LADO A LADO: A mãe nos alicerces da família.
(Stepmon) Diretor: Chris Columbus. Susan Sarandon, Julia Roberts, Ed Harris, Liam Aiken, Jena Malone. 124 min.
Em certa ocasião, um amigo me confidenciou que estava preocupado com os filhos. Nada de especial, uma preocupação “preventiva”, mas sentia que tinha de fazer algo. “Veja bem… Meus filhos comentaram estes dias com a mãe, não sem certa perplexidade, acerca do ambiente do colégio. Parece que os colegas da escola –bastantes deles- falam do ‘namorado da minha mãe’ ou da ‘namorada do meu pai’ com a mesma naturalidade com que a gente pede batatas fritas para acompanhar o hambúrguer do McDonald.” Silêncio. “E o que você pretende fazer? Explicar a diferença entre namorada e amante? Ler a cartilha da família bem constituída?” Meu amigo balanço negativamente a cabeça: “Isso eles já sabem…,Mas tenho que fazer alguma coisa, ouvi-los talvez, entender suas dúvidas. Será que eles pensam que uma família normal, como a nossa, é algo em extinção?”. Recomendei-lhe algo pouco convencional, ou pelo menos assim me pareceu no momento, mas confesso que foi a melhor ideia que me veio à cabeça: “Peça uma pizza, alugue um filme….e depois de assistir todos em família, escute-os”. “Mas, que filme? ” –perguntou o meu amigo. “ Lado a lado acho que pode funcionar”. E, pelo que dias depois me comentou, funcionou mesmo. Já passaram alguns anos desde essa conversa, mas sempre que penso neste filme revivo o diálogo com sensação de atualidade.
O argumento, em si, não tem grandes originalidades. O pai que deixa a mãe com as crianças, e parte para um relacionamento –aberto e moderno- com outra mulher mais jovem. Esta, Julia Roberts, uma fotógrafa cuja competência para registrar imagens é proporcional à inabilidade para cuidar das crianças, pelo menos das alheias. A mãe, uma Susan Sarandon em desempenho notável, vai consertando os mal entendidos e evita, com grandes doses de carinho, que as crianças guardem rancor do pai. Surge a doença, que se perfila como fatal. A mãe sofre em silêncio, quer poupar tristezas antecipadas. Os filhos o interpretam como falta de confiança e gritam com a mãe, reclamando, pois querem participar de tudo o que rodeia essa mulher maravilhosa, mesmo que seja a dor e a própria morte. A filha mais velha se retira, entre lágrimas e gritos, do cenário onde a verdade, nua e crua é colocada. O pai intervém; “Já te falei mil vezes….Não dê as costas para sua mãe!!”. A menina volta-se, e encara o pai: “Quem dá as costas para ela é você, faz muito tempo”. E sai. Segue-se um silêncio e, novamente, a mãe, um monumento de mulher, toma as rédeas da situação e propõe à fotógrafa que registre o momento, com a família, nestes momentos que serão os derradeiros. Uma foto, outra. E, com classe enorme, pede para montar o automático, chama a fotógrafa, a coloca do seu lado, e sorrindo diz: “Agora sim, toda a família”. E sai a foto final, todos sorrindo.
Lembro da conversa com o meu amigo, e lembro dessas duas cenas. Há muitas outras, mas bastam estas como amostra da tarefa colossal que a mãe desempenha com classe. Sabendo que tem pouco tempo de vida, passa o bastão com elegância para aquela que, em breve, ocupará a posição oficial. A que estava no banco passará a ser titular: não como amante, mas como mãe. E, por isso, a ensina como cuidar dos filhos, chega ao detalhe. Sem revolta, sem autocompaixão, sem chantagens. Abre mão do amor ao qual teria direito, porque sabe que nessas circunstâncias não seria carinho, mas simples compaixão. E foca-se no que realmente interessa: preparar -capacitar diríamos hoje em linguagem moderna- a nova mãe para os seus filhos. Uma lição de desprendimento e de fazer o melhor sem computar as perdas. Fazer do limão, uma saborosa limonada. Quando há boa vontade e amor, sempre se encontra uma saída para fazer a diferença.
Hollywood toca a tecla do relacionamento familiar com insistência, acusando saudades do “heroísmo doméstico”. Neste caso, a trama se encarna numa situação tocante, quase limite, para dar relevo àquilo que já é sabido, embora na prática se esqueça com frequência: a mãe é o alicerce do lar. Onde há uma mulher que sabe ser mãe -em toda a dimensão da palavra- o lar permanece estável, a despeito das dificuldades. Mulher que é mãe e torna o sacrifício natural, quase fisiológico. Desprendimento dos próprios gostos, proteção incondicional dos filhos, esquecimento de si mesma, são elementos que uma mãe baralha com a aparente facilidade e desapego com que, por exemplo, esquenta a sopa do jantar. Tudo isto está mostrado claramente no filme, e por isso a fita toca o espectador, gruda fácil. A nossa sensibilidade anda tão calejada que é preciso mostrar o heroísmo materno em situações dramáticas, porque o esforço diário de uma mãe não convenceria tanto… Na verdade, heroísmos têm de sobra, no quotidiano, das mulheres mães de família. Mesmo sem serem doentes, ou mesmo viúvas, ou até por terem “aquele” marido, o que torna a situação mais heroica ainda. A vida é sempre mais rica que os filmes; são nossos olhos os que estão excessivamente deslumbrados com o espetáculo para captar a beleza do rotineiro.
Desconheço a conversa que se seguiu à pizza na casa do meu amigo, mas de certo se falou de família, de amor, de união, e lá foram colocadas as dúvidas e dificuldades, o mundo real que, fruto de egoísmos e incompreensões, maltrata o berço do qual todos nos nutrimos e nos construímos como seres humanos. Quando há amor na família, e unidade, as durezas da vida tornam-se suportáveis. A mãe protege a criança com os recursos que a natureza lhe confere: primeiro no útero, e depois, no aleitamento, vai realizando uma verdadeira transfusão de imunidade, defendendo o bebê das agressões do meio. Igualmente a família tem esse papel imunizador, sendo a concórdia e paz familiar, a alegria que deve reinar no lar, um banco de defesas e anticorpos.
O recado é atual porque vivemos dias em que a unidade familiar tornou-se frágil e as pessoas carecem de lugar para abastecer suas defesas. São tempos de verdadeira imunodepressão familiar e, consequentemente, individual. O ser humano expõe-se indefeso a contínuo contágio com o meio, cuja virulência não diminuiu. A luta contra o ambiente, o estar preparado para as dificuldades da vida não significa isolar os filhos, o que na prática é impossível; ou facilitar tudo para que não tenham de sofrer. Vale lembrar -como analogia de imunodepressão, já que disto estamos falando- que o problema do Aidético não é o ambiente contaminado, mas simplesmente que não possui recursos para defender-se, por exemplo, de uma gripe.
É preciso criar defesas no ambiente familiar, saber administrar em tempo as vacinas necessárias, que são valores aprendidos, inoculados com paciência no reduto do lar. Isto vai dando condições e estimulando as defesas para enfrentar a vida com todas suas adversidades. Para isto não basta explicar ou informar, grudar duas ou três ideias “com durex”. Necessário é criar raízes, plantar valores e virtudes no comportamento, educar os hábitos. E para tanto, deve haver família, ambiente, carinho, convivência e não apenas coexistência sob o mesmo teto. Deve haver, quem sabe, filmes, pizzas, e espaço para uma reflexão conjunta em verdadeira construção de conhecimento.