Ernesto Sábato: “La Resistencia”
Ernesto Sábato: “La Resistencia”. Planeta/Seix Barral. Buenos Aires. 2006. 149 pgs. Traduzido pela Companhia das Letras
Um amigo enviou-me por email em formato eletrônico. “Li este ensaio de Ernesto Sábato, lembrei de você. Vás gostar”. Agradeci imediatamente, passei o anexo para o meu smartphone, abri, li um par de páginas….e desisti. Fui diretamente no estante virtual –onde encontro quase tudo o que procuro- e lá estava por um preço irrisório. Uma semana depois, tinha-o em cima da minha mesa.
Durante esta operação –de volta para o passado- lembrei de uma professora, amiga de muitos anos, que diz: “Não consigo ler livros eletrônicos na tela do computador. Não posso deitar na cama, em cima do computador, como faço com os livros”. Eu não deito em cima dos livros, mas confesso que a tela me tira a intimidade de que preciso para entrar em sintonia com os livros. Necessito tocá-los, cheirá-los. Como Borges, que já cego, continuava a comprar livros porque queria rodear-se da sua presença amável, confortante. Da minha parte foi uma decisão sábia, porque a temática de Sábato nesta obra impõe, por si só, o papel, as anotações à margem, sobre as páginas gastas e amareladas do exemplar que me chegou de um sebo cadastrado no site.
Embora meu amigo afirmasse tratar-se de um ensaio –pela unidade de pensamento que perpassa as seis cartas que Sábato escreve a modo de testamento- mais me pareceu uma peça musical, um minueto com variedades sobre o mesmo tema. Um encanto estético e filosófico onde a dificuldade de entressacar ideias implica o risco de mutilar o conjunto. Uma tarefa análoga a tocar alguns compassos esparsos da Serenata Noturna de Mozart, ou cortar o dueto de amor de Madama Butterfly. Um crime. Assim, não são ideias as que anoto a seguir mas as impressões que em mim produziram. Rascunhadas às pressas com a esperança de que espicacem o leitor para que se anime a viver a experiência desta leitura.
A ditadura da técnica e o protagonismo da televisão é tema recorrente na obra. Os animais ficam paralisados com a luz, e os homens com a luz das telas da televisão. E dos computadores, e da internet. Distraem-nos de qualquer outra atividade, e nos deixamos caçar como os irracionais. Esse mesma técnica que elimina o ócio das nossas vidas. “Carecemos de ócio porque nos acostumamos a medir o tempo de modo utilitarista, em termos de produção(..) É possível florescer a esta velocidade? Quando a meta é a produtividade, serão esses produtos verdadeiros frutos?” Desaparece o diálogo entre as pessoas: o que nos dizemos são mais cifras do que palavras, contem mais informação do que vida. O homem da pós modernidade está acorrentado às comodidades que lhe proporciona a técnica, não se atreve a mergulhar em experiências vitais como o amor o a solidariedade.
O utilitarismo arranca de nós a transcendência. Os antigos, os clássicos, acreditavam ser filhos dos deuses, e fazer parte de uma história sagrada. Nessa perspectiva, o homem pode ser servo, até escravo, mas nunca parte de uma engrenagem. O homem corre sem saber porque, em imitação gregária, e perde o foco. Sábato comenta, citando John Donne, que ninguém dorme na carroça que o conduz da cadeia ao patíbulo; mas todos dormimos do berço à sepultura, não estamos completamente despertos, e nos distraímos daquilo que é importante.
Por isso urge reaprender e trazer de volta os valores de sempre. Aqueles que estão presentes na simplicidade dos jogos das crianças: o desinteresse, a dignidade, a grandeza diante da adversidade, as alegrias ingênuas, a coragem. E reaprender o que é gozar. “Estamos tão desorientados que cremos que gozar é fazer compras. Um luxo verdadeiro é um encontro humano, um momento de silencio diante da criação, o gozo de uma obra de arte ou de um trabalho bem feito. Gozos verdadeiros são aqueles que enchem a alma de gratidão e nos predispõem para o amor”.
Reaprender e resistir. Não com violência ou militância. Mas com a pequena vela que nos ajuda a esperar no meio da noite. Com o reconhecimento –diante da orfandade de tantos seres humanos- que é possível encontrar outro modo de viver, criar uma existência diferente. “A história é um conjunto de aberrações, guerras e perseguições, torturas e injustiças, mas é também o cenário onde milhões de homens e mulheres se sacrificam para cuidar dos outros. Eles incarnam a resistência. Um sacrifício que deve ser fecundo, e isso é por conta de cada um de nós. Porque o mundo nada pode contra um homem que canta no meio da miséria”.
Ernesto Sábato canta este minueto sedutor no meio da miséria do mundo que insiste em anular o ser humano. E propõe resistir. São estes pequenos livros –em papel gasto, manuseado- os que nos ajudam a fabricar nossa própria resistência. Provocam a reflexão, são as tábuas que nos salvam daquele naufrágio vital de que Ortega adverte na Rebelião da Massas, em contundente crítica à mediocridade. Música para os ouvidos, bálsamo para a alma. Definitivamente, algo que não consigo –nem quero- saborear na tela de um computador.
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