SE O MEU APARTAMENTO FALASSE
(The apartment) Diretor: Billy Wilder. Jack Lemmon, Shirley McLaine, Fred MacMurray. USA 1960. 125 min
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Na vida não existem os caracteres puros, esses que se descrevem nos livros de Psicologia. Menos ainda as pessoas se dividem em boas e más, como dois grupos estatísticos, incomunicáveis. O cinema de bandidos e mocinhos pode ser bom cinema, mas não é vida; por isso nos identificamos pouco com ele embora apreciemos seu valor. E mesmo nos filmes, onde o bem e o mal se enfrentam, se encarnando em personagens que parecem puros -definitivamente bons ou perdidamente maus- a questão não é tão simples. Se este cinema de oposição de forças morais é cinema de qualidade o espectador será cativado pelos valores que as personagens -fictícias- exaltam. As personagens passam, os valores ficam, e isto é o que atrai o público.
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“Se o meu apartamento falasse” é um exemplo de filme onde os valores encontram-se dissolvidos na realidade que é, de per si, complexa e inclassificável. E o filme atrai porque as personagens são reais; isto é, não são simplesmente bons ou maus. São de carne e osso, com fraquezas, com paixões, com acertos e erros. Shirley McLaine e Jack Lemmon, num ponto alto de atuação da dupla -provavelmente a melhor de todas suas parcerias- tornam-se figuras familiares, sugestivas. É fácil identificar-se com quem não disfarça seus defeitos, e faz o possível por superá-los num esforço sereno e sempre progressivo. É a força da sinceridade, do ser simples, da transparência, como se diz hoje.
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Não é fácil mudar. Quem já tentou -e certamente tenta ainda- tem experiência do tamanho da empreitada. E a dificuldade envolvida com os esforços dos protagonistas, gera situações atrapalhadas que, temperadas com a ironia de Billy Wilder -sempre genial- nos oferece estes momentos deliciosos.
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Pensar em Billy Wilder é pensar em comedia. Mesmo assim, e respeitando as opiniões contrárias, resisto-me a considerar “Se o meu apartamento falasse” como comédia. Quantas mais vezes assisto o filme, mais me convenço disso. O motivo é simples: tudo é muito real para ser cômico. Bergson, no seu estudo sobre o riso diz com acerto que o cômico se gesta no terreno da indiferença. Basta um interesse, a mais leve identificação com os sentimentos observados, uma emoção suscitada pela situação para que esta deixe de ser engraçada. O riso -o cômico e descomprometido- é incompatível com a emoção, com a compaixão, com o amor. As personagens do filme de Wilder tocam as fibras sensíveis pelo que tem de real.
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Todo o filme é uma constante sucessão de posturas que levantam virtudes surgindo sobre defeitos; aquelas, por sua vez, são novamente absorvidas por outros erros, que despertarão novas atitudes de valor. Um pipocar -valha o termo- do bom e do mau, num ritmo sereno, sem tragédia, mas também sem comedia. Quer dizer, sem que nos deixe indiferentes, pelo menos a quem não é insensível à condição humana. A indiferença, e com ela a pura comedia aparecem somente para quem gravita à volta da superficialidade. O leviano torna-se refratário ao esforço por melhorar, que é sempre comovente quando sincero. Ele mesmo, o superficial que vê em tudo comedia, não melhorará nunca: é o eterno satisfeito, o homem de catálogo – definitivamente classificado como se de uma espécie se tratasse-, um protótipo de homem plastificado, produto de uma acomodação que paralisa.
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Fran Kubelik, a simpática moça do elevador, que resulta ser a garota fácil, reconhece para Baxter: “Por que não me apaixono por alguém como você?” É a simplicidade de C.C. Baxter o que cativa a Srta. Kubelik; o bom e desajeitado Baxter, “o único que tira o chapéu no elevador”, rapaz esforçado e trabalhador, que não sabe dizer que não aos amigos que se utilizam dele. É o homem fraco, que vive na troca de favores. Mas a flor da lapela de Miss Kubelik o faz superar-se e ressurgir exemplarmente.
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Fraqueza que se transforma em generosidade; vida desregrada que almeja por um amor belo e bonito. Tudo isto é muito humano, ou, pelo menos deveria ser se o homem não perdesse o rumo dos valores que o tornam grande. Um não à mediocridade, ao homem de plástico, satisfeito. Saber aproveitar o que cada um tem de bom -que todos temos- e potenciá-lo. Um convencimento íntimo de que é possível mudar, tomar decisões, com realismo, e com esforço. São todas ideias que vão se juntando aos créditos no final do filme, enquanto lembramos os “panetones que deveremos mandar para os eternos satisfeitos no próximo Natal”. Animo e boa sorte!