Carlos Drummond de Andrade: “Cadeira de Balanço”. Record. Rio de Janeiro, 1992. 256 pgs.

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     Ler Drummond é sempre sair com a sensação de que escrever é fácil, algo quase fisiológico. Não se poderia dizer o que ele diz, de modo mais simples e mais claro. Confesso que foi esse com esse propósito que retirei o livro que descansava há alguns anos na prateleira do meu escritório, à espera do momento oportuno. As semanas passadas ocupei-as em escrever a nova versão de um livro –que também estava esperando a oportunidade- e me lembrei de um conselho de um amigo escritor. Passávamos uns dias de feiras juntos e, sabendo que eu tinha uma obra de Drummond comigo, ma pediu emprestada por algumas horas. A minha cara de surpresa foi interpretada como uma interrogação, e ele respondeu de bate pronto: “Estou escrevendo alguma coisa, e preciso pegar vocabulário“. A lição ficou, e eu também me dispus a “pegar vocabulário” emprestado do Drummond. Não idéias, pois essas devem ser próprias; mas o modo de exprimi-las, de fazer-se claro.

     Cadeira de Balanço é um conjunto delicioso de crônicas do escritor mineiro, a maioria redigidas no Rio de Janeiro, sua segunda pátria. Motivos e temáticas variados, estilo singelo e claro, como uma conversa com o leitor, “aquelas conversas que são um recordar contínuo e calmo, passeio em terreno firme, conhecido, os dois sabendo cada folha de arbusto, o lugar da sombra a cada hora da tarde”.


Recordações que invocam o doutor do bairro, que carece chamar e você não queria incomodar e que, chegando, conversa à cabeceira do leito e faz a vil prostração da gripe recolher-se por instantes. Ou o ascensorista, na prisão a que está condenado durante a quarta parte do dia, ou durante a vida; prisão que se abre a todo momento, com regularidade monótona, e de que ele não pode fugir. Ou mesmo Deus que aparece ao cronista e lhe comunica que pensa pulverizar a cidade do Rio de Janeiro, caso não encontrasse um número razoável de justos. O cronista lhe apresenta o Alcides, motorista da linha Maxwell – Lapa, que é a alegria dos passageiros. Deus lhe concede a graça, mas recomenda não estragar o Alcides fazendo-o candidato a governador.

     E não poupa os recados de fundo, quando evoca a memória do filósofo amigo. “Não basta o que a vida ensina, pois como mestra a vida ensina mal: é demorada, insuficiente, especula com os dados de seu interesse imediato e muito se inclina a acomodar-se. Ela por si não larga segredos. O fundamental consiste em que cada um aprenda como as coisas são. Nesse aprendizado, sucessão de atos de coragem e dureza, principalmente coragem de fechar as portas ao erro que foi verdade, encontra-se a justificativa mais ilustre da existência humana”.

     Vivemos tempos onde o ativismo substitui a reflexão, envolvemo-nos em ação carente de idéias. E as poucas idéias que sobrevivem a esta amálgama de movimentos e ruídos, ficam trancadas no interior, por incapacidade de comunicá-las com nitidez. A tecnologia da informação é soberana que reina sobre súbditos vazios, que pouco tem a comunicar. E quando desejam fazê-lo, sentem a impotência da criança que mal gagueja um palavreado obscuro, incapaz de revelar as duas idéias que leva dentro. Sim, é preciso ler Drummond, ler os nossos escritores, emprestar deles o vocabulário capaz de veicular com transparência nossos pensamentos. Uma destreza que não se consegue com mutirões nem cursos intensivos, mas com empenho habitual em fechar as portas ao erro de sentir-se confortável por estar informado, para buscar a verdade da formação real, de edificar a própria cultura.

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