SE O MEU APARTAMENTO FALASSE

Pablo González Blasco Filmes Leave a Comment

(The apartment) Diretor: Billy Wilder. Jack Lemmon, Shirley McLaine, Fred MacMurray. USA 1960. 125 min

Na vida não existem os caracteres puros, esses que se descrevem nos livros de Psicologia. Menos ainda as pessoas se dividem em boas e más, como dois grupos estatísticos, incomunicáveis. O cinema de bandidos e mocinhos pode ser bom cinema, mas não é vida; por isso nos identificamos pouco com ele embora apreciemos seu valor. E mesmo nos filmes, onde o bem e o mal se enfrentam, se encarnando em personagens que parecem puros -definitivamente bons ou perdidamente maus- a questão não é tão simples. Se este cinema de oposição de forças morais é cinema de qualidade o espectador será cativado pelos valores que as personagens -fictícias- exaltam. As personagens passam, os valores ficam, e isto é o que atrai o público.

            “Se o meu apartamento falasse” é um exemplo de filme onde os valores encontram-se dissolvidos na realidade que é, de per si, complexa e inclassificável. E o filme atrai porque as personagens são reais; isto é, não são simplesmente bons ou maus. São de carne e osso, com fraquezas, com paixões, com acertos e erros. Shirley McLaine e Jack Lemmon, num ponto alto de atuação da dupla -provavelmente a melhor de todas suas parcerias- tornam-se figuras familiares, sugestivas. É fácil identificar-se com quem não disfarça seus defeitos, e faz o possível por superá-los num esforço sereno e sempre progressivo. É a força da sinceridade, do ser simples, da transparência, como se diz hoje.

            Não é fácil mudar. Quem já tentou -e certamente tenta ainda- tem experiência do tamanho da empreitada. E a dificuldade envolvida com os esforços dos protagonistas, gera situações atrapalhadas que, temperadas com a ironia de Billy Wilder -sempre genial- nos oferece estes momentos deliciosos.

            Pensar em Billy Wilder é pensar em comedia. Mesmo assim, e respeitando as opiniões contrárias, resisto-me a considerar “Se o meu apartamento falasse” como comédia. Quantas mais vezes assisto o filme, mais me convenço disso. O motivo é simples: tudo é muito real para ser cômico. Bergson, no seu estudo sobre o riso diz com acerto que o cômico se gesta no terreno da indiferença. Basta um interesse, a mais leve identificação com os sentimentos observados, uma emoção suscitada pela situação para que esta deixe de ser engraçada. O riso -o cômico e descomprometido- é incompatível com a emoção, com a compaixão, com o amor. As personagens do filme de Wilder tocam as fibras sensíveis pelo que tem de real.

            Todo o filme é uma constante sucessão de posturas que levantam virtudes surgindo sobre defeitos; aquelas, por sua vez, são novamente absorvidas por outros erros, que despertarão novas atitudes de valor. Um pipocar -valha o termo- do bom e do mau, num ritmo sereno, sem tragédia, mas também sem comedia. Quer dizer, sem que nos deixe indiferentes, pelo menos a quem não é insensível à condição humana. A indiferença, e com ela a pura comedia aparecem somente para quem gravita à volta da superficialidade. O leviano torna-se refratário ao esforço por melhorar, que é sempre comovente quando sincero. Ele mesmo, o superficial que vê em tudo comedia, não melhorará nunca: é o eterno satisfeito, o homem de catálogo – definitivamente classificado como se de uma espécie se tratasse-, um protótipo de homem plastificado, produto de uma acomodação que paralisa.

            Fran Kubelik, a simpática moça do elevador, que resulta ser a garota fácil, reconhece para Baxter: “Por que não me apaixono por alguém como você?” É a simplicidade de C.C. Baxter o que cativa a Srta. Kubelik; o bom e desajeitado Baxter, “o único que tira o chapéu no elevador”, rapaz esforçado e trabalhador, que não sabe dizer que não aos amigos que se utilizam dele. É o homem fraco, que vive na troca de favores. Mas a flor da lapela de Miss Kubelik o faz superar-se e ressurgir exemplarmente.

            Fraqueza que se transforma em generosidade; vida desregrada que almeja por um amor belo e bonito. Tudo isto é muito humano, ou, pelo menos deveria ser se o homem não perdesse o rumo dos valores que o tornam grande. Um não à mediocridade, ao homem de plástico, satisfeito. Saber aproveitar o que cada um tem de bom -que todos temos- e potenciá-lo. Um convencimento íntimo de que é possível mudar, tomar decisões, com realismo, e com esforço. São todas ideias que vão se juntando aos créditos no final do filme, enquanto lembramos os “panetones que deveremos mandar para os eternos satisfeitos no próximo Natal”. Animo e boa sorte!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.