da minha ex-aluna e hoje amiga de profissão, Rosana Irie. Ela escreveu que eu aprenderia “até a gostar mais de João Gilberto”! Pensei, “vai ser difícil”, mas vamos tentar…! rsrsrsrs!!
E a leitura do livro começou a me surpreender basicamente em alguns detalhes, que explicarei:
– pelo empreendedorismo e persistência dos artistas da época
– pelas histórias apaixonantes das pessoas envolvidas com a Bossa Nova
– pela riqueza de detalhes que o autor, Ruy Castro, só conseguiu colocar na obra, por conta de uma gigantesca pesquisa que realizou com outras obras e principalmente com as pessoas envolvidas no movimento.
A história da Bossa Nova acontece basicamente na década dos anos 1950. Meus pais eram muito crianças, a revista o Cruzeiro, fundada por Assis Chateaubriand, era importante naquela época. O movimento ocorre, portanto, antes do golpe militar de 1964, o qual desencadearia, posteriormente, outras mudanças na música popular brasileira, totalmente diferentes da Bossa Nova.
O autor nos conta a trajetória de inúmeros autores e compositores, como João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Morais, Carlinhos Lyra, Roberto Menescal, Nara Leão, Dick Farney, Lucio Alves, Maysa… Mas a que chama mais a atenção é sem dúvida a de João Gilberto. Nunca simpatizei com os fatos que ouvi a respeito dele como a questão dos atrasos nos shows, a implicância com barulhos ou até mesmo por abandonar o palco sem muitas explicações. Mas tenho de admitir que ao ler sobre a sua obsessão em conseguir criar um ritmo novo, ao qual deu-se o nome de Bossa Nova, a trajetória de Juazeiro na Bahia ao Rio de Janeiro, quase passar fome na cidade maravilhosa, ser tachado de maluco, doente de tanto que tocava, do tudo que fazia em busca da perfeição nas cordas do violão até chegar lá, é digno de reconhecimento e de uma maior compreensão. Ao conhecer melhor a história dele e dos demais, extensa e ricamente descritas no livro, até me arrisquei a ouvir algumas canções da Bossa Nova, prestando atenção à sonoridade do violão, ao detalhe, à respiração do cantor e compositor durante a interpretação.
Não posso dizer que são músicas do meu dia a dia, que as ouço com frequência, mas passei a ter mais respeito, empatia, a entender melhor. Falei de empreendedorismo e como acabei de descrever, quantas vezes nós nos dedicamos a um sonho, à buscar a excelência naquilo que fazemos? João Gilberto buscou. Muitas vezes nos acostumamos com o básico, com o “ah, deixa assim mesmo, já está bom…”! João Gilberto buscou o melhor, quase a perfeição. Não foi uma história fácil e nem de glaumor. As dificuldades e empecilhos foram muitos.
Na obra há histórias interessantíssimas daquele período. Uma das que mais gostei foi a de que Tom Jobim, na época diretor de uma gravadora, após muito custo, conseguiu carta branca para João Gilberto gravar seu disco da forma que quisesse (ele, João, não era fácil!). Geralmente os artistas gravavam em 2 ou 3 dias. João Gilberto levou mais de vinte. Implicava com os músicos, que acabavam por colocar seus instrumentos na sacola e ir embora. Brigava com o profissional da mesa de som para que fizesse do jeito dele, ate´ que por fim, acabou brigando com… Tom Jobim! Mas que acabou engolindo o sapo e permitiu a conclusão da gravação. O disco é referência da Bossa Nova.
Tudo se passava basicamente no bairro de Copacabana, onde os jovens daquela época se juntavam no apartamento de Nara Leão, então com quatorze anos, para tocarem e escreverem.
Vinícius de Moraes ficava entre o Brasil e suas inúmeras viagens ao exterior, uma vez que foi embaixador brasileiro em outros países. Descobri que a dupla com Tom, a qual eu pensava ter sido coisa de muitos anos, durou um certo tempo e depois cada um seguiu seu caminho. Vinicius, por exemplo, passou a compor com Baden Powell. No livro cita-se sua célebre frase: “o whisky é o melhor amigo do homem. Ele é o cachorro engarrafado”.
Ruy Castro conta ainda as histórias da academia de violão de Carlinhos Lyra e Roberto Menescal, entre muitas, muitas outras personalidades da época. São pouco mais de quatrocentas páginas, mas de uma leitura apaixonante e o entendimento de uma época por meio da visão dos acontecimentos artísticos.
Abaixo, alguns trechos que achei interessantíssimos, sobre:
NARA LEÃO: Em determinado momento ela rompeu com a Bossa Nova. “Chega de Bossa Nova”, “de cantar para dois ou três intelectuais uma musiquinha de apartamento. Quero o samba puro, que tem muito mais a dizer, que é expressão do povo, e não uma coisa feita de um grupinho para outro grupinho”. “E essa história de dizer que a Bossa Nova nasceu na minha casa é uma grande mentira. Se a turma se reunia aqui, fazia-o em mais de mil lugares. Eu não tenho nada, mas nada mesmo, com um gênero musical que não é o meu e nem é verdadeiro”.
“Na Bossa Nova o tema é sempre na mesma base: amor-flor-mar-amor-flor-mar, e assim se repete. É tudo complicado. Não quero passar o resto da vida cantando Garota de Ipanema e, muito menos, em inglês. Quero ser compreendida, quero ser uma cantora do povo
RONALDO BÔSCOLI: ex-noivo de Nara Leão, foi duro: “Feio, não é bonito, o que ela está fazendo conosco. Nara é muito jovem para entender que ninguém pode negar seu passado. Se ela renega a Bossa Nova, está renegando a si própria e sendo ingrata com quem tanto a promoveu”.
WILSON SIMONAL: Naquela época ele era capaz de encaixar as bossas mais surpreendentes num tema e torna-lo irresistível. Mas quando só as bossas passaram a ser importantes em seu estilo, Simonal ficou repetitivo e voltou à esfera de Carlos Imperial. Em 1966, já estava cantando “Mamãe passou açúcar ni mim”. Em 1971, ele regeu – com um dedo só – 15 mil pessoas no Maracanãzinho ao som da xaroposa apropriação de Imperial, “Meu limão, meu limoeiro”. Poucos meses depois, encalacrou-se numa obscura história que o envolvia como informante dos órgãos de segurança do governo Médici no meio artístico, e isso destruiu sua carreira. Mas não pode ser expulso da história da Bossa Nova.
ELIS REGINA: “não era conveniente comprar brigas com ela. Ficava ainda mais estrábica quando irritada e tudo podia acontecer, como relatam todos seus amigos. Seu humor tinha mais ziguezagues que um eletrocardiograma”.
“Sua família morava num cortiço e ela era hostilizada pelos vizinhos por cantar no rádio. Quando gravou os primeiros discos, os gaúchos se ressentiram porque ela parecia estar falando com sotaque carioca. Seu pai fora com ela para o Rio. Poucos meses depois a mãe e o irmão. Todos passaram a viver do seu dinheiro e desenvolveu-se ali uma perversa relação de dependência, em que ela parecia sentir prazer em ser explorada por eles e poder humilhá-los em troca. Na verdade, tanto ao machucar quanto ao ser machucada, era em Elis que doía”.
A MPB (MUSICA POPULAR BRASILERIA): “Alguém se lembra de quando as pessoas começaram a se envergonhar da expressão Bossa Nova e a substituí-la por MPB? A sigla não queria dizer apenas música popular brasileira, que seria o óbvio, mas uma determinada música brasileira- que podia ser tudo, menos determinável. A MPB de fraldas parecia algo que já não era Bossa Nova, mas ainda era um pouco (muito pouco); não tinha compromissos com o samba e queria flertar à vontade com outros ritmos, temas e posturas. E queria, principalmente, ser nacionalista, para purgar-se dos excessos de influência do jazz na Bossa Nova”.
“A MPB era uma espécie de irmã menor do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) – uma frente musical, em que cabia quase tudo que não fosse iê-Iê-iê (Movimento que começava a despontar naquela época promovido por Roberto Carlos, que culminaria com a Jovem Guarda), assim como o MDB, como partido político, era uma frente partidária, concedida pelos militares para agasalhar os políticos sobreviventes, das mais variadas plumagens – aos quais não ficava bem pertencer à Arena, que era o partido do governo. Não muito por acaso, a MPB começou na mesma época que o MDB: segundo semestre de 1965”.
JOÃO GILBERTO: ficou 6 anos quase sem tocar ou gravar. “Muitos convites para fazer discos foram recusados sob a alegação de que os técnicos maquiavam a gravação, cortando a respiração do cantor: “Eles não entendem que, atrás das notas e das palavras, existe uma pessoa, dizia””.
Não posso dizer que a história termina, pois continua até hoje, com a narração de que Tom Jobim, quando estava sentado num bar, foi informado que havia uma ligação para ele no telefone. Ele se dirigiu até o aparelho e escutou: “Frank Sinatra vai falar”. Conversaram poucos minutos. Tom foi convidado por Sinatra para gravarem um disco juntos. Sinatra, que era o artista mais conhecido mundialmente naquela época, queria algo diferente do que vinha fazendo. Gravaram em Nova York e o disco é famoso até hoje.
Como diz minha amiga Rosana, a Bossa Nova é um patrimônio do Brasil, algo único e que até hoje é o estilo musical mais interpretado fora do país.
Comments 1
Excelente resenha, que dá luz a um movimento de criatividade musical que nos legou magnificas inigualáveis obras
Carecemos agora desses grandes talentos e nos preenchemos em música Brasileira com esse magnífico legado