UMA LIÇÃO DE AMOR
(I am Sam) Diretor: Jessie Nelson. Sean Penn, Michelle Pfeiffer, Laura Dern. 132 min. USA 2001.
É mesmo de amor a lição que Sam, um oligofrênico com idade mental de sete anos nos transmite nas duas horas de filme. Uma feliz tradução do título original já que Sam entende apenas de Beatles e de amor. Um amor sólido, comprometido e forte que educa, e faz crescer a filha que, provavelmente por acidente, acabou tendo de uma mãe que com rápido egoísmo se desentende de ambas as criaturas. A menina alcança em idade o limite de compreensão mental que o pai possui e o Estado, ciumento aplicador de leis, entende que Sam não terá capacidade para educar a filha que vai cumprir os 8 anos. Tudo muito lógico, faz sentido, se pensamos nos problemas ordinários que a educação traz para os pais, e os desafios que deverão enfrentar. Afinal, como alguém que não vai além de um raciocínio próprio de uma criança de sete anos será capaz de educar uma adolescente?
Os problemas aparecem. A menina não quer ler as palavras que sabe o pai não consegue entender. E Sam insiste com a única arma que tem: o amor. “Você pode ler, sim; você não é estúpida (como dizendo, quem é estúpido aqui sou eu). Leia porque isso me faz feliz. Desfruto vendo você lendo, mesmo sem conseguir entender tudo o que você diz”. Um monumento de pai e de professor que se realiza vendo a filha, o aluno chegar longe, muito mais longe do que ele chegou. Um desprendimento que faz refletir a qualquer um que tenha confiadas pessoas aos seus cuidados pedagógicos. Até onde chega o poder educador do amor? É preciso muito mais para educar?
Nestes tempos de técnicas globalizadas, de educação moderna, de sistemáticas e metodologias –importantíssimas, sem dúvida- surge um filme como este que nos situa diante de uma divisão quase esquizofrênica. De um lado, a competência, a capacidade, os direitos das crianças e dos adolescentes, a técnicas pedagógicas e psicológicas, enfim, tudo aquilo que o saber humano aponta como imprescindível para formar uma pessoa. Do outro lado, apenas o amor. E no time do amor os jogadores são o protagonista, um Sean Penn em desempenho insuperável como Sam, e alguns amigos incríveis que entendem de Beatles e de Cinema. Parece ser precisa esta divisão, que não é real, para ver se nos convencemos de que sem amor nada adianta, a educação fica manca, deixa a dever. Não sei se “só o amor constrói”, como diz a frase batida, mas é evidente que sem amor não se constrói absolutamente nada duradouro.
Meu pai não é como os outros, ele é diferente, ele me entende, gosta das mesmas coisas que eu gosto. Curte o que eu curto. Parece estranho, subnormal, e vai ver que é mesmo, mas é nele que eu aposto. “É o amor força tão forte/ que força toda a razão –diz o poeta de Castela, Jorge Manrique- um empenho forçoso/ que não se pode vencer/ cuja força teimosa/ fazemos mais poderosa/ querendo nos defender”. Está tudo dito faz muitos anos. Inteligência, recursos, técnica, bons colégios, professores particulares, tem o seu valor, mas não substituem o amor. Querer suprir a falta de amor e dedicação com modernos recursos, de preferência bastante caros, é embarcar em canoa furada. Delegar a responsabilidade educacional em colégios que estão na crista da onda, ou comprar os filhos com viagens para Disney, não substitui o amor dedicado de uns pais realmente interessados. As crianças não são tontas, e percebem o interesse real, e quem de fato gasta tempo com eles na educação.
E não só os colégios, mas as festas familiares, os aniversários, as comemorações. É mais fácil contratar um buffet infantil do que fazer o bolo que as avós faziam. Dá menos trabalho, e pode se pagar em três vezes no cartão. Mas não tem o mesmo sabor. E todos reparam. Chegam a ser ridículas e demonstram falta total de originalidade, as festinhas com palhaços contratados onde somente os adultos parecem apreciar o que as crianças nem ligam. Mais amor, e menos festas “terceirizadas” é o que a educação moderna exige para competir com um mercado consumista.
A originalidade é, antes de tudo, uma questão de amor por educar. Já dizia Ortega y Gasset que o amor não é pupila, mas a luz que ilumina o objeto amado, revelando suas qualidades em toda plenitude. E por isso, quem ama tem uma visão mais exata do objeto do seu amor. O amor não mente, nem cega, nem alucina; mas ilumina de modo peculiar. O amor –conclui o filósofo- é um grau superior de atenção, e parece ser mais sensato invejar o homem apaixonado do que chama-lo de visionário, porque sua paisagem é tão real como a nossa, e sem dúvida, muito melhor.
Uma belíssima lição de amor, que facilita o aprendizado alheio, é o que devemos agradecer a Sam, e ao seu grupo de amigos. Uma experiência que nos fará concordar com o vendedor de sapatos, quando os diminuídos geniais juntam os trocados –dólar com dólar, centavo com centavo- para custear o calçado de Lucy: “vendo isto somente posso concluir que Deus existe!!!”.